Ponto de mutação

 

Por Rodrigo Oliveira

Fonte: Boavontade.com

 

A iminente crise ambiental que ameaça o mundo deve alterar drasticamente nossa forma de pensar, agir e fazer planos para o futuro. Principalmente nas últimas décadas, o ser humano desmatou florestas, pescou sem medidas, poluiu o ar e a água, extraiu tudo o que podia da casa Terra, com pouquíssima ou nenhuma preocupação com a continuidade e a conservação dos recursos naturais.

Muita gente, no entanto, tem buscado o equilíbrio perdido, afirmando que é preciso deixar de lado o individualismo, ser mais solidário e abraçar causas em benefício desta morada global. Entre os que seguem à frente nessa luta está o escritor, jornalista e palestrante André Trigueiro, que trabalha, como ele mesmo afirma no slogan de seu blog, Mundo Sustentável (www.mundosustentavel.com.br), “abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação”. Ele recebeu a equipe da Super Rede Boa Vontade de Comunicação (rádio, TV, portal e publicações) nas dependências da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), na qual é professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental, para falar dos desafios do momento atual e das expectativas em relação à 21a Conferência das Partes (COP 21), que se realizará em dezembro, na capital francesa.

 

“Não existe neutralidade no Universo. Para você fazer o Bem, tem de sair da zona de conforto e prontificar-se a realizar. Para fazer o mal, por vezes basta a omissão.”

 

Na esclarecedora entrevista, Trigueiro deu informações valiosas acerca desses e de outros tópicos relevantes, fazendo-o com conhecimento de causa, pois, na qualidade de editor-chefe do programa Cidades e Soluções — transmitido pela GloboNews —, repórter da TV Globo e comentarista da Rádio CBN, costuma viajar pelo Brasil e pelo exterior em busca de pautas socioambientais. A seguir, os principais trechos dessa conversa.

 

 

BOA VONTADE — Seu nome está muito associado à questão da sustentabilidade. O jornalismo levou-o para esse caminho?

André Trigueiro — Com toda a franqueza, foi uma adesão pessoal, espiritual. Na verdade, se eu não fosse jornalista (…), certamente estaria convergindo na direção de um protocolo de atividades associadas ao senso de urgência que o planeta requer de nós (…), estaria motivado a construir pontes entre a atividade profissional e esse engajamento com uma nova ética civilizatória que permitisse a esperança, a chance de a Humanidade viver num planeta sem escassez do que a nós é essencial: água boa de beber, terra fértil e ar respirável. Esse risco [de escassez] não é exagero. Não é sensacionalismo ou alarmismo. Infelizmente, o atual modelo de desenvolvimento ainda significa risco para nossa espécie. (…) Qualquer pessoa que esteja viva e minimamente informada sobre o que está acontecendo deveria perceber que não há tempo a perder. (…) Eu, sinceramente, me tornei uma pessoa melhor com esse viés ambientalista, apesar de muitas imperfeições e problemas, porque ele me fez ser mais solidário e mais preocupado em realizar, no dia a dia, pequenos gestos que interferem na qualidade de vida da comunidade.

 

“Espero que a COP de Paris tenha a coragem que a Rio+20 não teve de eliminar subsídio para combustível fóssil. (…) Não quero viver no mundo que estabelece subsídio para os piores inimigos do efeito estufa.”

 

BV — Para chegar a esta sala no quarto andar, você utilizou as escadas. Isso reflete essas pequeninas ações?

Trigueiro — Isso faz parte. Eu diria [que estas] são exercícios espirituais. Enquanto estivermos por aqui, precisamos deixar um legado, e o legado não necessariamente precisa ser o que é visível, o que alguém está percebendo; é o que você na sua intimidade realiza. Isso expressa uma verdade, uma convicção que [você] construiu. É assim que a gente se remodela e se educa para um mundo diferente. Esse mundo melhor e mais justo começa por nós.

O jornalista André Trigueiro (D), repórter da TV Globo, e Rodrigo de Oliveira, da revista BOA VONTADE | Foto: Priscilla Antunes

 

 

BV — Logo no início de nossa conversa, você falou sobre o fator espiritual. Como ele o ajudou nesse caminho?

Trigueiro — Quando se fala de meio ambiente, se está falando de uma totalidade integrada e de um universo sistêmico, de todas as partes que se interconectam, interagem e são interdependentes. Essa é a visão que a Ciência moderna tem. Essa é uma visão espiritual, quer dizer, em certa medida, quando discorremos sobre a totalidade integrada, essa poderia ser uma definição de Deus. Eu sou espírita, e na leitura das obras básicas de Allan Kardec vemos, por exemplo, essa visão da totalidade integrada, em que todos nós, por sucessivas existências — somos, os espíritas, reencarnacionistas —, vamos avançando por todos os reinos da Natureza. Mas, veja, eu não faço proselitismo. [A crença na reencarnação] é assunto individual. Cada um tem o direito de crer ou não crer. Agora, o que faz a diferença, do ponto de vista espiritual, é o que você pratica. É bem possível que no céu dos espíritas, dos católicos, dos budistas e dos islâmicos haja muita gente numa condição privilegiada que não acreditava em nada na Terra, mas fazia toda a diferença em favor do seu semelhante, do planeta e de si mesmo.

 

“Quando se fala de meio ambiente, se está falando de uma totalidade integrada e de um universo sistêmico, de todas as partes que se interconectam, interagem e são interdependentes. Essa é a visão que a Ciência moderna tem. Essa é uma visão espiritual, quer dizer, em certa medida, quando discorremos sobre a totalidade integrada, essa poderia ser uma definição de Deus.”

 

BV — Falando nesse esforço global, o que o mundo espera da Conferência do Clima 2015?

Trigueiro — Primeiro, a singularidade dessa conferência é [a de] que ela é a primeira que admite as propostas voluntárias dos países. Nós teremos a condição de verificar qual é a disposição de cada nação em fazer a sua parte para que o planeta não adentre a segunda metade do século 21 com o cenário extremamente hostil, causado pela elevação da temperatura acima de 2 graus. Segundo ponto importante: foi emblemática a maneira como a China e os Estados Unidos, que juntos respondem por metade das emissões de gases [de efeito] estufa, antes da conferência de Paris já disseram o que pretendem fazer — o que é bastante interessante, [pois ambos estão] gerando pressão sobre outros países. Terceiro: acho que, a partir [desse evento] de Paris, aceleraremos o processo na direção de uma economia de baixo carbono. Significa dizer que se abre caminho, por exemplo, para a Organização Mundial do Comércio não mais tolerar que um produto que venha de um país que não tem nenhum rigor na redução das emissões de gases [de efeito] estufa seja vendido mais barato porque o país não está investindo nada para substituir carvão, petróleo e gás. Você criará um ambiente onde os produtos que tenham a pegada de carbono muito elevada não possam mais ser competitivos por ser ineficientes. Também espero que a COP de Paris tenha a coragem que a Rio+20 não teve de eliminar subsídio para combustível fóssil. Nós temos entre 800 bilhões e 1 trilhão de dólares gastos por ano em subsídio para um setor que já é lucrativo. (…) Não quero viver no mundo que estabelece subsídio para os piores inimigos do efeito estufa. Minha avó dizia algo sábio: “Você não faz omelete sem quebrar os ovos”. A melhor negociação é aquela [de] que ninguém sai totalmente satisfeito. Desculpe-me quem não se tocou de que o terceiro milênio nos traz um cenário cada vez mais hostil e difícil, porque não estamos, desde já, encarando os problemas como deveríamos. Este é um mundo que está demandando maior protagonismo, voluntarismo, altruísmo… Nós precisamos fazer a nossa parte.

 

BV — Em recente reportagem, você destacou que no setor da energia eólica não há crise. Ela já responde por 5% de toda a energia consumida no país. Em 2020, deverão ser impressionantes 10,5%. Quais são as perspectivas das energias renováveis no nosso país?

Trigueiro — A utilização de energia eólica é um case de sucesso internacional. Há cinco anos, ninguém imaginaria ser possível [isso]. O Brasil, de fato, surpreendeu o mundo e os próprios brasileiros. Eu fiquei muito entusiasmado ao entrevistar o diretor-geral do ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico), Hermes Chipp, que disse: “Eu mudei de ideia em relação à eólica. Assustava-me a presença de uma fonte instável, porque nem toda hora venta”. Hoje, ele acredita que, nos próximos anos, haverá um desempenho ainda mais impressionante. Somos testemunhas de um período histórico, e o Brasil parte, de forma assertiva, na direção de outras fontes de energia, que são abundantes no nosso território. Os ventos do Nordeste são os melhores do mundo. Quem está investindo em parque eólico nessa região está impressionado com o que eles chamam de fator de capacidade. A média mundial é de 30%, ou seja, 30% desse fator estão gerando energia do jeito que se espera. Os outros 70%, não. No Nordeste, em 12 de agosto de 2015, o fator de capacidade dos parques eólicos da região foi de inacreditáveis 80%! E a [energia] solar vai na mesma direção. Eu estive, [no] ano passado, na China e, em 2013, na Alemanha e nos Estados Unidos e vi a energia solar bombar. O curioso é que o melhor lugar da Alemanha para instalar um parque eólico equivale ao pior lugar do Brasil. É incrível o nosso potencial!

 

BV — Qual é a responsabilidade de cada cidadão para com as metas mundiais?

Trigueiro — Consumir de forma consciente. O consumismo agrava o efeito estufa, porque todos os produtos ou serviços, para serem ofertados a nós, demandaram emissões de gases [de efeito] estufa. Se eu consumo com moderação, estou desacelerando essa emissão de CO2. Usar energia de forma moderada. O brasileiro já o está fazendo por conta das tarifas caríssimas de energia elétrica, mas é importante introjetar isso na rotina sempre. Privilegiar o transporte público ao máximo ou a bicicleta, quando houver segurança, ou ir a pé a deslocamentos razoáveis, que faz bem à saúde. Precisamos valorizar as áreas verdes na cidade, [pois] cada vegetal que cresce retira ou sequestra o CO2 da atmosfera, e reduzir o consumo de água. Nós somos filhos de Deus existindo na Terra. Esta casa não nos pertence; somos inquilinos. E, pela lei do inquilinato, eu tenho que devolver o imóvel, no mínimo, em perfeitas condições, como o encontrei. (…) Não existe neutralidade no Universo. Para você fazer o Bem, tem de sair da zona de conforto e prontificar-se a realizar. Para fazer o mal, por vezes basta a omissão. A gente precisa disponibilizar-se para [a] mudança, e isso requer atitude, engajamento. Não tenha medo de se comprometer com uma causa, porque isso empresta sabor à vida.

 

Ao término da entrevista, André Trigueiro retribuiu a saudação do diretor-presidente da LBV, o jornalista Paiva Netto, com a mensagem: “Obrigado! Mande um abraço para ele. Estamos juntos. (…) Façamos a nossa parte por um mundo melhor e mais justo, um planeta sustentável”.