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Quando entrevistei o Padre Fábio de Mello sobre a depressão profunda que o acometeu no ano passado – e que o levou a pensar em suicídio – perguntei para ele onde estaria Deus no auge da crise. Sendo ele um padre, a pergunta fazia todo o sentido. “Deus estava onde sempre esteve. Eu é que não conseguia acessá-lo”, respondeu Fábio de Mello de forma serena e tranquila. Ao procurar ajuda especializada, ele encontrou forças para prosseguir. De forma generosa, tem compartilhado sua experiência sem qualquer pudor, em benefício de muita gente que sofre em silêncio, o que só agrava a situação.

Os profissionais de saúde que estudam o fenômeno do suicídio sabem que qualquer pessoa fragilizada psíquica ou emocionalmente pode cometer suicídio, independente do credo, nível de renda,  escolaridade, orientação sexual ou formação cultural. Também não é uma questão de caráter, valores ou formação profissional. Fui convidado para ministrar palestras voluntárias nas sedes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro (dois eventos diferentes) sobre o mesmo assunto: a prevenção do suicídio entre militares. Diante de estatísticas preocupantes dentro das respectivas corporações, policiais e bombeiros resolveram debater internamente o problema. Em ambos os casos, baseado nas pesquisas que fiz, lembrei que a facilidade de acesso ao meio (no caso, armas de fogo) é um fator de risco. Enfatizei a necessidade deles procurarem ajuda quando se sentirem deprimidos ou com qualquer sinal de desconforto psicológico. Treinados para serem super-homens, forjados na coragem ,na bravura e no destemor, muitos militares (inclusive das forças armadas e outros contingentes policiais) se sentem humilhados, derrotados pelo destino, quando se percebem impossibilitados de realizar seu trabalho por aquilo que consideram uma “fraqueza”. Nada disso corresponde à verdade. Não se é menos homem, ou menos valente, por ter depressão ou qualquer outro transtorno ou patologia. Isso também vale para as mulheres militares que se sentem imunes à episódios de fragilidade.

Evitar generalizações ou estereótipos sobre suicídio é a melhor forma de compreender o problema e prevenir novos casos. É consenso entre os especialistas que o suicídio é um problema complexo e multifatorial. Recomenda-se evitar generalizações ou conclusões apressadas sobre este problema de saúde pública. O importante é perceber quando alguém dá sinais de desinteresse, desânimo, desalento, com pouca ou nenhuma interação social, sem motivação para conversar ou interagir com os outros.  A depressão continua sendo o principal fator de risco suicida e as autoridades brasileiras precisam melhorar o atendimento gratuito na rede pública (principalmente pelos Centros de Atenção Psicosocial – CAPs), a fim de promover o devido diagnóstico e tratamento.

Reconhecido como serviço de utilidade pública, o CVV é o mais antigo serviço de apoio emocional e prevenção do suicídio do Brasil. Criado em 1962, o Centro de Valorização da Vida não tem nenhuma vinculação política ou religiosa e vem realizando 3 milhões de atendimentos gratuitos por ano sem grande divulgação nas mídias. Apesar de tudo isso, o Brasil ainda registra aproximadamente 32 óbitos por suicídio por dia. Para reduzir as estatísticas, é preciso quebrar o tabu e ampliar as redes de atenção e de cuidado, envolvendo toda a sociedade. Todos estamos aptos a fazer algo por alguém que esteja atravessando uma situação aflitiva. Oferecer uma escuta atenciosa não é pouca coisa. Encaminhar a pessoa para uma ajuda especializada pode fazer toda a diferença. Estar atento a qualquer sinal que indique risco de uma tragédia pode salvar vidas. Para isso serve o Setembro Amarelo.

Confira abaixo o depoimento do Padre Fábio de Mello

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