A avalanche de lama da Samarco, a nuvem de gás tóxico do Porto de Santos, os vazamentos de chorume do velho aterro de lixo de Gramacho (Duque de Caxias) e também do novo Aterro de Seropédica – inaugurado há apenas cinco anos como o “mais moderno do Brasil” – não merecem ser entendidos como simples acidentes.
Eles evidenciam de forma escandalosa a fragilidade do setor público na atribuição que lhe compete de organizar rotinas de licenciamento e fiscalização à altura dos riscos desses empreendimentos.
Licenciamento frouxo e fiscalização ausente (ou deficiente) abrem espaço para tragédias. Enquanto isso, discute-se em Brasília novos protocolos “mais ágeis” de licenciamento que possam “destravar” a burocracia e “acelerar” o crescimento do país.
Sob o pretexto de eliminar a letargia de alguns processos de licenciamento – que de fato atrapalham alguns empreendimentos – a disposição do Congresso parece ser a de “flexibilizar” de forma sem precedentes as regras vigentes, ou, se possível, permitir o ”autolicenciamento” das empresas com “fiscalização posterior”, como defendeu recentemente a presidente do Ibama, Marilene Ramos.
Em resumo: se hoje, com regras supostamente mais rígidas, já acompanhamos perplexos níveis absurdos de exposição ao risco, como seria se as próprias empresas pudessem se autolicenciar?
O chamado “Princípio da precaução” – que aparece em nossa Constituição Federal como um princípio norteador das políticas públicas – inspirou o seguinte trecho da nossa Carta Magna (artigo 225, § 1°, V ):
“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1o – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
[…]
IV – Exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio do impacto ambiental.”
No próprio site do Ministério do Meio Ambiente, quando o assunto é o já citado “Princípio da Precaução”, exibe-se o seguinte texto:
“Quando não se aplica o Princípio da Precaução, as perguntas que normalmente são feitas são do tipo: Quão seguro é o produto ou processo? Qual o nível de risco aceitável? Quanto de contaminação pode o homem ou o ecossistema assimilar sem mostrar efeito adverso óbvio? Entretanto, quando é utilizada a ciência precaucionária, as perguntas mudam de natureza e são do tipo: quanta contaminação pode ser evitada enquanto se mantém certos valores? Quais são as alternativas para a atividade? Qual a necessidade e a pertinência da atividade?”.
No papel é bonito.
Mas a dura realidade é da lama, do chorume, do gás tóxico e de outras ameaças que só nos alcançam porque alguém não leu ou simplesmente não quer cumprir a Lei.
André Trigueiro