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Dando nome aos bois

Não se passa impunemente pela experiência de se viver num país que tem mais bois no pasto (214 milhões de cabeças) do que brasileiros. Nossa identidade nacional é profundamente impactada pelo que alguns chamam de “opção estratégica”.

A pecuária ocupa 172 milhões de hectares, mais de 20% do território brasileiro – 3 vezes mais que a área ocupada pela agricultura – e esse amplo domínio territorial se dá de forma perdulária, com apenas um boi por hectare (em média) e mais da metade dos pastos com altos níveis de degradação.

A tradição ruralista de “enricar” com uns boizinhos no pasto é antiga, e só perde em longevidade para a gigantesca concentração de terra nas mãos de poucos. O mais recente Mapa Fundiário do Brasil, divulgado dias atrás, aponta que mais da metade do território nacional (53%) é de terras privadas, muito mais que as terras públicas (37%) ou assentamentos (5%).

Parte dessas terras pertence aos políticos que, por vezes, dão claros sinais de legislar em causa própria. Um levantamento feito pela pesquisadora da USP Sandra Helena G. Costa, reunindo todos os deputados federais e senadores da legislatura anterior – quando a bancada ruralista era menor do que é hoje – revelou que 351 parlamentares declararam possuir 863.646,53 hectares de terra.

Atualmente, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) repudia qualquer política contrária aos interesses do setor, principalmente aquelas relacionadas à proteção das florestas, dos direitos indígenas ou a necessidade de reduzir as emissões de gases estufa no campo.

Nem o conjunto de medidas destinadas a reduzir o estoque de dor, sofrimento e crueldade impostos aos animais nos processos de criação, transporte e abate – denominado de “bem estar animal” – é levado a sério pelo atual ministro da Agricultura. Dias atrás, em uma coletiva em Brasília, Blairo Maggi menosprezou o que vem sendo defendido abertamente por importantes cadeias de fornecedores do setor de alimentos. “Vai ao contrário do que a gente está fazendo aqui. Tomamos a decisão de não avançar nessa área”, disse o ministro. Aliás, a expressão “proteína animal” é bastante conveniente para “coisificar” o que é na verdade um ser vivo complexo, capaz de sentir, dor, agonia, medo, prazer. Quem pensa nos direitos da “proteína”?

Principal vetor de desmatamento no Brasil, ostentando indicadores vexatórios de flagrantes do Ministério do Trabalho pelo uso de mão de obra equivalente à escravidão, sem certificações confiáveis de origem legal (a própria JBS, com seus mais de 70 mil fornecedores de gado – 40 mil dos quais na Amazônia – admite problemas em rastrear com 100% de eficiência toda a sua cadeia) e com um terço de toda a produção de carne do país fora do radar da legalidade (sem qualquer fiscalização) essa indústria ainda tem muito o que avançar.

A sociedade deve exigir rastreabilidade e selagem confiáveis, e punição severa para quem não produz de forma ética, respeitando as legislações ambiental e trabalhista. Comer carne é opção de cada um. Saber o que vem junto também.

 

André Trigueiro

 

Fonte: Folha de S. Paulo

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