“Os novos rumos para um planeta em crise”

 

Por Aline Ribeiro

 

 

Como um bom ecoativista, o jornalista André Trigueiro é coerente na lição de casa. Não se importa em repetir uma peça de roupa (mesmo que já esteja mais surrada do que manda a etiqueta). Tem um minhocário para transformar o lixo orgânico em fertilizante. Só compra um móvel se tiver certeza de que a madeira não é de desmatamento. Nascido e criado no bairro de Laranjeiras, no Rio de Janeiro, em meio à Mata Atlântica e a uma diversidade de animais, André é um entusiasta da preservação desde menino. Adulto, transformou a crença em trabalho – e se tornou referência nas discussões sobre meio ambiente no Brasil.

Há 15 anos na Globo News, André é apresentador do Jornal das Dez e editor-chefe do premiado programa Cidades e Soluções. Também dá aulas no curso de Jornalismo Ambiental na Pontifícia Universidade Católica (PUC-RJ), o primeiro do Rio de Janeiro, idealizado pelo próprio. Além de acadêmico e jornalista, André é escritor. Acaba de lançar seu quarto livro: “Mundo Sustentável 2 – novos rumos para um planeta em crise” (400 páginas, editora Globo Livros, R$ 44,90). Ao lado de ambientalistas convidados, como Adalberto Veríssimo, especialista em Amazônia, e o médico Paulo Saldiva, referência em poluição do ar, ele aborda os desafios da maior crise ambiental da história da humanidade.

 

ÉPOCA – A solução para o planeta passa necessariamente pela redução do consumo? Ou seria suficiente rever processos produtivos e criar produtos com menos impacto ao meio ambiente?

André Trigueiro – Há dois caminhos importantes para alcançar a sustentabilidade. O primeiro é ter mudanças nos sistemas de produção, a chamada ecoeficiência. Por exemplo: fabricar um sapato com menos insumos, como energia, água e embalagem. Mas apenas a ecoeficiência não promove a repaginação do conceito. O outro caminho é consumir com consciência. Se eu tiver uma leva gigante de tênis ecofriendly, a equação não fecha. Toda interferência no meio natural gera impacto. Não é possível fabricar nada com zero emissão, lixo e demanda por matéria-prima.

 

ÉPOCA – Como é possível consumir menos sem abrir mão do que precisamos (ou queremos)? O consumo colaborativo, segundo o qual compartilhamos os bens, seria um caminho?

Trigueiro – Exatamente. Há hoje quem questione a necessidade, por exemplo, de se ter uma máquina de lavar para cada apartamento. Ou um carro para cada pessoa. A França tem a primeira experiência neste sentido, uma frota grande de veículos para alugar. Quando começarmos a internalizar os custos ambientais, perceberemos que certos luxos não compensam. Ao encher o tanque do carro hoje, você paga a conta do combustível do poço ao posto: o custo de produção, impostos e só. O carro é atraente e popular porque a gente ainda não paga a conta do custo da queima do combustível [os gastos com saúde pública, referentes às doenças respiratórias provocadas pela poluição].

 

ÉPOCA – As empresas, mesmo as mais avançadas no discurso verde, quase não refletem sobre seus limites de expansão. Não adianta reduzir água, energia e embalagem por unidade de produto se as taxas de crescimento são homéricas…

Trigueiro – A crise do capitalismo estimula esse debate. Toda cultura que estimula lucros exponenciais, em certa medida, tem contribuição importante para essa entropia. Na verdade, embora o discurso possa soar anticapitalista, quando você pensa sustentabilidade pensa no longo prazo. Quando a conta não fecha, há um efeito devastador sobre os equilíbrios ambiental, social e econômico. Qualquer criança entenderia com facilidade este conceito. Isso não se resolve só por decreto, por medida de regulação. Não basta haver ONGs, empresas com relatórios de sustentabilidade, governo. Precisa haver uma mudança estrutural.

 

ÉPOCA – Você acredita nesta mudança?

Trigueiro – Torço para que essas engrenagens funcionem. As mudanças são visíveis e sensoriais. Quando ocorreu a Eco 92, vinte anos atrás, não existiam secretários de meio ambiente. Jornalista que cobria a área era motivo de chacota na redação. É um processo lento, e temos a clareza do senso de urgência. A Terra não pode esperar. Há muita convicção de que nós estamos determinando hoje uma mudança em escala dos ecossistemas jamais vista. A nova consciência se espraia, manifesta e não está a reboque de lideranças formais.

 

ÉPOCA – Como envolver a classe C emergente nesta causa, exatamente quando, pela primeira vez, ela tem a possibilidade de consumir?

Trigueiro – Não dá para baixar normas rígidas estabelecendo limite para o consumo. Cada um é dono do seu nariz e faz o que quiser com seu dinheiro. O que precisamos nos perguntar é se precisamos comprar tanto. Precisamos, por exemplo, de uma centrífuga só porque a madame tem uma na cozinha dela? Nem tudo aquilo que a classe C emergente adquire é porque precisa. Mas sim para fazer parte de um lar bem sucedido. Um lar que ostenta a partir das posses. Comprar o que para que? Essa pergunta vale para as classes A e B. E também para as classes C, D e E. Não é uma discussão de classes. O que eu preciso, de fato, para ser feliz? A gente precisa aprender a viver com menos. Menos é mais.

 

ÉPOCA – As empresas estão fazendo sua parte no sentido de criar novos processos e usar novos materiais?

Trigueiro – O setor privado, por motivos óbvios, é muito mais ágil do que o público. É o lado bom da globalização. A filial, em tese, precisa fazer o mesmo que a matriz nos países desenvolvidos faz. Mesmo num país onde as legislações ambiental e trabalhista são frouxas, a tendência é que as grandes corporações não queiram ficar expostas a ONGs e sindicatos. A demanda de imagem de uma empresa associada à sustentabilidade passou a ser uma meta. Não importa se o CEO faz por convicção ou conveniência. Importa que isso aconteça.

 

ÉPOCA – São Paulo, assim como outras cidades, restringiu o uso de sacolinhas plásticas. Resolve o problema do planeta?

Trigueiro – A sacolinha é emblemática de como a gente deixou de prestar atenção em coisas aparentemente banais, como se o saco não fosse o problema. Medidas restritivas, como as adotadas em São Paulo, são necessárias. As estatísticas mostram que o Brasil consome muito mais sacolinha do que precisa. Mas não adianta apenas dar uma caneta e erradicá-la. A proibição sumária não é benvinda. A parte boa é que o debate contaminou os setores público e privado. Todo mundo tem opinião. Isso é um país democrático. A gente constrói a experiência.

 

Serviço:

O livro será lançado em São Paulo na próxima segunda-feira (13), às 19h, na Livraria Cultura da Avenida Paulista. Os direitos autorais da publicação vão para o Centro de Valorização da Vida, que há 50 anos realiza um serviço voluntário de apoio emocional e prevenção do suicídio.

 

 

Fonte: Blog do Planeta