Por Carey L. Biron, da IPS
Fonte: Envolverde
Pelo menos metade do desmatamento mundial é ilegal e está vinculado à agricultura comercial, sobretudo para abastecer os mercados estrangeiros, afirma um novo estudo. Na última década, a maior parte do desmatamento ilegal de florestas do mundo se deveu pela demanda estrangeira por artigos básicos como papel, carne bovina, soja e óleo de palma.
Entretanto, os governos dos principais mercados, como Estados Unidos, e União Europeia (UE), não tomaram quase nenhuma medida para desestimular o consumo desses produtos. De fato, seria muito difícil adotar medidas, já que o uso desses produtos potencialmente “sujos” é generalizado e cotidiano em muitos países, segundo a análise, divulgada no dia 11 pela Forest Trends, uma organização independente dos Estados Unidos.
“Nos supermercados médios da atualidade, existe o risco de a maioria dos produtos conter matérias-primas procedentes de terras desmatadas ilegalmente”, opinou Sam Lawson, autor do informe e diretor da Earthsighty, uma organização britânica que investiga crimes ambientais.
“É assim para qualquer produto envolto em papel ou papelão, toda carne bovina, de frango e suína, já que esses animais são criados à base de soja. E, naturalmente, o óleo de palma está agora em quase tudo, do batom aos sorvetes”, detalhou Lawson. “Sempre existe esse risco” porque não há leis que evitem a importação e a venda desses produtos, acrescentou.
Em geral, 40% do óleo de palma e 14% da carne bovina comercializados no mundo procedem de terras desmatadas ilegalmente, afirma o estudo. O mesmo ocorre com 20% da soja e um terço da madeira tropical utilizada para fabricar produtos de papel. Enquanto isso, exporta-se cerca de 75% da soja brasileira e do óleo de palma indonésio. Essa tendência está aumentando em Papua Nova Guiné e na República Democrática do Congo.
Estudos anteriores sobre este problema se limitavam a países, setores ou empresas específicas, mas o novo informe é o primeiro que extrapola os dados em nível mundial.
“A demanda dos consumidores dos mercados estrangeiros se traduziu na eliminação ilegal de mais de 200 mil quilômetros quadrados de florestas tropicais nos primeiros 12 anos do novo milênio”, diz o informe, segundo o qual isso equivale a, “em média, cinco campos de futebol por minuto”. Embora grande parte desse desmonte ilegal seja facilitada pela corrupção e por falta de capacidade do Sul em desenvolvimento, para Lawson a culpa é dos outros.
“São as empresas que realizam esses atos e as que têm a responsabilidade, em última instância. Os grandes países consumidores também devem deixar de permitir o livre acesso aos seus mercados desses produtos que prejudicam os esforços dos países em desenvolvimento”, apontou Lawson.
As repercussões da degradação das terras florestais são locais e mundiais para os meios de vida, os ecossistemas e a saúde humana. As florestas maduras não contêm apenas grandes quantidades de carbono, mas também absorvem continuamente dióxido de carbono da atmosfera. Entre 2000 e 2012, as emissões associadas ao desmatamento ilegal com fins agrícolas comerciais equivaliam, em cada ano, a um quarto das emissões anuais de combustíveis fósseis da União Europeia.
O informe foi divulgado enquanto são preparadas duas grandes cúpulas mundiais sobre o clima. No final deste mês, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, receberá governantes de todo o mundo em Nova York para discutir o tema, e em dezembro acontecerá a próxima rodada de negociações sobre o clima mundial no Peru. Este último encontro é conhecido como a rodada da “floresta”.
Alguns observadores sugerem que a silvicultura oferece o maior potencial para a redução das emissões mundiais. O crescente consenso mundial em torno da importância da conservação da cobertura florestal diante da mudança climática criou importantes gestões internacionais para deter o corte ilegal.
Porém, Lawson assegura que algumas das empresas que antes se dedicavam ao corte ilegal de madeiras duras tropicais agora desmontam as florestas ilegalmente para dar lugar à agricultura de grande escala. “A maior ameaça para as florestas está mudando gradualmente, e essa ameaça hoje é a agricultura comercial. O que precisamos agora é repetir alguns dos esforços realizados em relação ao corte ilegal e aplicá-los aos produtos básicos agrícolas”, recomendou.
A UE, por exemplo, está para implantar um sistema bilateral de concessão de licenças que permitiria rastrear a origem da madeira cortada ilegalmente. Lawson propõe que sejam adotados acordos bilaterais semelhantes para as principais matérias-primas. Desta maneira, governos e companhias transnacionais deveriam garantir que os produtos comercializados não procedem de terras florestais desmatadas ilegalmente. Em essência, o requisito básico para a entrada nos principais mercados seria a legalidade comprovada das matérias-primas.
Atualmente, a compra ou não de um produto elaborado com elementos que possivelmente procedam de terras desmatadas ilegalmente depende da decisão dos consumidores. Mas esse tipo de acordo modificaria por completo essa situação. “Toda responsabilidade que recai no consumidor me desagrada. Não deveria ser tão difícil tomar essas decisões”, pontuou Danielle Nierenberg, presidente da Food Tank, uma organização com sede em Washington que trabalha em torno da sustentabilidade e da segurança alimentar.
“O fato é que os consumidores continuam imunes a essas questões. Apesar do crescimento do movimento por alimentos locais nos países ocidentais, continua existindo importante demanda por uma diversidade de produtos de baixo custo. É por isso que a verdadeira ação tem de partir da parte empresarial e os governos devem adotar um compromisso maior”, acrescentou.
Os Estados Unidos proíbem o uso de produtos de madeira de origem ilegal. Seu regime jurídico teve grande eficiência ao excluir o enorme mercado desse país para a entrada desses produtos. Porém, Washington não tem interesse político em fazer algo semelhante com relação aos produtos agrícolas, ressaltou Nierenberg.
“A verdadeira oportunidade para a iniciativa estatal procede dos países em desenvolvimento”, afirmou Nierenberg. “É preciso investir mais nos pequenos e médios produtores agrícolas, proteger suas áreas da apropriação de terras e investir em tecnologias agrícolas simples que realmente funcionem. É aí onde pode ocorrer a verdadeira mudança”, enfatizou.
Postado por Daniela Kussama