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Do Jesus/Oxalá da Mangueira (2017) ao Cristo mendigo da Beija-Flor (1989)

 

Jesus e Oxalá reunidos em um mesmo carro alegórico da Mangueira. Um e outro dividindo o mesmo espaço, o mesmo “corpo”, o mesmo sentido místico. O sincretismo religioso inspirou o enredo “Só com a ajuda do Santo’ que a verde e rosa levou para a Sapucaí na madrugada de hoje. Pude assistir ao desfile de perto e percebi extremo cuidado e respeito na abordagem do tema.

O uso de elementos religiosos em desfiles de escolas de samba já rendeu muita polêmica e confusão. Um dos casos mais conhecidos aconteceu em 1989 quando Joãosinho Trinta foi proibido pela Igreja de usar a imagem do Cristo retratado como mendigo no enredo “Ratos e urubus, larguem minha fantasia”. A imagem foi então coberta por um manto com a inscrição “Mesmo proibido olhai por nós!”. Isso deu o que falar…

É tênue a linha que separa o sagrado do profano. E não deixa de ser curiosa a maneira como os carnavalescos sentem a necessidade de transpor para a avenida o sentimento religioso dos brasileiros.

Se no Rio a Igreja não parece ter se incomodado com a mencionada alegoria de Jesus/Oxalá no desfile da Mangueira, em São Paulo a Unidos de Vila Maria contou com apoio explícito dos católicos para homenagear no enredo deste ano Nossa Senhora Aparecida. Os religiosos ajudaram o carnavalesco a construir em detalhes o enredo. Antes do desfile, a coroa e o manto da Padroeira do Brasil (que foram exibidos em plena avenida numa das alegorias da escola) chegaram a ser benzidas dentro do Santuário Nacional de Aparecida do Norte. Após a benção, um carro forte levou o manto e a coroa em segurança para o desfile da última sexta-feira no sambódromo paulistano.

É bonita a forma como religiosos e carnavalescos dialogam sem dogmas ou preconceitos, onde houver respeito e cuidado na forma como se retrata artisticamente o poder da fé. Se “Deus escreve certo por linhas tortas”, é possível que a Providência Divina – que nos alcança a todos, indistintamente – se manifeste ostensivamente também nos templos do carnaval.

 

André Trigueiro

 

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