A nova corrida do ouro

Um estado febril tomou conta dos agricultores brasileiros. Hipnotizados pelos lucros da soja – a saca vem sendo cotada na faixa dos R$ 40 – e por uma demanda crescente de grãos no exterior, o homem do campo descobriu logo que a forma mais rápida e segura de ganhar dinheiro é plantar soja. Num país de dimensões continentais em que ainda restam noventa milhões de hectares disponíveis para o plantio, não haveria motivos para preocupação. Mas o fato é que o avanço da fronteira agrícola se dá também na direção da vegetação remanescente do Cerrado na região Centro-Oeste, da floresta amazônica e das reservas indígenas. Há, portanto, um custo ecológico que não está sendo incorporado ao preço da saca de soja.

Um dos ecossistemas mais ameaçados do mundo, o Cerrado agoniza diante da sanha dos agricultores. Segundo levantamento feito pela Embrapa Monitoramento por Satélites, restariam hoje menos de 5% de vegetação nativa com chances de sobrevivência – áreas com mais de 2 mil hectares – contendo espécies endêmicas – que só existem ali – e com grande potencial farmacológico. O Cerrado também concentra as nascentes de três importantes bacias hidrográficas do Brasil: Amazônica, Platina e do São Francisco. Mas a sustentabilidade dessas bacias está ameaçada.

Nas proximidades de uma das nascentes do rio Araguaia, na cidade de Alto Taquari, no Mato Grosso, divisa com o estado de Goiás, a floresta foi criminosamente desmatada para dar lugar à soja. Por lei, não se pode desmatar área de nascente, porque isso ameaça o suprimento regular de água do rio. Na mesma região, a retirada da cobertura vegetal típica de Cerrado precipitou o aparecimento de uma grande erosão – voçoroca – de aproximadamente 3 quilômetros de extensão.

Um outro flagrante de grave impacto ambiental causado pela soja ocorre no estado de Goiás. Os agricultores que se instalaram no entorno do Parque Nacional das Emas resolveram preparar o solo para o plantio drenando as áreas úmidas, interferindo sem nenhum cuidado no equilíbrio ecológico da região. O jornalista Washington Novaes, que produziu pela TV Cultura o documentário “Cerrado Urgente”, e vem denunciando há anos a destruição da vegetação nativa da região, publicou no último mês de agosto um artigo no jornal “O Estado de São Paulo” mostrando um estudo da Embrapa que confirma a possibilidade de se plantar soja sem aumentar a devastação do Cerrado. Segundo a pesquisa, daria para triplicar a produção de grãos e dobrar a produção de carne bovina, apenas reaproveitando as áreas já degradadas da região.

Infelizmente, não é assim que acontece. Até as reservas indígenas foram contaminadas pela febre da soja. Segundo reportagem do jornalista Lourival Sant´anna, publicada no fim de outubro também no Estadão, no último mês de julho três técnicos do Instituto Socioambiental (ISA) e três chefes de postos de vigilância indígena realizaram uma expedição na margem do Parque Nacional do Xingu para mapear o avanço na soja na região. “Percorremos centenas de quilômetros e vimos extensas áreas de desmatamento, que eram mata fechada três anos atrás, quando realizamos outra expedição na região”, afirmou a bióloga do ISA, Roseli Sanches.

Para que derrubar floresta se há tanta área ainda disponível para o plantio de soja? Porque não priorizar o plantio em áreas de pastagem, que já foram florestas, e hoje jazem abandonadas nas regiões norte e centro-oeste? Porque o governo federal, através do Ministério da Agricultura, não condiciona a liberação de crédito e financiamento aos agricultores, exigindo como contrapartida, o devido cuidado para que a o lucro não seja sinônimo de mais destruição? É preciso planejar o desenvolvimento sustentável do agribusiness – agronegócio – e evitar que o espetáculo do crescimento considere apenas o viés do lucro.

O que se vê hoje em relação à soja lembra muito os ciclos da madeira, da cana-de-açúcar, do café e do ouro. A exploração desordenada e predatória dos recursos naturais não pode mais justificar o sonho – e a sanha – do enriquecimento repentino. É perfeitamente possível compatibilizar a expansão da fronteira agrícola com a preservação das nascentes, das matas ciliares, da vegetação remanescente do Cerrado, da floresta amazônica e das reservas indígenas. Que a soja seja bem-vinda. Mas sem os erros do passado.

André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).