A urbanização acelerada do mundo impactou a geopolítica e tornou as decisões dos governos locais tão ou mais importantes do que as dos chefes de estado. Em um planeta onde mais da metade da população já vive nas cidades (no Brasil, a taxa de urbanização é de 84,4%), os prefeitos das grandes cidades já perceberam que essa nova conjuntura abre novas oportunidades para eles, e também riscos. Reunidos em São Paulo na última semana de maio, os prefeitos da C-40 – grupo das 40 cidades mais importantes do mundo e 19 filiadas – ostentaram indicadores que confirmam esse prestígio. Juntos, os prefeitos dessas cidades representam os interesses de 560 milhões de pessoas, respondem por 21% do PIB mundial e são responsáveis por 12% das emissões globais de gases estufa.
Embora o principal foco desta rede de cidades seja a redução das emissões de gases estufa e a adaptação às mudanças climáticas, o alcance da “agenda do clima” da C-40 impacta diretamente as mais importantes rotinas da administração municipal, especialmente nos capítulos da construção civil, mobilidade, gestão de resíduos sólidos e planejamento urbano.
Como este grupo de 59 cidades é absolutamente heterogêneo, e problemas comuns são enfrentados de formas completamente diferentes, o encontro tem o mérito de explicitar essas diferenças causando, por vezes, constrangimentos.
São Paulo, por exemplo, ostenta a condição de cidade pioneira no Brasil no aproveitamento energético do gás metano dos aterros de lixo. Sete por cento da energia consumida na maior metrópole do hemisfério sul têm origem no gás dos aterros Bandeirante e São João. A mesma São Paulo, entretanto, recicla apenas 1% de seu lixo (155 toneladas de 15 mil toneladas de lixo recolhidas por dia), um vexame se comparada com a maioria das cidades da rede. Eduardo Jorge, o secretário do Meio Ambiente de São Paulo, reconhece o problema, mas lembra que coletar e destinar adequadamente 15 mil toneladas de lixo não é pouca coisa.”Precisamos mudar a cultura, e isso leva tempo”.
Um dos debates mais concorridos foi justamente sobre destinação inteligente de resíduos sólidos. Tóquio e São Francisco brilharam. Em linhas gerais, nas duas cidades tudo o que não é reciclado, nem vai para compostagem, é queimado para produção de energia. Só vai para aterro – ou depósito – o que é rejeito, ou seja, não tem utilidade ou serventia, exatamente como preconiza a recém aprovada e sancionada Política Nacional de Resíduos Sólidos, aqui no Brasil. É interessante reparar como em outras cidades do mundo, lixo deixa de ser problema e passa a ser desafio tecnológico. Quando a solução aplicada ganha escala, despesa vira receita.
Na numerosa lista de desafios que as cidades já começaram a encarar de frente (umas com mais disposição do que outras) aparecem os incentivos às construções sustentáveis, a restrição à circulação de automóveis nos centros urbanos, o conceito de “cidades compactas” – onde a demanda de deslocamentos diários de casa para o trabalho se reduza drasticamente – entre outras experiências que prefeitos e secretários municipais compartilharam intensamente em São Paulo.Eles chegaram à capital paulista pedindo voz nas conferências do clima da ONU e linhas de crédito especiais junto ao Banco Mundial. À primeira vista, parece algo acima daquilo que os prefeitos usualmente fazem por merecer. Mas o mundo mudou, e eles sabem que juntos têm o poder de reduzir a monumental demanda de água, matérias-primas e energia nos grandes centros urbanos. Para alcançar esses nobres objetivos, eles resolveram trabalhar juntos. Melhor assim.
André Trigueiro