Por Julio Lamas
Fonte: Planeta Sustentável
Realizada em 2012, a Olimpíada de Londres estabeleceu um novo paradigma para a gestão e a criação de um legado de sustentabilidade em grandes eventos globais. Com um planejamento baseado em cinco grandes temas – mudanças climáticas, resíduos sólidos, biodiversidade, inclusão e qualidade de vida -, o comitê organizador local encarregado de criar as estratégias ‘verdes’ adotadas nos jogos alcançou resultados além da expectativa de qualquer gestor ambiental ou desenvolvedor de políticas públicas: zerar a destinação direta de resíduos para os aterros sanitários, além de reciclar, reutilizar e compostar 70% do que foi gerado pelo público. Em comparação, segundo dados do Comitê Olímpico Internacional e dos anfitriões, a média de reciclagem em eventos semelhantes é de 15% dos resíduos.
Mas atingir o patamar desejado de ZeroWaste, foi apenas um entre os muitos sucessos dos londrinos e sua capacidade elementar de organização. Consumiu-se 30% menoságua potável e energia elétrica que em olímpiadas anteriores e mais de 90% dos resíduos de construção das estruturas olímpicas temporárias foram reaproveitados ou reciclados. No Parque Olímpico de Strattford, a vida selvagem local conviveu lado a lado com atletas, público e impresa graças à preservação de 45 hectares de pântanos e instalação de 645 ninhos para lontras, cisnes e morcegos.
Pioneira em mensurar e definir metas para a redução de emissões de gases de efeito estufa, a Olímpiada de 2012 deixou uma pegada de carbono equivalente(C02e) de 315 mil toneladas, considerada a menor da história e 21% menor do que a prevista. Para se ter ideia, a Fifa estima que a Copa do Mundo no Brasil emitirá cerca de 2,7 milhões de toneladas de CO2e, sendo 83,7% delas originadas de transporte aéreo e mobilidade urbana. “Guardadas as proporções e diferenças entre os dois eventos, a redução de gases de efeito estufa está ligada a pensar holisticamente a sustentabilidade neles, incluindo não apenas a gestão de resíduos, mas a mobilidade e construções mais inteligentes das estruturas”, explica Dan Epstein, chefe de Desenvolvimento Sustentável e Regeneração da Autoridade Olímpica de Londres 2012.
Com apenas 51% das obras de mobilidade urbana que foram prometidas prontas na véspera do primeiro jogo do mundial brasileiro, Epstein admite que uma Copa mais sustentável não será possível no Brasil. Ele argumenta, no entanto, que as bases para uma Olímpiada, com uma história mais feliz no Rio de Janeiro, estão lançadas graças às reestruturações promovidas pelas políticas nacionais de mobilidade urbana e resíduos sólidos, da qual destaca a inclusão social dos catadores. “Elas podem demorar para funcionar, mas estão no caminho certo. No Rio, o problema é acelerar o processo e integrar os sistemas e infraestruturas prontas e sendo construídas”, afirma ele , preocupado com o fato de que apenas 10% das obras para os Jogos estão prontas até agora. Em estágios similares, faltando dois anos para o evento, Atenas tinha 40% dos trabalhos concluídos e Londres 60%, de acordo com o COI.
Ambientalista formado pelas universidades de East Anglia e Oxford, Epstein tem mais de 30 anos de experiência em regeneração e planejamento urbano sustentável, trabalhando em projetos com diversas grandes empresas e órgãos governamentais na Inglaterra. Diretor de Sustentabilidade da consultoria Useful Simple Projects, ele também é especializado em política ambiental e design de espaços verdes. De passagem pelo Brasil para participar do Connected Cities Summit, evento promovido pelo Consulado Geral Britânico em Sâo Paulo, este mês, e discutir o futuro da infraestrutura no país, Epstein falou, com exclusividade, ao Planeta Sustentável sobre sua experiência com a organização dos Jogos Olímpicos, as lições que podem ser passadas para o Rio de Janeiro em 2016 e como, apesar das desvantagens, podemos alcançar resultados melhores.
É exemplar o caso da Olimpíada de Londres em 2012, considerada um dos eventos mais “verdes” da história pelo COI. Qual foi a chave do sucesso?
É uma questão pura de planejamento e organização dos parceiros e fornecedores em volta de uma política concisa e bem definida. Não se trata apenas de estabelecer metas. Quando definimos na gestão de resíduos que encaminhariamos o mínimo possível para os aterros sanitários e tentaríamos reciclar até 80% do que fosse reaproveitável, tivemos que integrar sistemas e infraestruturas já existentes, redesenhar processos e compelir patrocinadores a fazer o mesmo. A sustentabilidade, priorizando prevenção e redução, deve estar no início do plano para dar certo. Isso contribui para diminuir drasticamente a pegada de carbono do evento. E, de outro modo, não conseguiríamos obter tamanha economia em água e energia, ou reaproveitar 90% dos resíduos de construção nas estrutras olímpicas temporárias – caso do Parque Olímpico, que virou uma nova área verde e de investimentos imobiliários.
Quanto o planejamento da densidade e da mobilidade urbana de Londres para os Jogos Olímpicos influíram?
Veja: apenas reduzindo em 90 mil m2 as áreas construídas para o evento, diminuímos em 20% nossas estimativas iniciais de emissões de gases de efeito estufa. Outra coisa importante foi pensar na mobilidade urbana de modo que as pessoas preferissem caminhar ou usar o transporte público durante os jogos. Os locais de competição eram próximos e colocar o bolsão de estacionamento a 2km de distância do Parque Olímpico facilitou o tráfego e estimulou escolhas alternativas nessas viagens curtas. Cerca de 86% das viagens ao Parque Olímpico de Strattford foram de trem, o que ajudou a reduzir em aproximadamente 400 mil toneladas as emissões de CO2e.
Como esse tipo de gestão de resíduos e mobilidade pode ser aplicado nos grandes eventos esportivos do Brasil?
No Brasil, isso já não aconteceu a tempo da Copa porque os sistemas integrados de destinação para aterros sanitários, coleta seletiva, reciclagem e mobilidade urbana ainda estão sendo discutidos e planejados nacionalmente. Não é fácil combinar interesses da cidade com o estado e do estado com o país, são muitos agentes do governo e da iniciativa privada para conjugar. Além disso, as grandes dimensões do país não facilitam. No estádio de Manaus, por exemplo, isso é evidente. Há um isolamento muito grande para implantar coleta seletiva e reciclagem eficientemente sem gerar uma pegada de carbono no transporte dos resíduos e um alto custo. É um desafio dada a distância dos grandes centros de reciclagem em escala industrial. Paradoxalmente, a maior fraqueza do Brasil é também seu maior trunfo, que é incluir o maior número de pessoas o possível no processo de discussão e planejamento para evitar injustiças sociais no futuro. Nesse sentido, a inclusão dos catadores na política nacional [de resíduos sólidos] e nos trabalhos da Copa agora em concordância com ela são exemplares, uma vez que esses parceiros também vão ajudar a monitorar e ajudar a mitigar gases de efeito estufa.
O senhor falou em compelir fornecedores e patrocinadores como uma forma de garantir o alcance de metas. Essa aderência à norma, também chamada de “compliance” no mundo corporativo, tem sido o grande desafio da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que é baseada em responsabilidade compartilhada entre governo, sociedade civil e empresas. Ao menos em alguns estados do país isso tem sido feito por meio de acordos setoriais, especialmente com a indústira de embalagens. Como isso foi trabalhado na Olimpíada?
Seja em um projeto de sustentabilidade para um evento ou em um projeto maior de urbanização, essa questão é vital e exige muitos investimentos não apenas em pesquisa, mas em um desenvolvimento de infraestrutura que no final das contas seja inteligente e não se torne obsoleto de maneira tão rápida. A responsabilidade compartilhada pode demorar demais para atingir resultados – na Copa, por exemplo, já não funciona completamente – mas em um evento é possível acelerar o processo simplesmente estendendo-a aos parceiros também. No caso dos grandes patrocinadores da edição londrina da Olímpiada, eles foram obrigados a usar embalagens e talheres biodegradáveis, a base de bioplástico de celulose, em todos os seus produtos. Contudo, não se trata simplesmente de ir lá e escolher essas embalagens. Foram necessários três anos de investimentos para pesquisar material com viabilidade econômica e ambiental e redesenhar a cadeia de fornecimento até que a embalagem chega-se ao consumidor no Parque Olímpico. Além disso, era preciso garantir que esse material tivesse a separação e a destinação correta. Adotamos um método que envolvia o descarte em três latas diferentes: recicláveis, orgânicos compostáveis e rejeitos não reaproveitáveis. Foram disponibilizados 4 mil contêineres para esses diferentes resíduos. E todo o lixo orgânico originado de embalagens foi composto por uma empresa a menos de 70 km dos jogos, na cidade de Kent, o que é muito próximo e preveniu mais emissões.
No relatório publicado pelo comitê organizador sobre a sustentabilidade, fala-se do sucesso no engajamento do público. O quanto isso é determinante ante os investimentos?
Apesar dos custos altos em investimetos como no caso das embalagens, que foram um sucesso, algumas lições ficaram para o futuro. Infelizmente, em eventos como esse não é simples eliminar embalagens e matar a geração de resíduos pelo público de uma só vez como gostariam os mais radicais. Mas quanto mais forte for o design de integração dos sistemas – de prevenção e redução, do consumo ao descarte e do descarte à reciclagem ou compostagem – maior a possibilidade de reduzir os rejeitos, aquilo que não pode ser reaproveitado. Talvez, apenas erradicar as embalagens de alimentos que passam por reciclagem ou que não podem ser reaproveitadas, substituindo-as pelas biodegradáveis, possa eliminar a confusão entre o público sobre o que descartar em cada uma das três latas disponíveis. Esse aspecto continua um desafio na maioria dos eventos e não foi diferente em Londres. Se o modelo for usado novamente, exigirá uma abordagem mais ampla e com maiores investimentos em treinamento para volutários e parceiros, programas de educação continuada entre os organizadores e incentivos mais sutis para induzir o comportamento apropriado dos espectadores desses eventos.
Outro aspecto interessante do planejamento se deu na construção dos prédios e arenas de forma que pudessem economizar água e energia elétrica. Por exemplo, construir sistemas duplos para água reciclada e água potável e desenvolver um sistema descentralizado de energia renovável para abastecimento e calefação. Se consumiu entre 30 e 40% menos água potável do que na última Olimpíada. E tudo isso contribuiui também para reduzir a pegada de carbono. Funcionaria no Brasil?
A proposta inicial de um sistema de abastecimento de energia renovável responsável por 20% da demanda não deu certo. Nesse sentido, só foi possível atingir por volta de 11%. Mas reduzir os espaços de construção, simplesmente visando densidade, e alugar estruturas como barreiras, assentos e tendas reduziu em 21% nossa meta de redução de gases de efeito estufa, quase um quinto da inicial de 400 mil toneladas. O Brasil tem uma vantagem, as fontes renováveis respondem por mais de 80% da matriz energetica, o que já reduz muito as emissões (83,8%, segundo o Balanço Energético Nacional 2012 da Empresa de Pesquisa Energética). E o problema não é o frio, não há necessidade de calefação no clima de vocês. Calor, aliás, é um problema que o Brasil sabe resolver. Estive na Amazônia em 1992 para estudar arquitetura de casas que eram construídas de forma que fossem protegidas do calor e tivessem ventilação. Esse é um ótimo exemplo de aplicação da sustentabilidade. Mas economia de água para a Olimpíada deve ser um objetivo, a água está intrisicamente ligada à energia no Brasil. Investimentos em saneamento para usar água reciclada nos banheiros, tratá-la localmente e usar sensores de presença nas pias e chuveiros ajudam e são altos, mas devem ser feitos.
Você acha que os brasileiros podem contar um legado da Copa para as suas cidades-sede como em Londres, que transformou o Parque Olímpico em uma área verde aberta para o público?
No Brasil, vocês têm essa questão do legado em mente, o que tem gerado preocupação na Europa. Muito do que foi construído para a Copa vai gerar investimentos imobiliários e empregos, mas serão oportunidades locais mais para São Paulo e Rio de Janeiro do que para as distantes Fortaleza e Manaus. E se comparado com os Jogos Panamericanos de 2007, que não teve um bom planejamento, essa questão evoluiu. Mas há um legado quando se pensa no BRT (Bus Rapid Transit) sendo implantado no Rio de Janeiro e outras obras de mobilidade que ainda vão sair. De certo modo, não deu para fazer tudo o que foi proposto a tempo para a Copa, então é preciso acelerar agora para 2016 com um planejamento mais consciente. O caso da Lagoa Rodrigo de Freitas, que está com a água contaminada, por exemplo, é algo que precisa de ação imediatamente.
Postado por Daniela Kussama