O relatório do IPCC lançado hoje é uma bomba de efeito moral que explodirá no colo dos governos dos Estados Unidos e Austrália (únicos países desenvolvidos que não ratificaram o Tratado de Kioto) e Canadá (onde o primeiro ministro Stephen Harper se elegeu no ano passado prometendo repensar a adesão do país ao Tratado).
O constrangimento causado pelo relatório deverá alcançar também os governos de países em desenvolvimento como China, Índia e Brasil, que tem sistematicamente negado qualquer possibilidade de reduzir formalmente suas emissões de gases estufa a partir de 2013, quando chegará ao fim o primeiro período de compromisso de Kioto.
No caso do Brasil, enquanto as queimadas representam 75% das emissões de gases estufa, o recém-lançado PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) prevê investimentos de 50 bilhões de reais em obras de infra-estrutura na Amazônia sem que haja clareza sobre os impactos previstos nas áreas de floresta remanescentes ou mesmo contrapartidas ambientais que pudessem atenuar esses impactos.
Por fim, espera-se que o relatório – pelo maior nível de certeza dos dados apresentados – intensifique um movimento que já acontece nas grandes companhias de petróleo do mundo, na direção das energias renováveis. No caso específico da Petrobras, o troféu da auto-suficiência poderá perder seu brilho em breve se os investimentos em energia renovável continuarem respondendo (apenas) por “até meio por cento do orçamento”, conforme o planejamento estratégico da companhia.
É como costumam dizer vários especialistas no setor: “se a idade da pedra não acabou por falta de pedra, a idade do petróleo também não acabará por falta de petróleo”, num mundo em que os combustíveis fósseis deverão ser progressivamente taxados pelos danos causados ao clima. Quem conseguir primeiro se afirmar no mercado de energia com tecnologias mais limpas, ganha o jogo.
Criado em 1988 por iniciativa do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEP) e a Organização Meteorológica Mundial (WMO), o IPCC ( sigla em inglês para Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas) já havia lançado anteriormente outros três relatórios, mas nenhum com a repercussão deste. Há várias razões para que isso aconteça neste momento.
Esta semana, num fato sem precedentes na história política da França, os dois candidatos à presidência compareceram juntos a um evento científico em Paris para ratificar seus compromissos de, em caso de vitória, tornar a França um país modelo na redução dos gases estufa. Na véspera do anúncio do relatório, organizações ambientalistas francesasconvocaram um pequeno apagão (desligando-se luzes e aparelhos domésticos por cinco minutos) como forma de protesto contra o aquecimento global e o desperdício de energia. Boa parte de Paris, bem como a Torre Eiffel, ficaram às escuras.
No ano passado, várias ocorrências ajudaram a preparar o terreno para a chegada deste relatório do IPCC. O lançamento do Stern Review (o relatório assinado pelo ex-economista-chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern) detalhou os impactos do aquecimento global sobre a economia do mundo com inúmeras projeções sombrias. O filme “An Inconvenient Truth“, do ex-vice presidente americano Al Gore, foi sucesso de crítica, concorre ao Oscar de melhor documentário este ano e, de quebra, Mr. Gore ainda teve o nome indicado para o Nobel da Paz justamente pela militância contra o aquecimento global.
Ainda nos Estados Unidos, mais precisamente na Califórnia, o governo estadual decidiu processar 6 grandes montadoras de veículos pelos danos causados por conta das mudanças climáticas. O processo, acolhido pela Justiça americana, arrola como réus as fábricas de automóveis. Ainda sob a batuta do republicano Arnold Schwarzenegger, o Estado da Califórnia anunciou a redução de gases estufa em 25% até o ano de 2020.
Pouco tempo depois, a União Européia decidiu reduzir as emissões do bloco em 20% até 2020 . Por último, mas não menos importante, sucessivas pesquisas, relatórios e farta documentação científica continuam demonstrando que as mudanças climáticas estão acontecendo numa velocidade sem precedentes na História e que nós precisamos tomar basicamente duas providências: reduzir drasticamente as emissões de CO2 na atmosfera e nos prepararmos para o que vem por aí.
Que o relatório do IPCC possa acelerar ainda mais um processo que já está em curso de tomada de consciência e principalmente de novas atitudes.