Que ninguém espere desse Protocolo a salvação da humanidade. Ele é apenas o primeiro passo, como afirma o próprio documento ao se referir ao prazo de execução das metas como o “primeiro período de compromisso”. Estima-se que o esforço necessário para impedir o avanço do aquecimento global seria uma redução imediata de aproximadamente 60% nas emissões de gases-estufa (dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e outros). Ora, se com um objetivo bem mais modesto os Estados Unidos ─ país que responde sozinho por 25% das emissões globais de gases-estufa ─ ficaram de fora, é de se imaginar o estardalhaço que metas mais ousadas causariam.
O fato é que mal o Protocolo saiu do papel e já se discute intensamente nos meios diplomáticos o que será o Pós-Kioto. À frente do G-8 e assustado com os efeitos colaterais do aquecimento, o primeiro-ministro britânico Tony Blair está empenhado em atrair os Estados Unidos para o “segundo período de compromisso”. O Governo Bush considera a implementação do Protocolo ─ e eventuais mudanças na matriz energética daquele país ─ sinônimo de custos extras e aumento do desemprego. Mas a Casa Branca também critica o fato de o Protocolo ter livrado de compromissos formais de redução países como China, Índia e Brasil, que, segundo estimativas da ONU, terão superado no ano de 2015 os países desenvolvidos nas emissões de gases-estufa. Essa crítica dos Estados Unidos encontra ressonância em outros países ricos, que também exigem o enquadramento dos países em desenvolvimento a partir de 2012. A posição do Governo brasileiro, em sintonia com o bloco dos emergentes, é a de que 90% dos gases acumulados na atmosfera desde o início da Revolução Industrial têm origem nos países industrializados, e que não seria justo punir com metas de redução os países que se desenvolveram mais tarde.
Como se vê, a posição dos países no tabuleiro das negociações fica mais ou menos vulnerável conforme a escala de tempo escolhida. No caso do Brasil, por exemplo, se a contabilidade das emissões resgatar o passivo de todos os países nos últimos 150 anos, nossa parcela de contribuição se restringiria a aproximadamente 1% do total de gases acumulado na atmosfera. Este é o número que o Itamaraty exibe mundo afora e que justificaria nosso suposto direito de poluir sem prejuízos para o desenvolvimento. Numa escala de tempo menor, que é a que interessa aos países ricos, os emergentes aparecem como vilões. A China, que queima carvão mineral para alimentar sucessivos recordes de crescimento do PIB, já seria o segundo maior emissor de gases-estufa do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Brasil e Índia estariam entre os seis maiores emissores.
Nosso calcanhar de Aquiles continua sendo a Amazônia. Segundo estudo divulgado recentemente pelo próprio Governo brasileiro, mais de 77% do gás carbônico lançado na atmosfera tem origem nas queimadas. O fogo na floresta apaga em certa medida a vantagem de possuirmos uma matriz energética limpa (baseada principalmente na hidroeletricidade), o uso do álcool como combustível e outros indicadores que nos distinguem positivamente nas negociações do clima.
Apesar de todas as dificuldades, sair da inércia é o grande mérito do Protocolo de Kioto. A simples vigência desse acordo já está desencadeando uma avalanche de investimentos na economia ─ energia limpa, aterros sanitários, projetos de reflorestamento etc. ─, com importantes impactos ambientais. Há muito o que fazer, e os desafios pela frente são imensos. Mas o primeiro passo, por ser o mais difícil, é também o mais importante.
* Este artigo foi publicado no jornal O Globo, em 11 de fevereiro passado.
André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).