Como um paquiderme numa loja de cristais

Ao anular nesta semana o “Plano de Energia Limpa”(Clean Power Plan) que estabelecia a redução gradual das emissões de gases estufa nos Estados Unidos, o Governo Trump confirmou na prática o abandono do Acordo do Clima e deu sequência à gigantesca operação desmonte da política ambiental daquele país.
 
Um levantamento promovido pelo The New York Times apurou que nestes primeiros 10 meses de governo, Trump priorizou a anulação de pelo menos 52 normas ambientais consolidadas na gestão anterior. Dessas, 25 já se tornaram sem efeito, 19 estão prestes a virar fumaça, e outras 9 ainda estão no limbo por causa de atrasos ou ações judiciais. As mudanças atendem a pedidos feitos pelas empresas de petróleo, carvão e gás, e também por setores da indústria que se consideravam perseguidos ou prejudicados por Barack Obama.
 
Um terço dessas anulações se deu a partir da intervenção direta de Scott Pruitt, negacionista do clima escolhido por Trump para chefiar a Environmental Protection Agency (EPA), cuja missão institucional seria a de proteger a fauna e a flora, a qualidade do ar e das águas, a saúde e o bem-estar dos americanos a partir do uso inteligente e sustentável de seus recursos naturais. Trump anulou as principais medidas de adaptação às mudanças climáticas (como a exigência de novos modelos construtivos mais resistentes às enchentes), desobrigou as companhias de petróleo e gás de reportarem as emissões de gás metano (importante gás de efeito estufa), revogou a proibição para a exploração de petróleo no Ártico, reduziu as restrições à mineração no Alasca, flexibilizou o licenciamento de agrotóxicos (como o polêmico chlorpyrifos, da Dow Agrosciences, que representaria risco para o desenvolvimento fetal, segundo relatório da própria EPA), entre outras medidas controversas que teriam como principal justificativa destravar a economia.
 
A reação a essas decisões tem sido explosiva e dentre as muitas batalhas judiciais em curso, o Governo Trump já foi obrigado pela Justiça a voltar atrás em pelo menos três outras medidas. Foram mantidos os níveis de tolerância para a poluição causada pelo gás ozônio, a obrigatoriedade do governo divulgar os níveis de eficiência dos eletrodomésticos, e a regulação da destinação final da amálgama dentária (composta de mercúrio e outros metais tóxicos).
 
Em tempos de crise ambiental sem precedentes na História, isolado do mundo no enfrentamento da crise climática (Estados Unidos e Síria são os únicos países que rejeitam o Acordo de Paris), o Governo Trump é protagonista do atraso, do descaso com a vida e com um modelo de desenvolvimento de longo prazo, seguro e sustentável. Lá, como por aqui no Brasil, o conflito de interesses entre o público e privado tem determinado escolhas desastrosas e ameaçadoras para o nosso futuro comum. É tempo de reagir.
 
André Trigueiro