Alguém aí duvida de que nascer homem na maioria dos países do mundo já define na largada da existência uma condição diferenciada de vida, com amplas vantagens em relação ao segmento feminino? Dominamos as estruturas de poder em seus diferentes níveis de representação. Na política, um autêntico Clube do Bolinha, os varões disputam avidamente a maioria absoluta dos cargos no Executivo e no Legislativo. Não por acaso, a primeira mulher eleita presidente na História do Brasil, prefere ser chamada de “presidenta”, e tentou – sem sucesso – estabelecer uma cota mínima de mulheres no primeiro escalão do governo. A desproporção de gênero também se revela nas tradições religiosas onde Papas, Rabinos, Aiatolás e Lamas ditam as normas éticas que todos devem seguir. O comando das forças militares está a cargo dos machos que também se espalham uniformizados por tropas, batalhões e unidades especiais. Nas grandes empresas, como nas capas das principais revistas que revelam os bastidores do mundo dos negócios, aparecem em posição de destaque CEOs que “nasceram com aquilo roxo”. Mesmo nos países onde se busca maior justiça nas questões de gênero, a desigualdade se manifesta na diferença de valores pagos por salários de homens e mulheres que exercem rigorosamente a mesma função.
Como se tudo isso não bastasse, é importante nos darmos conta de como a atual crise ambiental sem precedentes na História da Humanidade guarda relação direta com esse excesso de testosterona em nosso metabolismo cultural. Os valores prevalentes da sociedade patriarcal, assim denominada por razões óbvias, forjaram ao longo dos últimos 4 mil anos um modelo de civilização que exalta como atributos importantes o uso da força, a dominação, a expansão e a competição. Explorada frenética e compulsivamente, Gaia, a Mãe Terra, dá claros sinais de exaustão.
No livro “Feminino e Masculino”, Leonardo Boff e Rose Marie Muraro propõem de forma bastante inspirada o resgate do feminino, tanto para o homem quanto para a mulher (sim, em boa parte do mundo são elas que ainda nos educam, e desse jeito). “Urge resgatarmos o melhor de ambas as tradições, a do matriarcado e a do patriarcado, seja como instituições históricas e culturais, seja como arquétipos e valores. Importa inseri-las em um novo paradigma”. Não por acaso, algumas mulheres são apontadas como protagonistas da grande virada do mundo na direção da sustentabilidade. A bióloga marinha americana Rachel Carson com o livro “Primavera Silenciosa”, que inaugurou o movimento ambientalista nos Estados Unidos; a ex-primeira-ministra da Noruega Gros Brundtland, que chefiou a comissão encarregada de pautar a Rio92 e popularizou mundialmente a expressão “desenvolvimento sustentável”; a queniana Wangari Maathai, primeira ambientalista a conquistar o Nobel da Paz entre tantas e tantas outras. É possível até que a atual crise que assola o planeta não possa ser resumida a uma simples questão de gênero. Mas é difícil imaginar que a solução desta crise não passe, em algum momento, por uma nova disposição de nós homens em perceber a realidade que nos cerca com a sensibilidade, a delicadeza e o amor maternal que só as mulheres têm.
André Trigueiro
(artigo escrito para a Revista GQ em 9/3/2011)