Suicídio é tema de livro

Por Jaísa Gleice

Fonte: Jornal O Hoje

Impossível imaginar como se sentem ou pensam as pessoas que tiram a própria vida pelas mais diferentes razões. Certamente, estão mergulhadas num universo de sofrimento, físico ou emocional, ainda pouco compreendido. O suicídio é sempre um tema tabu. No início desse mês, o jornalista André Trigueiro, lançou o livro Viver é a Melhor Opção — A Prevenção do Suicídio no Brasil e no Mundo. Em 192 páginas, o autor aborda diferentes temas diretamente relacionados ao assunto. Do início ao fim, a obra é um manual que ajuda o cidadão comum, especialistas da área de saúde e até a imprensa a entender um pouco mais e aprender a lidar com o assunto.

André analisou e comparou estudos da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Ministério da Saúde para discorrer sobre o tema. Considerou também sua participação voluntária no Centro de Valorização da Vida (CVV), associação filantrópica com atendimento 24 horas que será beneficiada com a venda da publicação. Segundo o jornalista, mundialmente o suicídio mata mais que o homicídio, mas ao mesmo tempo na maioria absoluta dos casos os suicídios são preveníveis. “Por isso, informação é tão importante”, reforça. A cada capítulo da obra o autor aborda diferentes temas relacionados, incluindo as patologias que possam levar ao ato extremo, e a forma como a mídia noticia o assunto.

“O Brasil ocupa a oitava posição no ranking mundial – em números absolutos – com 32 suicídios por dia. Os profissionais de saúde sabem que prevenção se faz com informação, e o que vale para dengue, hanseníase, tuberculose, aids e doenças coronarianas – para citar apenas alguns exemplos – vale também para suicídio”, destaca André Trigueiro que é repórter da Rede Globo, no Rio de Janeiro, colunista do portal de notícias G1, comentarista da CBN e ainda professor de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ. “Enquanto o suicídio for um tabu, um assunto invisível para a sociedade, não será possível mobilizar os recursos necessários (humanos, materiais e institucionais) para reduzir as estatísticas”, reforça.

André ainda não lançou o livro em Goiânia, mas a obra pode ser adquirida pela internet com 20% de desconto através do link http://correio.pre-hw100.webservidor.net/loja/viver-melhor-opcao.html#.VVlOBDUXrIx.twitter. A obra tem ainda uma página no Facebook. Na sexta-feira, 29, André participa do lançamento de Viver é a Melhor Opção — A Prevenção do Suicídio no Brasil e no Mundo, em Brasília (DF), às 19 horas, na Livraria Cultura do Shopping Iguatemi – Lago Norte. Esta semana, ele conversou com exclusividade com a reportagem do jornal O HOJE.

Entrevista com André Trigueiro

Por que você decidiu escrever sobre um assunto tão delicado e, de certo modo, polêmico?

André Trigueiro: Porque o suicídio é considerado caso de saúde pública no Brasil e no mundo e ninguém sabe disso. É um tabu, um assunto invisível, e isso só agrava a situação. Há mais suicídios no mundo do que homicídios e óbitos em conflitos armados. São 804 mil casos confirmados por ano, 2.200 por dia, um novo caso a cada 40 segundos. O Brasil ocupa a oitava posição no ranking mundial – em números absolutos – com 32 suicídios por dia. Os profissionais de saúde sabem que prevenção se faz com informação, e o que vale para dengue, hanseníase, tuberculose, aids e doenças coronarianas – para citar apenas alguns exemplos – vale também para suicídio. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 90% dos casos o suicídio é prevenível por estar associado a psicopatologias diagnosticáveis e tratáveis, como é o caso do transtorno de humor, popularmente conhecido como depressão. Em resumo: quanto mais pessoas com ideias suicidas souberem que é possível virar esse jogo, menos óbitos por autoextermínio teremos. A informação pode salvar vidas.

Você conhece famílias que enfrentaram esse problema? Como é a condição delas depois de constatar a perda nessas condições?

André Trigueiro: Segundo dados da OMS, um grupo de aproximadamente seis pessoas próximas do suicida sofre bastante com a perda do ente querido nessas circunstâncias. Essas pessoas precisam de ajuda. Mas a vida segue. Importa não cultivar culpa, ressentimentos ou frustrações. Conheço muita gente que conseguiu superar esse trauma, e lidar com essa dor com sabedoria, dando tempo ao tempo, redescobrindo a alegria da forma possível.

Você teve dificuldades em conseguir subsídios para escrever sua obra?

André Trigueiro: Os dados estão aí. Há muitos livros sobre o assunto, invariavelmente técnicos ou recheados de jargões médicos. Me baseei também no último relatório sobre a prevenção do suicídio divulgado pela OMS em setembro passado. O desafio foi tentar explicar todas as informações reunidas de forma clara e objetiva. Importante dizer que não é um livro de auto-ajuda, mas de “multi-ajuda”, como bem definiu a colega do jornal O Globo, Flavia Oliveira. São informações úteis para reconhecermos a gravidade do problema, a urgência da prevenção, a assistência devida aos “sobreviventes de si mesmo”, a instrução adequada aos profissionais de saúde para lidar com os suicidas, e a orientação segura para familiares e amigos. Isso salva vidas.

Na sua opinião, como a mídia deve lidar com esse tipo de notícia?

André Trigueiro: Em sendo inevitável publicar notícias sobre suicídio, não dar destaque (manchetes e fotos), não descrever o meio empregado, não enaltecer as qualidades mo­rais do suicida, entre outros cuidados. O jeito certo de falar sobre o suicídio é lembrar que ele é um problema grave, que é prevenível em 90% dos casos, e divulgar os dados das instituições que militam em diversas frentes em favor da vida, como é o caso do CVV – Centro de Valorização da Vida.

Como provar a quem tem tendências suicidas que viver é, sim, a melhor opção?

André Trigueiro: Não se trata de provar. Quem pensa em suicídio sofre, e essa dor merece respeito e acolhimento. A questão fundamental é oferecer ajuda, apoio, orientação. Cada caso é um caso, e não se pode nivelar as situações. Cada pessoa é única e cada abordagem precisa respeitar essas singularidades. Mas a ajuda especializada – psicólogos ou psiquiatras – é bem-vinda. Por vezes, uma conversa franca, sem repreensões ou julgamentos por parte de quem ouve, opera mudanças incríveis.

É possível identificar os potenciais suicidas? De que forma?

André Trigueiro: Em alguns casos sim. Quem diz abertamente que vai se matar ou está pensando no assunto, ainda que esteja blefando, merece atenção. É comum também uma postura de isolamento, de distanciamento dos amigos e da família. Em qualquer circunstância, havendo a menor sus­peita de que alguém à sua volta esteja experimentando uma situação psíquica difícil, um acidente emocional, um trauma que a deixa visivelmente abalada e transtornada, importa redobrar as atenções, buscar o diálogo ou procurar ajuda especializada.

Instituições como as escolas e as igrejas podem participar desse processo de informação, especialmente entre os mais jovens?

André Trigueiro: Todos nós, em qualquer ambiente social onde estejamos inseridos, devemos nos mobilizar contra o tabu e o preconceito em relação a este assunto. A cultura do silêncio abre campo para a multiplicação do número de casos. No Japão, por exemplo, uma das razões pelas quais os indicadores de suicídio deixaram de crescer foi a adoção de políticas públicas voltadas para a prevenção. Em algumas cidades, foram organizadas inclusive ações nas escolas. Onde o silêncio for mais forte que a informação clara e objetiva em favor da prevenção,o risco de suicídio será maior.

Nas documentações analisadas por você durante a preparação do livro foi possível perceber se homens se suicidam mais que as mulheres ou os jovens mais que os adultos ou idosos?

André Trigueiro: O perfil sociodemográfico do grupo mais exposto ao risco de suicídio é de homens entre 15 e 35 anos (ou acima de 75 anos), residentes em áreas urbanas, desempregados ou aposentados, isolados socialmente, solteiros ou separados e migrantes. Mas dentre todos os fatores de risco há dois que se destacam: já ter tentado se matar ao menos uma vez e se portador de algum transtorno mental (principalmente depressão).

Você acredita que a disseminação tecnológica pode, de certa forma, influenciar os suicidas a cometerem o ato de fato?

André Trigueiro: As tecnologias em si não são boas nem más. O uso que fazemos delas é que determina a qualidade dessa relação. Vejamos o caso da internet. É uma tecnologia fantástica e não é mais possível imaginar o mundo sem ela. Mas a imersão radical no uni­verso virtual gera problemas de saúde graves. São novas patologias que começam a ser estudadas. Não se deve, portanto, estigmatizar a “disseminação tecnológica”. Na maioria absoluta dos casos, as novas tecnologias nos ajudaram a chegar até aqui. Que uso fa­zemos delas é a grande questão.

Em países como o Brasil onde parte significativa da população enfrenta limitações sociais e econômicas o suicídio tem relação com o poder aquisitivo?

André Trigueiro: O suicídio é extremamente “democrático” e alcança diferentes faixas etárias, níveis de renda ou escolaridade. Países ricos como Estados Unidos ou Japão têm, proporcionalmente, mais casos de suicídio que o Brasil. E quando se fala em “redes de atenção e cuidado”, é curioso observar como os mais pobres tendem a ser muito mais solidários entre si do que os mais ricos. Qualquer tragédia em uma favela, por exemplo, determina a imediata articulação da comunidade em favor dos vizinhos atingidos por enchentes, incêndios ou qualquer outra catástrofe. “Onde comem três comem quatro”, é o que se ouve.

Você destinou os direitos de seu livro ao CVV. Qual a importância desse tipo de serviço voluntário para a sociedade?

André Trigueiro: O CVV é uma organização filantrópica, sem vinculações políticas ou religiosas, que oferece um serviço de apoio emocional e prevenção do suicídio desde 1962. São 70 postos espalhados pelo país reunindo 1.800 voluntários que registram, em média, 800 mil ligações por ano, uma nova ligação a cada 40 segundos. Conheço o trabalho do CVV há 16 anos e considero esse trabalho dos mais urgen­tes e importantes. Eles atendem pelo telefone 141 ou pela internet (cvv.org.br).