Por Claudia Guimarães, jornalista e educadora ambiental. E-mail: claugui@uol.com.br
Fonte: Artigo exclusivo
Há duas semanas, entrou em cartaz no Rio de Janeiro o impactante filme “A imagem que falta”.
Com a contundência que só as verdadeiras obras de arte têm, ele nos desvela, através da imagem de toscos bonequinhos de argila, os horrores do regime ditatorial de Pol Pot, no Camboja, entre os anos de 1976 e 1979. Um filme difícil, mas atual e relevante, por tornar conhecida uma tragédia que hoje, em fevereiro de 2014, se repete, sob a indiferença do mundo, no país vizinho da Coreia do Norte.
Ao final da sessão, em meio a tantas perguntas (“Por que isso aconteceu com eles?”, “Como o mundo pôde ignorar”?, “O que eu faria se fosse comigo, com a minha família?”), só temos uma certeza: algo dentro de nós sempre muda ao ver um filme assim.
É esse tipo de experiência que talvez os cariocas venham a perder, diante da perspectiva de falência e conseqüente fechamento da rede de cinemas do Estação Botafogo.
Qual a importância de uma notícia como essa, numa cidade convulsionada por tantos e graves problemas sociais? Afinal, o fechamento do Estação deveria ser preocupação apenas de um reduzido grupo de cinéfilos, que assiste filmes considerados elitistas, com diretores e atores de nomes impronunciáveis…
Será?
O fim da única rede de cinemas que oferece um cardápio de filmes que fogem da mediocridade hollywoodiana e seus previsíveis roteiros, se concretizado, empobreceria toda a cidade do Rio de Janeiro. Do Leme ao Pontal, como diria Tim Maia.
Remando contra a corrente, o Estação Botafogo vem nos proporcionando há 29 anos a oportunidade de conhecer não só obras de diretores consagrados, mas principalmente, mergulhar na cultura, história, costumes, cores, sons – e eu ousaria dizer, sabores e cheiros – de longínquos países da África, Ásia e Oriente Médio. Não é pouca coisa (quantas cidades, das mais de 5.500 do Brasil, podem ser orgulhar de ostentar uma rede de cinemas com essas características?)
Se não fosse pelo Estação, nesses anos todos teríamos acreditado que não existem histórias que valem a pena ser contadas fora do eixo Estados Unidos-Europa Ocidental. Afinal, aonde teríamos a oportunidade de ver regularmente, em cinemas do Rio de Janeiro, filmes libaneses, coreanos, japoneses, indianos, israelenses, turcos?
O desmonte cultural desse patrimônio (que está ao alcance de todos, já que a rede não cobra preços mais altos em função da qualidade dos seus títulos) havia começado com o recente fechamento das locadoras da rede Estação e o desaparecimento de um acervo único na cidade, que ostentava obras de todos os grandes mestres da sétima arte, de Visconti e Fellini, a Kubrick e Truffaut.
Alegar que o fechamento das salas não implica perda para os cariocas porque hoje em dia “se encontra tudo” na internet é falacioso. Primeiro, porque nem todo mundo tem a vontade ou habilidade de buscar esses títulos na rede virtual (e depois, “baixar” e sincronizar as respectivas legendas). Mas, principalmente, é falso por partir da premissa que assistir a um filme numa tela no computador se equivaleria, para todas as pessoas, à experiência de vê-lo numa sala de cinema.
É fato que nossa cidade tem uma infinidade de problemas e que não será a manutenção de uma rede de cinemas com filmes não convencionais que irá alterar esse quadro.
Mas isso não justifica o imobilismo das autoridades e do meio empresarial num momento em que urge encontrar uma solução para a crise financeira do Estação. A dívida não é pequena – R$ 31 milhões. A pergunta é: qual deve ser o parâmetro de “muito” ou “pouco” dinheiro na hora de se fazer a relação custo/benefício para a cidade do Rio de Janeiro de ostentar um patrimônio cultural desse nível?
A ameaça do fim do Estação Botafogo não pode ser assunto só daqueles para os quais a rede fazia parte da vida cotidiana e que hoje se sentem, por antecipação, órfãos dos momentos inesquecíveis que ele proporciona (quem tiver curiosidade, pode encontrar comoventes depoimentos sobre isso no “grupo de apoio ao Estação no Facebook”).
Em uma cidade que se considera tão cosmopolita como o Rio de Janeiro – e não por acaso, sede de eventos internacionais como a Jornada Mundial da Juventude, a Copa do Mundo e as Olimpíadas – o letreiro anunciando novos filmes na rede do Estação Botafogo é a imagem que certamente não deveria faltar.
PS: Segue o link do abaixo-assinado em defesa da manutenção do Estação Botafogo: http://www.abaixoassinado.org/assinaturas/assinar/28951