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Sérgio Abranches: ‘Obama avança na iniciativa sobre mudança climática’

 

Por Sérgio Abranches, PhD, sociólogo, cientista político, analista político e escritor. Escreve sobre Ecopolítica. É comentarista da rádio CBN, onde mantém o boletim diário Ecopolítica. Autor de Copenhague: Antes e Depois, Civilização Brasileira, 2010, sobre a política global do clima; e de O Pelo Negro do Medo, romance, Record, 2012. Prêmio Jornalistas&Cia HSBC de Imprensa e Sustentabilidade: Personalidade do Ano em Sustentabilidade 2011. Prêmio Chico Mendes de Jornalismo Socioambiental 2013 (rádio).

Fonte: Ecopolítica

 

O presidente Obama anunciou pessoalmente a decisão de cortar as emissões de gases estufa das termelétricas no EUA em 30% até 2030, em relação a 2005, por meio de uma norma com padrões definidos pela agência ambiental, a EPA. É uma decisão politicamente muito significativa por duas razões. Esta é a primeira vez que um governo dos Estados Unidos impõe regulação severa à emissão de carbono das termelétricas. Em segundo lugar, Obama escala o confronto com os republicanos no Congresso, porque está novamente usando a agência ambiental, a EPA, como instrumento para formular uma política para mudança climática, que lhe foi negada pelo Congresso.

Obama contraria frontalmente com esta decisão, que muitos chamam de histórica, os poderosos interesses do cinturão do carvão do EUA, que contam com grande número de representantes no Congresso e concentra um grupo poderoso de interesses econômicos. A reação dos parlamentares republicanos em geral, dos democratas que representam distritos do cinturão do carvão e das indústrias da região foi de imediata rejeição. Os ambientalistas e cientistas consideraram a decisão importante, mas dizem que insuficiente para enfrentar o desafio climático. Querem mais. Estão no papel deles. Recentemente a Câmara, que tem maioria republicana aprovou uma proposta de lei que limita a atuação da agência ambiental, para tentar barrar essas iniciativas de Obama. Mas o Senado tem que aprovar medida similar, para a restrição valer, e a maioria no Senado é democrata.

Se olhamos o conjunto de medidas que a agência ambiental já tomou, regulando emissões automotivas, industriais e agora das termelétricas, o que se tem é uma política coerente e efetiva de redução das emissões. Obama disse que essas medidas criarão empregos e estimularão a inovação no campo da energia. Esse efeito tem sido registrado por inúmeras pesquisas recentes nos Estados Unidos, a partir das medidas anteriormente adotadas no campo da mudança climática. É muito provável mesmo que esses padrões para o setor elétrico incrementem esse impulso ao emprego, ao investimento e à inovação.

A EPA definiu padrões para cada estado baseados nas emissões de carbono de suas termelétricas em 2005. Cada governo estadual poderá definir a maneira pela qual esses padrões serão alcançados. Podem criar mercados de carbono, ou podem simplesmente substituir as termelétricas mais poluentes por usinas que usam fontes renováveis. Uma parte dessa substituição do carvão será feita por gás de folhelho (fracking gas) o que pode resultar em danos ambientais futuros consideráveis. A EPA argumentou que essas medidas representarão, além do benefício climático, um ganho de US$90 bilhões em benefícios para a saúde pública, para um custo de US$8.8 bilhões para as geradoras.

Obama chamou os democratas para explicar as medidas, e disse que elas não terão impacto negativo na economia, não aumentarão os preços da eletricidade, nem o desemprego. Ao contrário, criarão mais empregos verdes, estimularão mais investimentos, não só de substituição, mas também em pesquisa, desenvolvimento e inovação e que os preços podem cair pela concorrência de outras fontes. Pediu que os democratas fossem para a ofensiva e confrontassem a oposição republicana.

Essa decisão sai quando o país se prepara para as eleições intermediárias, nas quais Obama vai tentar recuperar a maioria democrata nas duas Casas. Mas também corre o risco de ficar em minoria em ambas. O que lhe deu segurança para defender a medida foi pesquisa de opinião que mostra que 70% dos entrevistados apóia a redução das emissões de carbono das termelétricas.

Cientistas e ambientalistas dizem que as medidas são insuficientes, porque 2005 não é um bom ano base. O correto seria utilizar o ano de 1990, como faz a Europa. Dizem que os ganhos serão modestos, porque as emissões já caíram muito nos últimos anos em relação a 2005. De fato, as emissões já caíram em torno de 15% nos últimos anos. Mas ainda continuam relevantes e sem essas medidas adicionais, dificilmente continuariam a cair. A maioria dos cientistas e ambientalistas, embora críticos, concorda que Obama está certo em adotar esses padrões, há consenso de que é um começo significativo. A maioria alerta, porém, para a necessidade de novas medidas, mais exigentes, no futuro breve. A decisão não é, de qualquer forma, trivial, afinal, as 560 termelétricas a carvão do EUA representam 75% das emissões do setor elétrico local e o carvão foi a fonte geradora de 39% da eletricidade no país, em 2013.

O governo dos Estados Unidos certamente usará esse conjunto de iniciativas sobre mudança climática, para assumir um papel menos defensivo e mais afirmativo nas negociações para um acordo climático no Peru, no final do ano e em Paris no final do ano que vem. Mas, sem uma lei sobre mudança climática e garantia de que o Congresso ratificaria um acordo compulsório, deverá continuar a defender uma solução “legal, porém não compulsória”.

Ouça o comentário na CBN

 

 

 

Postado por Daniela Kussama

 

 

 

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