O desconto é proporcional ao peso do material reciclável separado pelo consumidor: R$ 3,40 por cada quilo de lata de alumínio e R$ 0,50 por quilo de embalagem PET. Após a pesagem na balança, o morador leva para casa um comprovante, chamado de vale-luz, que incidirá na conta do mês seguinte. Se por acaso alguém conseguir juntar uma quantidade de vales superior à própria dívida com a Light, o compromisso da companhia é oferecer crédito extra, ou seja, um bônus de energia que será debitado das contas futuras. Todo o material reciclável oferecido pela comunidade para pagar as contas de luz será recolhido pela Latasa, que repassará à Light os valores do desconto.
O projeto tem o mérito de agradar a todos. A Light estima que, graças ao vale-luz, poderá reduzir a inadimplência na comunidade, que hoje é de alarmantes 56%, para 20%. A Latasa espera coletar uma quantidade expressiva de recicláveis, pagando por ela um preço justo, sem reduzir as perspectivas de lucro da empresa. E os moradores inadimplentes, que se angustiam por não poderem pagar a conta de luz, recorrendo muitas vezes ao gato – crime previsto no artigo 155 do Código Penal Brasileiro, com pena de um a quatro anos de prisão e multa –, têm como saldar suas dívidas prestando um enorme serviço social e ambiental. O projeto será avaliado no final do semestre e, se os resultados forem positivos, poderá ser replicado em outras comunidades de baixa renda no Rio de Janeiro.
É interessante imaginar a resolução desse projeto numa escala maior, onde o bom senso possa inspirar o pagamento dos mais variados tipos de dívida – de luz, de água, de gás, etc. – daqueles que comprovadamente experimentam dificuldades financeiras em comunidades de baixa renda, e que seriam contemplados com a possibilidade de honrar seus compromissos de pagamento com outra moeda. Num país onde o número de inadimplentes chega fácil à casa dos milhões, é fundamental que se busquem soluções criativas para reduzir o número de devedores sem institucionalizar o calote.
O projeto piloto “Reciclar vale energia”, em execução na comunidade Nova Holanda, sinaliza um novo rumo nas negociações entre credores e devedores. Enquanto este for um país onde há tanta miséria e pobreza, desemprego e falta de oportunidades, concentração de renda e injustiça social, todos os esforços para reduzir o número de inadimplentes são bem-vindos. Mas esse esforço é absolutamente necessário, quando a solução encontrada for boa para todos os lados.
André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).