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Um país, dois presidentes e o terceiro mandato de Lula

 

Lula só será subalterno ou hierarquicamente inferior a Dilma no papel. Na prática, muda-se o eixo gravitacional da Esplanada para a Casa Civil. Gastará precioso tempo negociando alianças e apoios para evitar o impeachment de Dilma. Depois, tentará evitar o esfarelamento do governo e do PT. Cada uma dessas missões se confunde com a preocupação de salvar o próprio pescoço.

Com o Ministério, Lula ganha foro privilegiado e umas linhas adicionais em sua biografia que deixará os historiadores do futuro intrigados: virar ministro no calor das investigações que o apontam como suspeito de alguns crimes foi apenas coincidência?

Não se sabe exatamente como foi a conversa de Lula com Dilma antes da confirmação do novo super-ministro. Criador e criatura reunidos na mesma equipe dias depois das maiores manifestações de rua da História do País terem hostilizado ostensivamente os dois. Encontraram-se no mesmo dia em que a explosiva delação premiada do ex-líder do Governo no Senado foi homologada pelo Supremo Tribunal Federal. E horas depois do Ministro da Educação ter de explicar em uma constrangida entrevista coletiva o que disse ao assessor de Delcídio, em uma conversa gravada e registrada nos autos da delação.

Pra quem sempre se divertiu com metáforas inspiradas no futebol, Lula provavelmente se vê como o craque que haverá de tirar o time da segunda divisão da política. E que nega a acusação de praticar o “antijogo”. Xinga o juiz, faz sinais obscenos pra torcida adversária e luta para não perder a confiança dos torcedores que restaram na arquibancada.
A julgar pelos companheiros de time que já foram expulsos de campo, o camisa 10 do time vermelho possivelmente acha que os fins justificam os meios. E segue adiante.

Dilma nunca deu sinais de gostar da política ou dos políticos.
Na maior parte de seu mandato foram raros e protocolares seus encontros com deputados e senadores. Seus emissários retornavam de negociações no Congresso com acordos selados que, não raro, foram invalidados rapidamente por ela.
Seu vice, Michel Temer (autodeclarado “vice decorativo”) fez questão de escrever naquela carta endereçada à Dilma – e que estranhamente vazou na imprensa – que “os acordos assumidos no Parlamento não foram cumpridos”.

Na prática, Dilma deverá se empenhar daqui pra frente em desmentir todos os que vaticinam que sua nova função em Brasília passaria a ser algo equivalente à Rainha da Inglaterra.

Seria cômico se não fosse trágico. O Brasil perdeu o rumo. O governo democraticamente reeleito (e empossado há pouco mais de três meses) se assemelha a um cadáver insepulto.
Lula, Renan, Cunha, Aécio e muitos outros políticos ainda influentes e poderosos de vários partidos políticos estão na mira da Justiça com uma saraivada de denúncias, provas, indícios, delações premiadas (cada caso tem a sua peculiaridade, invariavelmente desonrosa) e quanto mais se aperta o cerco, mais se apegam a cargos públicos, sobre os quais não deveria haver a mínima suspeita.

Espoliado, subtraído, vilipendiado, esgarçado, o país acompanha perplexo o rumo dos acontecimentos. No estado democrático de direito, todos são inocentes até que se prove o contrário. É justo. Mas onde há fumaça, há fogo. E o fumacê vai longe…

André Trigueiro

 

 

 

 

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