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“A internet nos dá a falsa sensação de estarmos no controle das nossas vidas”

 

Por Claudia Guimarães, jornalista e educadora ambiental

Fonte: Artigo Exclusivo

 

A expectativa era enorme. No auditório onde se realizava o evento Educação 360, o silêncio reinava absoluto. Pela primeira vez, os brasileiros teriam a oportunidade de escutar ao vivo o sociólogo polonês Zygmunt Bauman, de 89 anos, criador do conceito de “modernidade líquida”, marcada pela insegurança, instabilidade e efemeridade – dos produtos que consumimos a nossas relações pessoais.

Se o início da palestra foi centrado nos desafios da educação no século XXI, como postamos aqui ontem, boa parte da sua fala terminou abordando um dos assuntos favoritos de Bauman: o fenômeno da internet e como ele se insere nesses “tempos líquidos”.

Em seu livro Vigilância líquida, o sociólogo já resumia em uma frase a abordagem que faria desse tema na palestra no Rio de Janeiro: “Hoje, o medo da exposição foi abafado pela alegria de ser notado”.

Na mesma obra, observava que vivemos numa sociedade confessional, “que se destaca por eliminar a fronteira que antes separava o privado do público, e por fazer da exposição pública do privado, uma virtude e uma obrigação públicas”.

E com muita argúcia, acrescentava: “A paixão por se fazer registrar é um exemplo importante, talvez o mais gritante, dos nossos tempos, nos quais a versão atualizada do cogito (penso) de Descartes seria: ´Sou visto (observado, notado, registrado), logo existo´.”

Em sua palestra de mais de uma hora, muito concorrida, apesar da chuva e do frio, Bauman voltou a se debruçar sobre esse tema, compartilhando com a plateia suas impressões sobre o mundo virtual.

Na sua opinião, a internet foi abraçada “com tanta alegria” porque dá a agradável sensação de liberdade e de escolha. Além disso, “a internet e o Facebook nos tranquilizam e nos dão a sensação de proteção e abrigo, afastando o medo inconsciente de sermos abandonados. Na verdade, muitas vezes você está cercado de pessoas tão solitárias quanto você”, afirmou.

A dissolução dos laços comunitários tradicionais e a sensação de “falta de pertencimento” no mundo moderno têm sido, aliás, um dos assuntos recorrentes em seus livros. E naquela tarde, o tema veio à baila quando o sociólogo lembrou que, com a internet, estamos criando uma rede, não uma comunidade:

– A rede pertence a mim; quanto à comunidade, eu pertenço a ela. Na rede, é possível remover e selecionar com quem quero relacionar. Enquanto eu quiser essa rede existe. Se eu parar de nutri-la, a rede vai desaparecer.

Com seu olhar perspicaz, que foge ao senso comum e sempre descortina novos horizontes, Bauman apontou que a internet cria uma enganosa zona de conforto, onde o “estrangeiro” – ou seja, todo aquele que pensa diferente de nós – pode ser excluído a qualquer momento, com apenas um clique.

– É como um condomínio de pessoas ricas, que expulsa os que querem entrar. A zona de conforto é o eco que reflete nossa própria voz. Ou um espelho que reflete nosso próprio rosto.

O problema, ressaltou, é que no mundo off-line (em casa, no trabalho, na escola, na rua) não é possível eliminar as pessoas que não gostamos e, portanto, precisamos estabelecer um diálogo.

– Mas, no mundo on-line, onde grande parte das pessoas passa pelo menos nove horas por dia, não desenvolvemos as habilidades sociais indispensáveis ao convívio com as outras pessoas.

Para o sociólogo, essa situação traz consequências graves para a sociedade, porque “a arte do diálogo será cada vez mais necessária em um planeta globalizado. E, até agora, não estamos conseguindo avançar nessa direção”, afirmou.

Diante de uma plateia que absorvia cada palavra como uma fina e rara iguaria, Bauman ressaltou também a falsa percepção que a internet nos proporciona de estarmos no controle de quem somos, assim como das nossas vidas:

– A internet cria a ilusão de que nossos problemas serão resolvidos. Mas, em algum momento, você terá que voltar ao mundo real, off-line.

Todos esses aspectos não significam, ponderou, que o advento da internet não tenha trazido grandes vantagens.“Não há como conceber a sociedade no futuro sem tecnologia. Então, se não pode vencê-la, una-se a ela”. Mais adiante, concluiu: “Mas temos o permanente desafio de encontrar formas de usá-la a serviço do bem comum”.

Ao final da palestra, Bauman reservou um generoso espaço para responder a perguntas feitas pela plateia e, apesar dos quase 90 anos, ainda encontrou energia para atender uma longa fila de fãs em busca do seu autógrafo. Depois de tantos anos de espera pela chance de vê-lo pessoalmente, Bauman havia superado todas as expectativas dos que o admiram e há anos acompanham a sua obra.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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