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A utopia que não morre

 

Por Cláudia Guimarães, jornalista e educadora ambiental

Fonte: Artigo exclusivo

 

“Árvore não é dinheiro. Natureza não é commoditie”. Com essas palavras, a conhecida ativista ambiental indiana Vandana Shiva resumiu a luta que vem travando há quase 40 anos em defesa do meio ambiente e dos direitos das mulheres.

A declaração foi feita nessa terça-feira (19), na Cúpula dos Povos, no Aterro, em um evento que teve por objetivo reunir no mesmo espaço jovens lideranças com expoentes nacionais e estrangeiros da luta em prol do ambiente e da qualidade de vida, como Marina Silva, Oded Gradjew, Ailton Kranak e Heloísa Helena.

“Verde é a cor da vida, não da nota de dólar”, acrescentou Vandana, numa crítica à expressão economia verde. E alertou: “As corporações estão sempre tentando redigir leis que lhes permitam dominar nossos recursos naturais”.

Como uma das principais vozes internacionais contra a transgenia e em defesa das chamadas sementes selvagens, a ativista indiana não poupou críticas à multinacional Monsanto. “As sementes têm milhões de anos de evolução e milhares de anos de manejo do homem até chegarem a nós. As sementes não são uma invenção da Monsanto. Essa empresa não é deus e não criou a vida”.

Mesmo antes da conclusão da Rio+20, Vandana Shiva não manifestou qualquer otimismo em relação ao resultado da conferência oficial. “Os que estão no Riocentro querem é desfazer o que construímos juntos, há 20 anos, na Rio-92”. Mas reafirmou a esperança no poder da mobilização da sociedade. “Não é lá, mas aqui, na Cúpula dos Povos, que as sementes do futuro serão plantadas”.

 

A importância do voto

Oded Gradjew, uma das principais lideranças do terceiro setor no Brasil, aproveitou a ocasião para lembrar que, no caso do Brasil, estamos agora diante de mais uma oportunidade de fazer a diferença. “Daqui a poucos meses, teremos eleições para prefeito. É uma escolha muito importante. Cada um tem que sair daqui com um dever de casa: mobilizar as pessoas a votarem em candidatos comprometidos com a sustentabilidade. A cidadania não pode se limitar ao discurso. Ajam!”, exortou.

Ainda sobre as eleições, Oded defendeu uma mudança no sistema de financiamento das campanhas políticas. “Temos que saber quem está por trás do nosso candidato. A pergunta a ser feita a ele é bem simples: ‘Quem financia a sua campanha?’ Se ele não responder, não vote nele”.

 

Com a palavra, os jovens

Entre os jovens, a tônica era a crítica ao atual modelo de desenvolvimento e à exclusão da sociedade civil do processo de tomadas de decisão na Rio+20. Fernanda Kaigang, primeira índia a ter mestrado em Direito no Brasil, foi contundente: “Faremos tudo para discutir com governos daltônicos qual é a cor da economia ‘verde’. Porque nunca fomos recompensados pelos serviços ambientais que nós, povos indígenas, prestamos. Como é que se discutem no Riocentro questões relacionadas à biodiversidade e ao desmatamento, enquanto as populações indígenas, que realmente têm algo a falar sobre isso, estão abandonadas no Aterro?”, perguntou.

Já Damaris Paes, membro da Rede da Juventude pelo Meio Ambiente (Rejuma) em Manaus, foi sucinta ao usar da palavra para mandar um recado aos mais velhos: “Precisamos das suas histórias, dos seus exemplos vivos. Mas não queremos que vocês fiquem apontando o dedo para nós e nos lembrando das nossas responsabilidades quanto ao futuro do planeta. Temos todos que trabalhar juntos”.

O que se viu naquele encontro é que o olhar crítico dos jovens não esmoreceu em nenhum deles a esperança em um futuro ambientalmente mais equilibrado e socialmente mais justo. “Todos temos a oportunidade de nos tornar heróis da causa ambiental”, disse Johnny, um dos fundadores organização não-governamental 350 (uma referência ao limite de 350 ppm de CO2 na atmosfera, considerado seguro pelos cientistas). Apesar da falta de avanços na reunião oficial, ele acredita na possibilidade da Humanidade reescrever a sua história, “porque a mudança que queremos vai acontecer aqui, nesses fóruns, e não lá”.

 

O papel das redes sociais

O líder indígena Ailton Krenak, por sua vez, destacou um dos maiores avanços ocorridos após a Rio-92: o desenvolvimento das novas tecnologias de comunicação. “As novas gerações, com suas práticas de atuar em rede, estão estimulando a interação. Temos que aprender com eles”.

Essa nova realidade também foi ressaltada pela ex-ministra do Meio Ambiente. “Está surgindo um novo tipo de ativismo: o ativismo autoral. Nós, os mais velhos, somos da época do ativismo dirigido. Precisávamos de partidos e organizações para atuarmos. Hoje, as tecnologias da informação permitem que cada pessoa seja autora de sua militância. Hoje somos todos protagonistas. Mas temos que ter o cuidado de não cair no individualismo. O interesse coletivo tem que ser autoral”.

Sobre as suas expectativas quanto aos resultados da Rio+20, Marina Silva não tem dúvidas de que o documento oficial vai conter apenas objetivos genéricos “para que nada mude”. Na sua opinião, faltou discutir algo fundamental: a questão da governança. E acrescentou: “Exilaram a ciência do debate, por causa dos seus alertas sobre a gravidade da degradação ambiental, e domesticaram a maior parte dos políticos”.

Para a ex-ministra do Meio Ambiente, “não temos como fazer as mudanças necessárias mediante rupturas bruscas, como acreditávamos no passado”. Mas ressaltou a urgência das mudanças: “O caminho é uma mutação positiva e transformadora”.

Ao finalizar, Marina Silva conclamou os jovens a não deixarem de ser sonhadores. “Se eu fosse realista e pragmática, não estaria aqui. Quem acabou com o apartheid, na África do Sul, foi o sonho”, disse.

 

 

 

 

 

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