Legado do Fórum Mundial da Água é excelente.

Não se mede o resultado de um evento pelo seu tamanho ou custo, mas pela capacidade de gerar reflexão e atitude, transformando informação em nutriente para a mudança. Foi o que aconteceu na maior edição da história do Fórum Mundial da Água, que reuniu mais de 100 mil pessoas em Brasília. Em pleno racionamento de água, o Governo do Distrito Federal foi obrigado a admitir que além da falta de chuva, houve desleixo na proteção das nascentes e mananciais, e na contenção das invasões que ocuparam as margens dos reservatórios. Algo recorrente em outras partes do país.

O IBGE divulgou no Fórum o mais completo estudo já feito sobre a importância da água para o PIB. Maior demandante de água dentre todos os setores da economia, a agropecuária foi apontada como o menos eficiente no uso desse precioso recurso, gerando apenas R$ 11 para cada mil litros consumidos (na média, para cada mil litros consumidos pela economia nacional, o retorno é de R$ 169,00). Sem priorizar o uso sustentável de água nas lavouras, a Confederação de Agricultura e Pecuária no Brasil (CNA) lançou no Fórum a “Comissão Nacional de Irrigação”, com o objetivo de dobrar a água irrigada do país num futuro próximo. O problema é que não haverá futuro para este setor se as técnicas de irrigação prevalentes (pivô central, aspersores, inundação) não forem modernizadas, ajustando a oferta de água à justa demanda de cada planta.

Num país onde as águas são castigadas pelos resíduos de fertilizantes e agrotóxicos, pelos esgotos sem tratamento de quase 100 milhões de pessoas, pelos metais pesados despejados por garimpeiros ilegais, entre outros impactos, o senso de urgência trazido pelo Fórum trouxe novas disposições para enfrentar velhos problemas. Os exemplos de países como Israel, Austrália e Cingapura foram inspiradores. A gravíssima crise hídrica da Cidade do Cabo – primeira metrópole dos tempos modernos a enfrentar o risco real de deixar sem água aproximadamente 4 milhões de pessoas – serve de alerta para os incautos. Grandes empresas como Coca-Cola e Nestlé (que utilizam gigantescas quantidades de água em seus processos e entendem esse bem público como um produto) parecem hoje mais preocupadas em se livrar da mira de ONGs e personalidade influentes que denunciam o risco dos seus negócios ameaçarem o abastecimento de comunidades inteiras.

Em resumo: o país campeão mundial de água doce parece ter percebido o ridículo que é ostentar a abundância (concentrada na Região Norte onde residem apenas 8% da população brasileira) quando os cenários de escassez por omissão, leniência e imperícia se avizinham perigosamente. O legado do Fórum é excelente. O que realizar a partir disso é o nosso grande desafio daqui pra frente.

André Trigueiro

Fonte: Folha de S. Paulo