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Yuval Harari e Jared Diamond defendem meio ambiente e democracia em visita ao Brasil

Por Claudia Guimarães

O instantâneo silêncio que se fez ao ser anunciado o primeiro palestrante do evento “Cidadão Global” dava a medida da expectativa de um auditório lotado, apesar do temporal que caía na cidade. Autor de best-sellers como Sapiens, uma breve história da humanidade, o historiador israelense Yuval Harari veio a São Paulo, em 5 de novembro – em uma parceria do jornal Valor Econômico com o banco Santander – para compartilhar, junto com o biogeógrafo e escritor americano Jared Diamond, suas reflexões sobre os principais desafios enfrentados hoje no mundo.

Em um inglês claro e pausado, Harari, 43 anos, começou sua palestra abordando uma questão muito atual: o ressurgimento do nacionalismo e suas consequências em diferentes países. Na sua opinião, líderes políticos, como o presidente americano Donald Trump, estão distorcendo o significado histórico do nacionalismo, ao associá-lo, entre outras coisas, à xenofobia: “Nacionalismo não é odiar os estrangeiros, é amar seus compatriotas”.

Para o historiador, também é falsa a ideia de uma oposição entre globalismo e nacionalismo, como vem sendo colocado pela extrema direita. Mas afirmou que é preciso se buscar um equilíbrio entre os interesses nacionais e os globais. Ressaltou ainda que globalismo não significa abandonar tradições e escancarar as fronteiras, “mas sim o compromisso com princípios capazes de regular as relações entre as nações”. E ilustrou essa ideia com uma imagem, ao dizer que via o mundo como uma orquestra, onde há harmonia, mas sem uniformidade, já que os músicos tocam diferentes instrumentos.

Os três grandes desafios da humanidade

Em sua primeira visita ao Brasil, Harari foi taxativo ao enumerar os maiores desafios que a humanidade enfrenta hoje: guerra nuclear, mudanças climáticas e a disrupção tecnológica.

Para evitarmos uma corrida mundial às armas nucleares, disse que é preciso trabalhar para se construir um ambiente global de confiança entre os países. Em relação às mudanças climáticas, criticou as elites, que cruzam os braços por acreditarem que seus recursos financeiros e tecnológicos as protegerão em caso de agravamento da crise ambiental.

Em relação ao surgimento de novas tecnologias e o consequente aumento do desemprego, principalmente nos países pobres, afirmou que o mercado de trabalho ficará cada vez mais volátil:

– As pessoas terão que se reinventar e se requalificar continuamente para novos postos de trabalhos. O problema é que nossos sistemas educacionais não estão formatados para dar conta dessa nova realidade. Porque não se trata mais de acumular conhecimentos já construídos, e sim de aprender a lidar com situações e questões ainda desconhecidas.

O historiador enfatizou que os países mais ricos terão recursos para enfrentar esse cenário de crescente automação e disseminação do uso da inteligência artificial, mas não os países pobres, “o que aumentará ainda mais a desigualdade no planeta”.

“É preciso votar em quem oferece uma visão de futuro”

Diante desse cenário mundial, Harari alertou para o fato de que uma ascensão de regimes fascistas se torna algo ainda mais perigoso hoje que no passado, porque eles são incapazes de lidar com esses problemas: “Sem cooperação global, nenhuma nação conseguirá lidar com esses desafios. Não podemos erguer muros para nos defendermos das mudanças climáticas, desastres nucleares e tecnologias disruptivas”.

O israelense destacou também a importância de se defender a democracia:

– Os regimes totalitários podem tomar decisões mais rápidas, já que não consultam instituições e pessoas, mas o problema é que não reconhecem seus erros. E todos cometem erros. Quando erram, culpam os “outros”, como os imigrantes, e pedem mais poder. Sabemos aonde isso nos levou na história.

Harari defendeu que, ao votar, as pessoas procurassem saber qual é a resposta dos seus candidatos às seguintes questões: o que vão fazer, se eleitos, para diminuir os riscos de uma guerra nuclear e das mudanças climáticas, e como pretendem regular as tecnologias disruptivas. “Perguntem também qual seria, na visão deles, o melhor e o pior cenário para o mundo em 2050. Se eles não oferecerem uma visão de futuro ou falarem constantemente do passado, não votem nele”, aconselhou.

“As crises nos obrigam a mudar”

Os fortes aplausos com que também foi recebido o segundo palestrante do evento mostraram a admiração do público pela trajetória do biogeógrafo, biólogo evolucionista e escritor americano Jared Diamond, de 82 anos. Autor de uma extensa obra, entre elas, Armas, germes e aço – ganhador do prestigiado prêmio Pulitzer – Diamond estava, como Harari, visitando o Brasil pela primeira vez.

Esbanjando simpatia e elegância, Diamond focou sua palestra principalmente nas ideias apresentadas em seu mais recente livro, Reviravolta: como indivíduos e nações bem sucedidas se recuperam das crises, onde mostra as semelhanças existentes nessas duas situações. Usando a prática terapêutica como guia – por influência, como reconheceu, do trabalho de sua esposa, que é psicóloga – Diamond enfatizou que crises nos levam a pensar aonde erramos e o que devemos fazer para superá-las.

Segundo ele, nessa hora, precisamos aceitar a nossa responsabilidade pelo que está acontecendo e assumir que devemos mudar. “Também temos que ser honestos conosco, conhecendo nossos pontos fortes e fracos (para não dar um passo maior que a perna) e buscar exemplos de quem passou por problemas semelhantes e os superou. É importante ser pacientes e experimentar diferentes caminhos”, sugeriu.

Em uma palestra sem uso de power point, Diamond disse que essas lições valem tanto para as pessoas quanto para os países, citando diversas vezes o Japão como um bem sucedido caso na história, e os Estados Unidos, como um mau exemplo hoje, por várias razões, entre elas, a grande desigualdade entre ricos e pobres, o declínio no investimento em educação, a forma como está lidando com os imigrantes e as restrições ao voto (que não é regulamentado  nacionalmente, mas sim pelos governos estaduais).

Sobre os principais desafios que a humanidade enfrenta hoje, o biogeógrafo concordou com Harari – apontando também o risco de uma guerra nuclear e as conseqüências das mudanças climáticas –, e acrescentou a desigualdade entre países ricos e pobres, e o problema da imigração no mundo: “Não é possível parar esse fluxo”, afirmou.

Recorrendo a uma antiga metáfora, Diamond disse que é como se estivéssemos diante de uma corrida de cavalos, onde um deles é o da destruição, que vai muito rápido, e o outro, o da sustentabilidade ecológica. “Em 2050, não estarei vivo, mas meus netos, sim… Hoje, esses dois cavalos estão emparelhados e não sabemos quem vai ganhar… o resultado depende de nós, das nossas escolhas. Podemos votar em quem tem políticas sensatas para lidar com esses desafios”.

“Brasil corre risco de suicídio econômico se destruir suas florestas”

 

O evento terminou com uma conversa dos dois palestrantes, mediada por Ronaldo Lemos, advogado especialista em tecnologia. Em um tom mais descontraído, responderam a perguntas do mediador, arrancando risadas e aplausos do público em vários momentos, como quando Harari, ao ser questionado sobre o que o levou a escrever livros, não titubeou ao se virar para Diamond e responder: “Ter lido os seus livros e ver que era possível tratar temas científicos de forma mais leve e acessível”.

Ao final, ao serem perguntados sobre que conselhos dariam ao Brasil, Harari enfatizou a importância de manter a democracia funcionando: “Em todo o mundo, temos visto menos fé na democracia, mas no longo prazo, ela é o que garante estabilidade às nações”.

Já Diamond sugeriu que o País pensasse em suas questões de sustentabilidade a partir de uma perspectiva de longo prazo, dando como exemplo a Amazônia. Disse que as florestas tropicais têm um ciclo hidrológico que não deveria ser alterado por uma perspectiva econômica de curto prazo. “Se a floresta for eliminada para o plantio de soja, você terá menos chuva, e depois menos soja”, exemplificou. E alertou: “O Brasil corre o risco de um suicídio econômico, se não gerenciar direito suas florestas”.

Claudia Guimarães
Jornalista
Claugui@uol.com.br

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