O Eco

Por trás da bancada

Marcos Sá Corrêa, Manoel Francisco Brito, Carolina Elia, Lorenzo Aldé, Andreia Fanzeres, Juliana Tinoco

Pela cartilha do bom jornalismo, a figura do âncora de telejornal deve ser a mais neutra possível, para transmitir a notícia com imparcialidade. André Trigueiro não foge à regra. Apresentador do Jornal das 10, que vai ao ar todas as noites no canal a cabo GloboNews, tem estampa elegante, voz treinada no radiojornalismo e a segurança de quem, apesar da pouca idade, já está há nove anos no posto. As pistas sobre quem é André Trigueiro por trás das câmeras estão nas notícias ambientais do programa. É nelas que o jornalista investe sua paixão, propondo pautas, produzindo, editando, criando séries especiais por conta própria.

André integra a Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais e é um de seus principais expoentes na grande mídia. Professor universitário, articulista de jornal, colunista de rádio e escritor com um livro publicado e outro a caminho, ele aproveita todos os espaços profissionais para refletir sobre os principais desafios da preservação da natureza do país e do planeta. E sobre como transformá-los em notícia. Ao mesmo tempo, constrói seu próprio caminho na TV, experimentando novos temas e formatos. Os prêmios conquistados são a prova de que seu pioneirismo está dando certo. E de que, talvez, a sustentabilidade já não seja um assunto de outro mundo.

Nesta entrevista, O Eco aproveitou o colega para conversar sobre nossos interesses comuns.

Quando surgiu esse seu interesse sobre meio ambiente? Qual foi o pontapé inicial?

André – Tenho um registro de encantamento profundo com o Fórum Global [encontro de ONGs de todo o mundo durante a Rio-92], que cobri pela rádio JB-AM. É claro que eu já tinha uma afinidade enorme com o assunto, mas a resolução dentro da carreira eu percebi com maior clareza a partir da cobertura do Fórum. Fiquei encantado com a perspectiva de poder falar de um assunto tão complexo sem ser cientista, biólogo ou ecologista. No Fórum Global a gente viu de tudo, inclusive pessoas que estavam ali apenas como cidadãos, abraçando uma causa. Eu pensei: “Nossa, tem espaço para o idealismo e tem também jornalista fazendo disso um filão”. Quer dizer, dá para juntar o prazer com a oportunidade de trazer esse assunto para a mídia. Mas isso não veio em um pacote pronto. Eu levei para casa uns tratados, sobre clima, sobre água, os sumários das discussões do Fórum… Juntei aquela papelada toda e li. Em 1996, tive a sorte de fazer um curso organizado pela professora Samyra Crespo, do ISER [Instituto Superior de Estudos da Religião], chamado Teoria e Práxis do Meio Ambiente. Foi uma experiência incrível, porque a turma era multidisciplinar, tinha gente de todas as procedências ali dentro e a troca entre nós foi muito forte. Depois fiz o curso de Pós-Graduação Executiva em Meio Ambiente da COPPE/ UFRJ, que não é propriamente para jornalistas. Mas, por falta de opção, resolvi buscar essa especialização e gostei muito. Fui pelo apetite de acessar pessoas e conhecimento na área.

De que maneira essa formação começou a influenciar seu trabalho?

André – Aos poucos fui tendo a coragem de propor algumas pautas inusitadas, na forma de reportagem ou programa.. Isto significa cruzar um limiar. Você fica exposto e começa a ser alvo de determinadas brincadeiras na redação. Brincadeiras que revelam uma visão reducionista da questão ambiental, como se ela se restringisse à fauna e flora, a bichinho e floresta. O universo de pautas e assuntos nessa área é imenso e alcança todas as editorias. Então meu envolvimento com isso foi se dando naturalmente, nada foi pré-determinado. Foi acontecendo e eu fui me descobrindo na história.

E acabaram as brincadeiras?

André – Elas fazem parte, ajudam a construir um bom ambiente de trabalho. Mas tenho a impressão de que, com o passar dos anos, as brincadeiras foram dando lugar a um outro sentimento, a um maior interesse sobre o assunto e, talvez, à percepção de que a questão ambiental é de fato mais ampla do que normalmente imaginamos. Houve um momento importante na minha carreira, em setembro de 2003, quando no intervalo de uma semana ganhamos o Prêmio Embratel e o Prêmio Ethos de Responsabilidade Social [pela série “Água: o desafio do século XXI”] e lançamos um livro [“Meio Ambiente no século XXI”, editora Sextante]. Daí em diante, me senti mais à vontade para investir tempo e energia na direção que me interessava. Eu me permiti ter prazer na profissão.

Você só descobriu o prazer na profissão depois que entrou na área ambiental?

André – Meu nível de prazer ficou maior quando surgiu a possibilidade de me juntar com quem já estava nessa há mais tempo, de me perceber dentro de um movimento que não é ordenado, mas é consistente e começa a ganhar forma. Em outubro vai acontecer o primeiro Congresso Brasileiro de Jornalismo Ambiental, em Santos. Não tenho conhecimento de outra iniciativa desse gênero por aqui. As pessoas vão se encontrar e tentar dar rumo à prosa, consolidar um movimento que se articula na internet através da Rede Brasileira de Jornalistas Ambientais.

Dá pra ser jornalista ambiental sem ser um militante?

André – Eu não sou imparcial com sustentabilidade. Como não sou imparcial com a escravidão, com a corrupção. Tem um lado idealista importante, existe uma nobreza no jornalismo ambiental, é um trabalho muito bonito e sedutor. E tem um lado subversivo, de incomodar interesses fortes na política e na economia, contrários à sustentabilidade. Nesse sentido, você é um ativista, não está seguindo o fluxo. Existe um momento em que você bate de frente e se expõe.

Que autonomia você tem para colocar esses assuntos no Jornal da 10?

André – Eu tenho a sorte de trabalhar num lugar onde essas questões são entendidas como importantes. Uma maneira interessante de abordar os assuntos ambientais é através das séries especiais dentro do jornal. As séries emprestam status de notícia a assuntos que não costumam ser tratados como notícia. Por exemplo, produzimos na GloboNews a primeira série em rede aberta ou fechada no Brasil sobre o problema do aquecimento global. Chamava-se “Planeta Estufa”, e reuniu o supra-sumo das cabeças que estavam pensando sobre esse assunto e atuando nessa área. De segunda a sexta, foram ao ar reportagens de 5 minutos, mais 5 minutos de entrevistas ao vivo arrematando os assuntos. Eram 10 minutos por dia em um jornal de 52 minutos em média, para tratar de um tema que não era considerado ainda notícia. Sinto que ajudamos a abrir caminho para o entendimento de que este é um assunto fundamental. Foram várias séries na GloboNews. Teve uma sobre água, outra sobre energia. São trabalhos que adoro fazer, mas que me consomem. Se não tem paixão, você simplesmente não consegue levar à frente. Fico meio obcecado nesses períodos, me envolvo com detalhes da produção, escolho os entrevistados que julgo os mais qualificados, faço longas entrevistas, daquelas que cansam porque depois você tem que transcrever tudo, e é apenas um pequeno trecho, a melhor declaração, que vai se encaixar perfeitamente no roteiro. Tem que ouvir tudo, decupar e construir. Quando vou gravar com o entrevistado eu abro o jogo: “Olha, estou gravando com você 40 minutos, mas não vão entrar os 40 minutos”. O trabalho envolve o departamento de arte, que é um ótimo recurso para televisão, envolve imagens de arquivo, alguém do Cedoc [Centro de Documentação da Rede Globo] que vai muitas vezes fazer o trabalho depois do expediente para garimpar as imagens mais interessantes. Isso é exaustivo, mas a GloboNews é um canal que possibilita essa abordagem mais ampla dos assuntos.

O formato televisivo também dificulta uma abordagem diferente, que fuja de fontes e declarações oficiais?

André – Isso é uma coisa que eu trabalho com os meus alunos na PUC [onde é professor de Jornalismo Ambiental]. Pergunto: “É possível ser jornalista e, sem prejuízo do lead, exercer a visão sistêmica?”. A resposta para mim é sim. Mas é sempre um desafio. Televisão é extremamente objetiva. Você tem que contar as histórias em 1 minuto, 1 minuto e meio. Tem que tocar nos assuntos de forma muito resumida e fragmentada. E os assuntos que a gente tem interesse de abordar, com um olhar menos fragmentado e reducionista, nem sempre se prestam a ser explicados no formato clássico de televisão. Existe uma interface entre o jornalismo ambiental e o jornalismo científico. E aí esbarramos muitas vezes no problema da linguagem. O repórter e a fonte precisam se comunicar bem, e isso é um desafio. Eu às vezes fico imaginando quais seriam as alternativas para tratar desses assuntos com clareza e objetividade num veículo como a televisão? É um aprendizado que exigirá de todos nós humildade, determinação e sabedoria.

Você já tratou de um tema especialmente delicado na TV?

André – Falar de consumismo na televisão pode parecer um assunto delicado, porque envolve uma reflexão sobre as reais necessidades de cada um. Um assunto que definitivamente não interessa à publicidade, que empurra toda sorte de produtos para os consumidores. Mas é a publicidade que sustenta boa parte dos veículos de comunicação. . Na área ambiental, relatórios internacionais apontam os “meios de produção e de consumo” como os maiores vilões ambientais da atualidade pelo uso perdulário de matéria-prima e energia. No ano passado, em mais uma edição do “Buy Nothing Day” (“Um dia sem compras”), que sugere como protesto simbólico contra o consumismo uma pausa nas compras, achei que era um bom mote para uma reportagem na GloboNews. Escrevi um artigo, que o jornal O Globo publicou, chamado “Consumindo a vida” trazendo todos aqueles indicadores do lado nefasto dos meios de produção e consumo, questionando algo que é caro à classe média e aos leitores do O Globo, e sugerindo uma reflexão difícil: : “Tenho que rever meus padrões de consumo. Não posso consumir impunemente, só porque tenho poder aquisitivo de comprar, sem nenhuma preocupação”. Na GloboNews fizemos uma entrevista de 23 minutos com o Hélio Mattar, do Instituto Akatu, sobre consumo consciente. Ele falou das mazelas do consumismo com extrema habilidade, apresentando dados, estatísticas e argumentos muito bem consolidados. A reportagem na GloboNews foi ao ar em pleno mês de dezembro, às vésperas do Natal! Eu abri a edição com imagens sem off, mostrando o que aconteceu na Macy’s [uma das maiores redes de lojas americanas] uma semana antes de a entrevista ir ao ar. Na Macy’s tem liqüidação todo ano e a mídia americana cobre de helicóptero a enorme fila em Nova Iorque para que o povo consiga entrar na loja. Quando a multidão entra já tem cinegrafista lá dentro cobrindo o estouro da boiada. É a compulsão do consumo, você madruga, bate a cabeça no vidro, para comprar alguma coisa que está mais barata aquele dia. Foi interessante usar, no mês de Natal, aquela imagem. Botamos a entrevista sem meias palavras. Para mim foi muito gratificante perceber que esse tabu de falar consumismo na mídia, se é que um dia existiu, não existe mais.

O negócio é arriscar.

André – Há o risco. Quando o assunto é sustentabilidade, é fácil contrariar interesses. É importante desenvolver esse trabalho com responsabilidade e argumentos.

Na rádio é diferente?

André – Na rádio CBN é diferente porque lá eu sou comentarista. Manifesto opiniões pessoais sobre assuntos que eu mesmo escolho. A direção da rádio abre para todos os comentaristas a possibilidade de explorarem livremente os temas que desejarem. É o que se espera de um comentarista. Agora, o risco nesse sentido é maior.

Mas você não costuma priorizar a denúncia, não é? É mais pela busca de soluções.

André – É, eu penso muito no uso didático das séries. Na série sobre energia ( “A nova energia do mundo”) , soube que o pessoal da ANEEL [Agência Nacional de Energia Elétrica] e da Eletrobrás gravou as reportagens e usou o material em atividades com os funcionários. A série sobre água (“Água: o desafio do século 21”) foi usada pela turma da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil], era o tema da campanha da fraternidade. São 11 mil paróquias no Brasil e a idéia de usar a série como ferramenta de trabalho se alastrou. Este é o uso didático. Mas às vezes falta tempo para a gente abordar grandes questões. Na série sobre energia, por exemplo, o José Dirceu era ministro ainda, e estava coordenando as discussões sobre se Angra III seria ou não construída. De maneira clássica, ouvi os dois lados: Luiz Pinguelli Rosa e o presidente da Associação de Engenheiros Nucleares, com posições distintas sobre a conveniência de ter Angra III. Qual seria a discussão procedente, se eu tivesse mais tempo? Fazer um programa inteiro sobre nuclear. Lembrar o James Lovelock, um dos criadores da teoria de Gaia, defendendo o nuclear, falar da decisão alemã de desligar todas as usinas nucleares e depois botar o pé no freio. Discutir a fundo a questão do custo. Qual é o custo da energia nuclear? Custo de construção, custo de manutenção dos lugares onde você vai botar o rejeito. Enfim, aprofundar a discussão. Eu não tive esse tempo.

O que acha da forma como a mídia aborda o desmatamento na Amazônia?

André – É uma pobreza, né? Uma ou mais vezes por ano aparecem as mesmas reportagens sobre a destruição da Amazônia, do Cerrado. Dá uma sensação de déjà-vu. É preciso qualificar a pauta. A mensagem subliminar que esse tipo de pauta remete é: “Não tem jeito”. Como vamos falar disso agregando novos valores à informação? Com que ingredientes saborosos essa pauta deve ser sugerida? Talvez não estejamos usando todo nosso estoque de criatividade. E às vezes não temos o senso de urgência desperto para outras questões igualmente preocupantes. Somos alarmistas sobre a Amazônia, mas não sobre a bomba-relógio do excesso de automóveis nas grandes cidades. Nem é pela questão da poluição, falo do problema da presença física dos automóveis. Que remete à qualidade dos transportes públicos no Brasil. Não dá para imaginar Rio e São Paulo nos próximos 5 ou 10 anos, sem pensar em mobilidade sustentável. Esta é a pauta do transporte público.

Não pode ser só boletim de trânsito.

André – Claro. É preciso criar a demanda da discussão, não mediocrizá-la. Posso mostrar, usando a TV, onde o caldo entornou e quais as soluções que cada governo pensou. No rádio, o repórter aéreo é a testemunha ocular do impasse. Invariavelmente aparece com registros pontuais dos lugares engarrafados ou onde o trânsito segue lento. A repetição desses informes precipita o ouvinte à “normose”, ou “normopatia”, a doença da normalidade. Começamos a achar que aquilo é normal, que o transito caótico é normal, e a vida segue. É tão certo o dia amanhecer quanto eu pegar engarrafamento na Linha Vermelha. Temos que ter criatividade, ousadia, mudar as nossas estratégias. O repórter Randau Marques, quando trabalhava no Jornal da Tarde, em São Paulo, fez pressão na imprensa, no final da década de 60, para que fosse criada uma companhia de tráfego na cidade. Naquela época a situação já inspirava cuidados. A prefeitura cansou de levar porrada do jornal, e acabou criando a companhia. Eu entendo que o repórter aéreo, enquanto serviço de utilidade pública, deveria aprofundar a cobertura na direção das soluções. É preciso criar o fato, aproveitar a abordagem privilegiada do repórter aéreo. Já que tenho o repórter sobrevoando, posso pelo menos uma vez por ano mudar o foco e abrir espaço na programação para as soluções. Entrar ao vivo por telefone ou sobrevoar os pontos críticos da cidade com alguém da Secretaria de Transportes, engenheiros de tráfego, representantes da universidade, enfim, colocar essa gente toda para discutir o que interessa, que é: “Como é que a gente resolve isso?”.

Cobrar soluções.

André – Mostrar rumos. O que acontece, de uma forma geral, é que estamos retroalimentando as notícias ruins. As pessoas vão se sentindo mal, depressivas, estão tendo aversão a ler notícias, a ver TV. A Cora Rónai se declarou, em uma coluna, deprimida por estar bem informada. Como começar a discutir o assunto do trânsito de forma a fugir do rame-rame? Temos a função de tentar questionar esse comportamento um tanto passivo que se vê nas redações. E lembrar da função social do jornalista, de contribuir, fazer links entre os assuntos, abordar diversos lados da questão. A superficialidade faz parte do universo jornalístico, principalmente no varejão das notícias do dia-a-dia. Isso se dá de forma mais forte na mídia eletrônica, onde a agilidade, a instantaneidade, o imediatismo, determinam padrões de cobertura. É intrínseco à natureza dos veículos. Mas chega uma hora em que fica superficial demais, se repete, cansa. Há janelas de oportunidade onde o mergulho não é apenas opcional, é imprescindível.

Como anda a política, em relação às questões ambientais?

André – Os partidos não conseguem verbalizar a demanda urgente por políticas sustentáveis. O PSDB não consegue, o PT não consegue. Outro dia, o José Serra apareceu na TV, como candidato que já é, respondendo à pergunta: “Do que o Brasil precisa?”. Para ele, precisa “crescer, crescer, crescer”. Ponto. Nada contra o crescimento econômico, pelo contrário. Mas sem o viés da sustentabilidade, é tiro curto.

A ministra Marina Silva não deveria ser a voz autorizada para falar desse assunto?

André – Respeito muito a Marina e lamento muito por ela não ter conseguido fazer tudo o que imaginava ser possível. Os dois primeiros ministros anunciados pelo Lula, em Washington, recém-eleito, foram o Palocci e a Marina. Isto indicava a importância dessas figuras dentro do governo. Criou-se uma expectativa enorme em torno da Marina. Mas logo se viu que a corrente “desenvolvimentista” atropelou algumas premissas importantes defendidas por ela. A Lei de Biossegurança, por exemplo, foi aprovada de forma completamente equivocada, desrespeitando o princípio da precaução, que é constitucional. E com a sutileza de botar no mesmo projeto transgênicos e células-tronco, o que causou a maior confusão. O governo avalizou três safras de soja “Maradona” [grãos transgênicos que entravam no país pela Argentina], o que era crime. E ficou por isso mesmo. O papel de protagonista que o Brasil tinha nas negociações do clima foi abandonado. Essa foi uma das causas da saída do deputado Fernando Gabeira do PT. O orçamento do Ministério do Meio Ambiente é quase simbólico. E não se faz política pública na área ambiental sem recursos.

E o Lula?

André – Ele possui uma trajetória de vida singular, e aprendeu muito em pouco tempo. De metalúrgico do ABC a presidente da República, aumentou sua visão de mundo. Mas não se interessou pelos assuntos da sustentabilidade. Ou não compreendeu. Nada contra crescer e se desenvolver, mas qualquer que seja o presidente, eu só gostaria de ouvir da maior autoridade do país uma declaração pública de compromisso com a sustentabilidade. Ser brasileiro no início do século XXI é viver no país campeão mundial de água doce, de floresta tropical úmida, de biodiversidade. É ter 90 milhões de hectares de solo disponível. Ser presidente de um país com esse enorme patrimônio natural, num momento da história em que a humanidade experimenta uma crise ambiental sem precedentes, e que se agrava perigosamente, é um desafio que demanda um olhar mais abrangente. Não se resolve o problema da miséria e da fome, sem que se estenda ao projeto de desenvolvimento o viés da sustentabilidade.

Os políticos não conseguem enxergar isso?

André – É que o horizonte do político é estreito. O tempo do político é de quatro anos, é o tempo do mandato. Nas minhas aulas na PUC eu costumo fazer uma tabelinha para os meus alunos para eles entenderem as diferenças do tempo. Qual é o tempo do presidente? Quatro anos. No máximo oito, com a possibilidade da reeleição. Bush não assinou o Protocolo de Kyoto por quê? Porque são políticas para mudanças que levam cinqüenta, cem anos pra acontecer. Se outro quiser que ratifique, mas ele não tem interesse em ganhar medalha no caixão. Qual é o tempo do investidor? Aqui e agora, das 10h às 17h, enquanto está aberto mercado financeiro. Não pergunte como será amanhã, tá longe demais. Qual é o tempo do jornalista? Hoje. Quanto tempo dura um jornal impresso? Amanhã ele vira embrulho de peixe. O rádio, a TV, a Internet, a mídia eletrônica está cada vez mais interativa, rápida, descartável. Mas qual é o tempo da natureza? Considere as datações geológicas, você tem uma visão de tempo dilatada. A vida se resolve numa escala de tempo muito superior à que costumamos pautar nossas ações. Essa discrepância tem nos custado muito caro. O jornalista tem que perceber o que é realmente importante na escala de tempo da natureza.

Como você foi se apaixonar pela natureza? Alguma experiência marcante?

André – Quem não gosta de natureza? Não conheço ninguém assim. Morei na rua General Glicério desde que nasci. Prédios separados por belos jardins, muitas árvores e pássaros. Me apraz estar em Laranjeiras. Domingo de manhã, a forma como os raios de sol atravessam a copa das árvores em direção à calçada é um espetáculo. A dança dos morcegos à noite, a algazarra dos pássaros de manhã. Esse contato próximo numa cidade grande e conturbada como o Rio é um privilégio. Isso mexe com o seu psiquismo. Uma colega da GloboNews já me flagrou num domingo à tarde, sem camisa, de chapéu de palha, carregando muda de árvore, adubo e enxada em direção ao Mundo Novo [caminho que liga Laranjeiras a Botafogo] para plantar onde ainda há terra disponível. Já plantei um monte de árvores. Comprava as mudas no Mercado do Produtor, na Avenida Brasil, e saía plantando.

Plantando o quê?

André – A muda que eu acho mais apropriada e resistente para rua é o algodoeiro-de-praia, que tem uma folha verde em formato de coração, flor amarela, cresce rápido e dá sombra. Mas tem outras, como pata-de-vaca, ficus, aroeira. Depois de formado, enquanto ainda não tinha emprego, ia para as Paineiras [na Floresta da Tijuca] todos os dias. Tomava um banho energético. Água bruta, da fonte, é diferente. Parece que ela tem o poder de limpar o campo sutil. Mas meu lugar predileto é Visconde de Mauá. Na verdade, a vila de Maringá. O lugar tem as suas singularidades físicas e espirituais. Trutas frescas, boas caminhadas, ar puro, e um céu estrelado que de repente cai sobre a cabeça. Lá tem magia.

Você não é de se mandar para o mato?

André – Gosto de pegar trilha, andar horas a fio, mas também gosto de conforto. Já acampei, mas hoje prefiro uma boa cama, comer bem. De preferência num lugar que ofereça a interação com a natureza, que propicie insights. Quando se volta de um lugar assim para a cidade grande, é impressionante. Você está na Avenida Brasil e já sente as vibrações da cidade. O Rio de Janeiro, a cidade que eu amo, já foi acometido pelo adensamento populacional e pelo estoque de dor e de sofrimento das pessoas que vivem abarrotadas. E isso é perceptível na energia da cidade. Por isso tenho necessidade de contato com a água, de fazer imersões. Não é à toa que a água está presente na liturgia de diversas tradições religiosas. O contato com a água é revigorante, transformador. Se for água de nascente, sem flúor ou cloro, melhor ainda. Pena que no Rio de Janeiro as águas estejam tão poluídas.

Você teve oportunidade de viajar pelo Brasil?

André – Viajo bastante. Há muitos lugares bonitos. Mas é surpreendente como alguns roteiros por aqui são mais caros do que para o exterior. É o caso da Amazônia. Tive necessidade de conhecer a Amazônia. Experimentar a sensação de estar na maior floresta tropical úmida do planeta. Mas é uma viagem cara. Para Anavilhanas, só vendem pacotes para estrangeiros. Acharam estranho eu, brasileiro, querer fazer o passeio.

As crianças crescem sem saber o que é floresta.

André – É incrível. Uma pesquisa com crianças da Alemanha perguntou de onde vem o ovo. A resposta: do supermercado. Resultado: foi implantada uma política pública para levar crianças para conhecer granjas e a origem dos alimentos. Outro caso interessante eu ouvi de uma educadora ambiental de Belo Horizonte. Ao preparar a garotada para o plantio de mudas no Dias da Árvore, a professora perguntou onde a semente seria plantada, e percebeu que ninguém mencionou a palavra terra. Só conseguiam falar a palavra chão. Viviam cercados de concreto, calçadas, e, no máximo, canteiros ajardinados onde a terra não aparece. No dia da atividade, a professora percebeu o nojo dos alunos em tocar na terra. Houve todo um trabalho de conscientização, de resgate de uma consciência que se perdeu na selva de pedra. José Lutzenberger escreveu na década de 70 que quem vive nas cidades perde a noção estética do que é belo, perde a sensibilidade para os assuntos da natureza. Vive num ambiente artificial e toma esse ambiente como parâmetro de vida. Por isso faço questão de ter pequenas temporadas fora do Rio de Janeiro, para fechar o link com minha essência e voltar para o trabalho bem. Prestando mais atenção naquilo que a maioria julga ser desimportante, como diz o poeta Manoel de Barros.

Que é um olhar infantil.

André – É um olhar inocente, livre, solto. Não há julgamento, há sensibilidade. O meio ambiente está no meio da gente. Somos seres aquáticos: a água irriga as células, os tecidos, os órgãos. Proporcionalmente, ocupa no corpo a mesma presença que ocupa no planeta. Carrego nas veias as riquezas minerais que jazem no subsolo. Ferro, sódio, potássio, manganês… os minerais sustentam o corpo. Se temos alguma deficiência no suprimento desses minérios, aparece a apatia, a anemia, a fraqueza. O ar é o elemento fundamental, a fonte de energia sublime, o que na Índia chamam de prana, a energia vital. Então nós somos feitos dos elementos que constituem a natureza e interagimos com eles o tempo inteiro. Se a água, a terra ou o ar estão poluídos, nós também estaremos. E sofreremos com isso. Poluição não gera saúde, nem prosperidade, nem satisfação.

Está pintando um livro novo por aí?

André – Está previsto para novembro. Vai se chamar “Mundo sustentável”, e estou lançando pela editora Globo. Será uma convergência de mídias: transcrições de programas da CBN, da GloboNews, artigos publicados no jornal O Globo e no Ecopop Separei esse material todo por eixos temáticos: consumo, resíduos sólidos, meio ambiente urbano, recursos hídricos, biodiversidade, energia, questões globais e jornalismo ambiental. E convidei um especialista para fazer o arremate de cada capítulo. O livro traz muitas informações que sinalizam rumo e perspectiva para quem está buscando saídas. E 100% dos direitos autorais serão cedidos para a organização voluntária, sem vinculações políticas ou religiosas, chamada CVV, Centro de Valorização da Vida, que realiza um serviço gratuito de apoio emocional e prevenção do suicídio em várias cidades do Brasil.