Reciclando o desemprego

Costuma-se medir desemprego com índices. Pessoas viram números. O sofrimento se dilui em estatísticas. Mas também é possível medir desemprego pelo tamanho das filas de quem disputa uma vaga no mercado de trabalho. E a julgar pelo tamanho da fila que se formou no sambódromo para o concurso de gari da Comlurb, a situação tá braba. Uma multidão de aproximadamente 20 mil pessoas sofreu com a falta de organização, com o tumulto e com as bombas de gás lacrimogêneo da polícia. Tudo por um emprego que já foi alvo de muito preconceito e que hoje, entre outros atrativos, ao oferecer um salário total estimado em R$ 610, é alvo de uma disputa voraz, onde a relação candidato-vaga é de 13 por 1.

Estima-se que este ano o concurso atraia ao todo 80 mil candidatos. Para surpresa de alguns, e constrangimento de outros, descobriu-se na fila a bacharel em Direito, Ana Cláudia Melo Silva. Desempregada, Ana deixou o diploma pendurado na parede e foi cuidar da vida. Assim como a doutora Ana, uma grande quantidade de candidatos a gari tinha nível de escolaridade muito acima do exigido pelo concurso: quarta-série do ensino fundamental. Diante desse cenário, a pergunta inevitável que se faz é: se está difícil para quem tem diploma arrumar emprego (daí porque tem advogado disputando vaga de gari) o que dizer daqueles que não tiveram a oportunidade de concluir os estudos?

Num país como o Brasil, estamos falando de milhões de pessoas. Segundo o IBGE, a média de anos de estudo da população adulta com idade a partir de 25 anos no país está abaixo de 6. Num mercado cada vez mais competitivo, onde cobra-se cada vez mais conhecimento e especialização dos candidatos a um emprego , poucos anos de estudo reforçam o quadro de exclusão. Há, entretanto, meios criativos de se promover o resgate da cidadania destes que não tiveram a sorte de completar os estudos e estão em desvantagem no mercado de trabalho. Um dos caminhos é promover a expansão do mercado de recicláveis no Brasil.

Existe hoje no país um exército de 100 mil catadores de latinha de alumínio que vivem disso. Alguns chegam a ganhar bem mais do que um salário mínimo por mês. Não se pede do catador currículo, experiência, diploma, ou nível de especialização. São invariavelmente pessoas que se enquadram na categoria de excluídos, gente que não tem cacife para disputar vaga num concurso para gari da Comlurb. O problema é que já se recicla quase 100% das latinhas no Brasil, e não há muitas sobrando por aí. É preciso aquecer outros setores desse mercado de recicláveis com o objetivo de gerar emprego e renda e há vários projetos nesse sentido tramitando no Congresso nacional.

Um deles é o do deputado Fernando Gabeira, eleito pelo PT do Rio, e que sugere, entre outras medidas, o fim da dupla tributação dos produtos recicláveis: hoje, por exemplo, as garrafas PET pagam imposto quando são produzidas e depois quando são recicladas. Se a reciclagem fica isenta de imposto, torna-se mais atraente para as indústrias e o recolhimento das embalagens PET nas ruas torna-se mais interessante. Em resumo: cria-se para as bilhões de garrafas produzidas no Brasil um valor comercial semelhante ao da latinha. Abrem-se novas oportunidades de trabalho e geração de renda.

O assunto será discutido nas próximas semanas por conta da reforma tributária e, é bom que se diga, é apenas um paliativo. Feliz daquele que vive num país em que o acesso à escola e à universidade permitem vôos mais altos e excelentes oportunidades na vida. Mas o desemprego e a fome não podem esperar. E 40% de todo o lixo produzido no país são de recicláveis que se acumulam nos aterros, num espetáculo de desperdício que poderia estar livrando muita gente do sufoco.André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).