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“O custo da conservação é menor do que o da destruição, e esse exercício contábil precisa ser incorporado por empresas e governos”

“O problema do animal silvestre está relacionado com a cultura dominante, muita gente acha que, ao levar o animal para casa, está ajudando”.

André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE – Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação  e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. É autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação” (Editora Globo, 2005), coordenador editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI” (Editora Sextante, 2003). Desde 1996 atua como repórter e apresentador do “Jornal das Dez” da Globo News, canal de TV a cabo onde também participa, como editor-chefe do programa “Cidades e Soluções”. Esse programa e as reportagens especiais para a televisão renderam a Trigueiro vários prêmios. Coroando esse reconhecimento, em 2008, recebeu o Prêmio Ethos de Jornalismo pelo conjunto da obra em responsabilidade social e desenvolvimento sustentável (na categoria TV). Em entrevista exclusiva ao OLA, André Trigueiro avalia como fundamental a biodiversidade ter chegado definitivamente às preocupações e aos balanços dos grandes conglomerados econômicos. Para ele, o custo da conservação é menor do que o da destruição, e esse exercício contábil precisa ser incorporado por empresas e governos.


OLA: A Décima Conferência das Partes (COP-10), da Convenção Internacional da ONU sobre Diversidade Biológica, ocorrida em Nagoya (Japão), em outubro, vem sendo considerada por muitos analistas o grande acontecimento de 2010, o Ano Internacional da Biodiversidade. O senhor concorda?

AT: Depois de 18 anos e meio, desde a Rio-92, sem um trilho para a conservação, finalmente temos prazos e metas para a proteção e conservação das áreas marinhas e terrestres, que deverão ser cumpridos pelos países signatários, de 2011 a 2020. Outra vitória foi o protocolo mundial sobre o acesso e repartição dos recursos auferidos a partir da exploração do patrimônio biogenético. Até agora, o Brasil, detentor de 20 por cento da biodiversidade do planeta, praticamente não tinha as devidas recompensas pela exploração de ativos de espécies que viram cosméticos ou medicamentos. E outro grande passo foi o reconhecimento da importância da mensuração do valor econômico da biodiversidade.

 

OLA: A mensuração do valor econômico da biodiversidade tornou-se um tema recorrente nos diálogos entre grandes empresários e governos. Esse é o caminho para reverter a destruição ambiental?

AT: Essa capacidade que passamos a ter de mensurar o valor econômico da biodiversidade é um começo. Nós que sabemos reconhecer esse valor intrínseco da fauna, das florestas, da franja de Mata Atlântica, das águas do Pantanal, não precisamos disso. Mas estamos falando de um mundo onde esses temas precisam sensibilizar governantes e empresários. O custo da conservação é menor do que o da destruição. No momento em que esse exercício contábil for plenamente incorporado por empresas e governos, quem sabe possamos brecar o ritmo da destruição planetária que acontece em uma escala sem precedentes, devido a um modelo suicida de desenvolvimento adotado até agora. O Brasil foi a Nagoya respaldado por 50 grandes empresas, como a Vale, a Natura, o WalMart. Se estão fazendo isso por convicção ou conveniência, não importa. O certo é que perceberam que valorar a biodiversidade é uma nova forma de fazer as contas e de lucrar. Se ajudar a sensibilizar gestores públicos ou privados a mudarem suas práticas, é o que importa.

 

OLA: As grandes empresas têm colocado tudo isso em prática?

AT: A Vale, por exemplo, está fazendo revegetacão no Pará com mudas nativas, mas também plantando eucalipto e palma, para extrair óleo. A recuperação de áreas está na contabilidade, não somente no plantio de árvores exóticas. Quando se tem um negocio desses, é preciso fazer as contas. É assumir a preservação, e também lucrar. A Coca-Cola foi denunciada por americanos por exaurir água doce em comunidades pobres, e agora tem demonstrado preocupação intensa com a manutenção dos recursos hídricos fundamentais para seus produtos. Isso está introjetado em todas as campanhas deles. O que importa é que todos comecem a fazer as contas e cheguem onde temos que chegar, brecando a destruição.

 

OLA: Mas a sociedade já consegue distinguir, dentro desse movimento tão novo, as empresas e produtos que efetivamente vêm fazendo diferente em termos ambientais?

AT: Sem dúvida, estamos caminhando para o novo, e isso não exime nenhuma pessoa de identificar movimentos de “maquiagem verde” de produtos. Existe diretor de sustentabilidade que é apenas decorativo, e isso precisa ser percebido pelo mercado, pelo macro, refletindo nas pessoas, no consumo.

 

OLA: Como o consumidor pode agir, individualmente?

AT: O consumo precisa ser visto como um ato político. Tudo que levamos para casa está estimulando algum setor, formal ou informal, e precisamos incorporar essa consciência em nosso cotidiano.

 

OLA: Especificamente em relação à fauna silvestre, os novos tempos são promissores, existe essa conscientização?

AT: Quando se fala em mudanças climáticas, a contabilidade envolve emissões de carbono ou proteção de florestas e mananciais. É conveniente focar em matas e água, esquecendo os animais. Temos assistido uma tragédia no Brasil em relação à fauna, com migrações de animais, caça, comércio ilegal. O problema do animal silvestre está relacionado com a cultura dominante, muita gente acha que, ao levar o animal para casa, está ajudando.

 

OLA: O tráfico de animais é um crime. Não deveria ser reprimido fortemente? E não deveria ser repensado o comércio legalizado de silvestres?

AT: No Rio de Janeiro, o tráfico está sendo enxotado. Os morros já não têm donos. Além da repressão, a cultura também está mudando. O que vale para o tráfico de drogas deve valer para o tráfico de animais silvestres. As duas atividades são criminosas, com um agravante: a subtração de indivíduos da natureza implica na perda de resiliência dos habitats, na perda da capacidade de regeneração. Impacta o meio como um todo.

 

OLA: Além da repressão, o que deve ser feito para combater a apanha ilegal de silvestres na natureza e o tráfico?

AT: Os animais silvestres estão cobertos do ponto de vista legal, a legislação brasileira é bem calibrada. E temos a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária e o Ibama agindo constantemente. Mas o Brasil é um país de dimensões continentais, e abriga 20 por cento da biodiversidade do mundo. Por isso, enquanto a educação não emprestar sentido para a conservação, não vai dar certo. Não acredito somente em repressão, a repressão tem que ser parte da mudança cultural.

 

OLA: A mudança cultural já pode ser sentida em relação aos animais silvestres, ou eles ainda são o grande objeto de desejo de boa parte da população?

AT: O foco para os silvestres é mais intenso, o assunto já faz parte de reportagens, conversas, é discutido nas escolas. Muita gente não quer mais um silvestre em casa. Mas me choca profundamente a situação dos animais criados para consumo, o abate cruel, não humanitário e sem preocupação com o sofrimento dos animais.

 

OLA: O que precisa ser mudado em relação aos animais destinados ao consumo?

AT: O Brasil transformou os animais em objetos ao se colocar como megaprodutor mundial de proteína animal. Não podemos mais fechar os olhos para os problemas na criação, transporte e abate. Falta legislação mais rígida. Falta controle, educação e conscientização. Com todo o avanço científico, com toda tecnologia, o sofrimento dos animais ainda é intenso, e poderia não ser. E, ao comer a carne, ninguém se pergunta de onde ela veio. Do ponto de vista da comunicação, o grande desafio é fazer com que as pessoas passem a questionar qual processo, desde a criação ao abate, resultou na picanha, no galeto, na linguiça que está no prato.

(Fonte: OLA)

 

 

 


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