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A lição da Olimpíada de Sidney

“As feias que me perdoem, mas beleza é fundamental”, sacramentou o prefeito César Maia, citando o poetinha Vinícius de Moraes, para espezinhar os paulistas minutos depois de o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) anunciar que o Rio de Janeiro vencera São Paulo e vai representar o Brasil na acirrada disputa internacional para ver qual cidade vai sediar os jogos olímpicos de 2012. Mas o próprio prefeito sabe que a exuberância da paisagem do Rio não garante por si a vitória da cidade. Do fracasso da campanha Rio 2004, ficaram algumas lembranças doídas. Segundo o presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman, o movimento que levou a cidade inteira a acreditar que o Rio estava no páreo foi conduzido por políticos, e não por técnicos.

Uma das maiores gafes da história do movimento olímpico foi a visita dos dirigentes do Comitê Olímpico Internacional (COI) à Ilha do Fundão, onde seriam construídas várias instalações para os Jogos. Foi flagrante o constrangimento dos visitantes ao verem de perto o nível de poluição das águas e sentirem o cheiro de podre que vinha do Canal do Cunha.

Não é por capricho que a questão ambiental é uma das prioridades do COI. Em 1994, o Congresso Olímpico realizado no centenário dos Jogos, em Paris, determinou que “depois do esporte e da cultura, o meio ambiente é a terceira área mais importante do movimento olímpico” e que por isso, “os Jogos deveriam ser realizados de modo a estimular a consciência ambiental e o desenvolvimento sustentável”. Decidiu-se que a partir dali, as cidades candidatas deveriam seguir dez quesitos ambientais que aparecem em lugar de destaque no site do COI (www.olympic.org). Em pelo menos três quesitos, a pré-candidatura do Rio de Janeiro ainda não disse a que veio:

– “Dar detalhes sobre os planos que estão sendo elaborados para lidar com o lixo sólido, o tratamento de resíduos e o fornecimento de energia, e declarar como se espera que isso influenciará no futuro a cidade”.

– “Declarar se foram desenvolvidos pelas autoridades competentes estudos de impacto para todas as instalações”

– “Indicar se existe, dentro do Comitê que trata da candidatura, um programa de consciência sobre proteção ambiental e declarar quais são os planos da Comissão Organizadora a esse respeito.”

“Olímpiadas Verdes” em Sidney: parâmetro para o Rio

Quando se questionam as autoridades do Rio sobre as demandas ambientais da cidade – e as exigências do Comitê Olímpico Internacional – a resposta sai pronta como se fosse uma receita de bolo, e velhos projetos que dormitavam nas gavetas dos palácios são ressucitados: a despoluição da Baía de Guanabara, o saneamento da Barra da Tijuca e Jacarepaguá, a dragagem das lagoas da região, e outras melhorias ambientais que associadas à extensão do Metrô e a implantação do Leve sobre Trilhos, seriam o grande trunfo carioca para sediar as primeiras Olimpíadas do Hemisfério Sul. Embora importantes, essas obras asseguram apenas que o Rio de Janeiro evitaria um novo vexame, se habilitando a uma candidatura séria e respeitada. Mas para impressionar positivamente os dirigentes do COI é preciso ir além, como Sidney foi.

Eu participei da cobertura das Olimpíadas 2000, na Austrália, e vi de perto o esforço dos organizadores em ajustar, nos pequenos detalhes, toda a infraestrutura dos Jogos às premissas ambientais. Antes mesmo da construção das instalações olímpicas, o projeto original foi mudado para garantir a sobrevivência de uma das únicas colônias de reprodução do sapo verde e dourado do mundo. Exagero? Espera só para ver o resto. A principal fonte de energia dos Jogos era 100% limpa. A Vila Olímpica com 665 casas se transformou no maior bairro dotado de energia solar do planeta. Em todo o Parque Olímpico, imensas torres captavam a energia que vem do sol para iluminar as competições no estádio olímpico, no Superdome e em todas as instalações esportivas.

O porta-voz do Comitê Olímpico Internacional, o australiano Michael Bland, justificou assim os investimentos em energia solar: “Queremos fazer com que a energia solar se torne popular em todos os países. É ridículo que na Austrália, todas as casas não usem um captador de energia solar. Temos os telhados, temos o sol, e os desperdiçamos. É um jeito estúpido de levar a vida”. Em relação à água doce, que é um recurso finito e cada vez mais escasso no planeta, os australianos foram criativos. As águas da chuva, do complexo de piscinas e do tratamento de esgotos, eram canalizadas para reúso em vasos sanitários e irrigação de jardins.

A preocupação com o lixo justificou inúmeros procedimentos inéditos numa Olimpíada. A maior parte da comida foi servida em pratos de cerâmica, que eram lavados e reutilizados. E os pratos, xícaras e talheres descartáveis eram todos de plástico reciclável ou feitos a partir de derivados de glucose de milho, que podiam ser jogados fora junto com o alimento porque também eram matéria orgânica, e portanto, de fácil decomposição na natureza. Das cinco mil toneladas de lixo produzidas durante os jogos, 75% eram lixo orgânico. Em todos os lugares de Sidney, caixas coletoras discriminando o tipo de resíduo estimulavam a separação dos materiais recicláveis entre os mais de 500 mil visitantes.

Ao contrário do que aconteceu nos jogos de Atlanta (EUA), quando os organizadores desperdiçaram 14 milhões de folhas de papel em sucessivos comunicados à imprensa, Sidney se preparou para fornecer eletronicamente as informações on line para os jornalistas, evitando ao máximo o uso de papel.

Nove linhas férreas foram especialmente construídas para levar o público da região central da cidade até o Parque Olímpico, eliminando totalmente a necessidade de usar automóvel. Em relação à frota de ônibus, bem menor que a de Atlanta, o principal combustível era o gás natural.

Até a tocha olímpica, o símbolo maior dos Jogos, teve como combustível uma mistura de butano – gás de isqueiro – que libera menos gás tóxico e quase nenhuma fumaça para a atmosfera. Numa parceria sem precedentes, o Greenpeace ajudou os organizadores a alcançarem esses resultados, que transformaram Sidney na sede dos primeiros Jogos Verdes da história. Ainda assim, os exigentes ambientalistas da Organização Não Governamental deram apenas nota 6 para os Jogos de Sidney. Dá pra imaginar o que seria uma nota dez?

Os excelentes resultados e a ótima repercussão internacional (os 15 mil jornalistas credenciados para os Jogos produziram inúmeras reportagens sobre as novidades ecológicas de Sidney) , levaram o COI a exigir que Atenas (2004) e Pequim (2008) não descuidem das premissas ambientais nos próximos Jogos Olímpicos.

De volta aos trópicos, naquilo que nos diz respeito, enquanto cidade que recebeu 104 reis e rainhas e chefes de Estado na Conferência Mundial da ONU para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Rio 92), nossa preocupação em ajustar projetos e investimentos às premissas ambientais deveria ser no mínimo igual à de Sidney. Seja na construção de 48 prédios de 7 andares na Barra da Tijuca onde será instalada a Vila Olímpica, seja no estádio olímpico de Engenho de Dentro, ou em qualquer outra instalação para os Jogos, é hora de arregaçar as mangas e pensar no diferencial ecológico que deverá pesar na escolha do COI.

Nove cidades disputam o direito de sediar os Jogos de 2012 e a primeira seleção acontecerá em junho de 2004, quando cada cidade candidata deverá entregar preenchido um formulário com 150 perguntas aos dirigentes do COI respondendo, entre outras questões, “como serão tratados os esgotos e o lixo, o que será feito para garantir a qualidade do ar e das águas”.

Quanto mais cedo ajustarmos nossos discursos e projetos às premissas ambientais dos chamados “Jogos Verdes”, mais pontos acumularemos na disputa. O exemplo vem da ensolarada Sidney, que como o Rio, tem muito sol, muito mar, uma linda baía e um povo alegre e orgulhoso de viver numa cidade maravilhosa. E olha que eles nem tiveram a chance de testar as novidades ecológicas com antecedência, como nós teremos em 2007, nos Jogos Panamericanos. O prefeito que me perdoe, mas beleza não põe mesa. Acorda Rio!

André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).

 

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