Por Hugo Penteado, Mestre em Economia pela Universidade de São Paulo, autor do livro Ecoeconomia – Uma nova abordagem (Ed. Lazuli, eds.2003, 2008), professor do curso de Responsabilidade Social Empresarial da FGV-SP.
Fonte: Artigo exclusivo
Quando estive na Amazônia anos atrás, os cientistas me disseram que os dados oficiais não capturam campenização da floresta, fragmentação florestal (floresta fadada a morrer) e a tecnologia usada é defasada, há muito mais precisão para ter uma idéia exata do que está sendo perdido. As estatísticas, segundo eles, subestimam a destruição.
Smithsonian Tropical Institute chegou a conclusão que se a destruição da Amazônia atingir 25% do seu total, seu limite de resiliência é ultrapassado e floresta torna-se incapaz de gerar a umidade que precisa para sobreviver e entra em morte súbita. Estamos com um total atual de 19% e para atingir 25% precisam ser destruídos 1.000.000 de km2. Se forem destruídos a velocidade de 6.000 km2 em média, levaremos 40 anos para atingir esse ponto. Mas nãop é apenas pelo risco da resiliência que devemos parar, temos cenários intermediários que podem causar mudanças significativas no regime hídrico do país inteiro, com danos para produção de energia, disponibilidade de água nas cidades e para toda atividade agrícola e industrial.
Smithsonian Tropical Institute também calcula que a floresta Amazônica tem um estoque de carbono equivalente aos últimos 150 anos de emissão de gases do efeito estufa da economia global (isso pega todo o período da Revolução Industrial). Se a Amazônia morrer, a Terra vira uma tocha incandescente! Sem a Amazônia todos estaremos mortos, parafraseando uma das frases mais egoístas dita por J.M.Keynes: “no longo prazo todos estaremos mortos”. Keynes esqueceu que como espécie animal somos praticamente imortais, alertou Roegen, o pai da Economia Ecológica.
É lógico que a Amazônia não é um sistema isolado e outros fatores, além do desmatamento podem se retroalimentar e acelerar a sua destruição. Por exemplo, a Amazônia depende muito do Saara, cuja tempestade de areia que atravessa o Atlântico e traz parte importante da sua fertilização. O Saara e essa tempestade dependem das Monções que começam no Tibete. Enfim, tudo interligado, essas conexões podem multiplicar várias vezes os processos destrutivos através de feedbacks positivos (um bom exemplo é a redução da calota polar branca, que reflete menos os raios de sol e aumenta a absorção de calor, que reduz a calota polar branca, que reflete menos os raios de sol e assim sucessivamente). Resiliência da natureza, feedback positivos, atrasos ecológicos são variáveis que são sempre ignoradas quando abordamos os riscos desse processo. Estamos brincando com fogo.
Não podemos ignorar que tudo posto acima são apenas consequências, as causas são nosso modelo mental e nosso sistema econômico. Nicholas Georgescu Roegen avisou no final dos anos 1960: “Se a economia crescente do descarte e do desperdício imediato dos bens continuar, seremos capazes de entregar a Terra ainda banhada em sol apenas à vida bacteriana.” Roegen estava certíssimo e se queremos mesmo com esse modelo econômico atual destruir a vida na Terra, estamos tendo êxito crescente: a maior extinção dos últimos 65 milhões de anos em massa de espécies animais e vegetais está agora em curso por nossa própria culpa e é muita ingenuidade achar que essa extinção não irá se voltar contra os causadores, pois na biologia planetária, somos todos um! Essa economia continuou exponencialmente e só está piorando dia a dia a situação das variáveis críticas.
Em relação à nossa floresta, vamos fazer que nem os países ricos. Só vamos parar de desmatar quando atingirmos destruição de quase 100% como foi o caso deles. É por isso que eles alegam não desmatar nada hoje: não dá para desmatar mais que 100%!!! Hoje o Banco Mundial declara que os países que mais desmatam suas florestas são os países pobres ou atrasados como o Brasil, posto que os ricos não destroem nada, embora esqueçam de avisar que não dá para destruir acima de 100%!! Conclusão: enriqueçam os países pobres e atrasados dentro do mesmo modelo dos países ricos, ou seja, significa obter o mesmo resultado de descalabro ambiental e social sempre externalizado para alguma outra fronteira, mas agora em escala global. É o que estamos fazendo sem questionar! Os países adiantados e ricos conseguiram exportar esses descalabros ambientais e sociais para o resto do mundo a custo zero via comércio global. Se num planeta Avius faz de conta o único território existente fosse o dos Estados Unidos cercado por mares, já teria entrado em colapso ambiental há muito tempo. Foi possível aos países adiantados mandar a sua conta ambiental planetária para o resto do mundo, mas o resto do mundo não terá para quem mandar essa conta, exceto para o inventário da extinção da vida nesse planeta, a menos que seja possível exportar o lixo todo para Marte…
No caso brasileiro perseguir a destruição das florestas é um risco tremendo, por conta do que já sabemos de contribuição da Amazônia para o país todo (ver os trabalhos de Antônio Donato Nobre e do INPA). Mas enquanto esse modelo continuar, não devemos esperar resultados diferentes. Resultados diferentes só ocorrerão quando mudarmos o modelo. Não só não mudamos o modelo, como reforçamos sua tendência atual suicida com nomes pomposos como Economia Verde, Economia do Meio Ambiente, Energia Limpa, Mecanismos de Desenvolvimento Limpo, Energia Nuclear Limpa, Precificação dos Serviços da Natureza, tudo com letra maiúscula simbolizando nomes próprios. Essas idéias podem até ser usadas se seus usuários reconhecerem suas incríveis limitações e que de nada adiantarão sem uma revisão total do paradigma econômico vigente e o fim desse modelo de crescimento baseado em consumo sem arcar com nenhuma externalidade da sua produção, cujo único objetivo é apenas destruir empregos, produzir concentração de riqueza extrema chancelada por todos os governos do orbe e ter como corolário final o fim da vida na Terra.
Até agora não só não mudamos o modelo, como estamos pisando o pé no acelerador. Existe uma quantidade gigantesca de atividades se sobrepondo não para resolver esse problema, mas porque aumentam o PIB, dentro da mesma lógica atual de concentração de lucros e de riqueza. A maior parte dessas atividades sobrepostas são completamente inúteis e só servem para piorar a situação. Mudar o modelo significa vencer interesses arraigados difíceis de serem vencidos. Talvez e se tivermos sorte e o Permafrost do Ártico (*) permitir, um evento cataclísmico pode ter a força de acordar a todos e salvar o que resta. Agora só dá para salvar o que restar. Dos ecossistemas e da vida na Terra.
(*) O estoque de metano desse ecossistema é grotesco, basta a liberação de apenas 1% para dobrar a concentração desse gás na atmosfera com consequências dramáticas, dado que é um gás 27 vezes mais poderoso para aumentar a temperatura do que o gás carbônico. O Permafrost está com claros sinais de desestabilização, com apenas 40 centímetros de camada de gêlo e surpreendeu os cientistas recentemente. Outra surpresa negativa em 2014 é a redução da capacidade de absorção de CO2 dos oceanos, algo que não estava previsto nos modelos de mudança climática.
Postado por Daniela Kussama