Por Alexandre Mansur
Fonte: Época – Blog do Planeta
O cineasta Fernando Meirelles não tem medo de ser chamado de “ecochato” ou “biodesagradável”. Depois de grandes sucessos como Cidade de Deus, Ensaio sobre a Cegueira e o Jardineiro Fiel, o diretor vem emprestando seu talento a melhorar a comunicação das causas ambientais. Fernando co-produziu o filme A Lei Da Água sobre crises hídricas e nascentes florestais. Está ajudando a transmitir a mensagem de urgência no enfrentamento das mudanças climáticas. E assumiu o desafio de comunicar aos brasileiros o valor da biodiversidade e os ambientes naturais. Fernando está escalado para falar sobre comunicação ambiental no VIII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. O evento é promovido pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza. Acontece entre os dias 21 e 25 de setembro em Curitiba (PR). Na entrevista a seguir, Fernando conta como despertou para a ecologia e como vê o desafio de apresentar o tema a um público amplo.
Época: Como nasceu seu engajamento pela causa ambiental?
Fernando Meirelles: Meus 4 avós, meu pai e minha mãe nasceram em fazendas. A família é da terra e muitos gostam de árvores, acho que puxei esta característica e meu interesse veio daí.
Época: Houve algum momento marcante em sua vida que definiu essa atenção especial para o assunto?
Fernando: Tenho uma fazenda onde engordava gado. Após ler muito sobre árvores e a importância das florestas para recuperação de nascentes e manutenção das defesas naturais de pragas, em 2005 resolvi acabar com o gado e recuperar as matas ciliares e áreas de nascente da fazenda. Como sou vegetariano não havia mesmo razão para continuar produzindo carne. Comecei então a comprar e colher sementes, montei um viveiro de espécies nativas e depois de 7 anos quase já não ha mais espaços livres para árvores na fazenda. Como peguei gosto agora estou começando a fazer o mesmo em outras áreas e aos poucos estou substituindo a cana por mogno africano. Foi este envolvimento direto com o plantio de árvores que me colocou dentro do assunto. As árvores ainda são a melhor maneira de captar e prender carbono.
Época: Quais são os maiores desafios ambientais do mundo, em sua opinião?
Fernando: A lista de problemas ambientais é extensa, mas a questão principal é o aquecimento global. Como as mudanças do clima estão relacionadas a todos as outras questões ambientais como a queima de florestas, a acidificação dos oceanos, derretimento do Ártico e tantos outros, ao atacar o problema você tem que mexer no pacote completo. Lidar com o clima é o maior desafio que a humanidade tem pela frente e talvez seja o maior desafio desde que ocupamos o planeta.
Época: E quais seriam os maiores desafios para o Brasil?
Fernando: O governo brasileiro tem uma compreensão muito limitada da gravidade das questões ambientais. Precisamos ser muito mais rigorosos com a preservação das florestas e no mínimo fazer valer o que está escrito no equivocado código florestal. Também precisamos de um programa para começarmos a replantar florestas para a recuperação de áreas degradadas e para repor o que foi derrubado ilegalmente. As queimadas na Amazonia colocam o Brasil em quinto lugar na lista dos países mais poluidores do mundo. Somos vilões do aquecimento global porque ainda temos este estranho hábito de tacar fogo em nossas florestas para substitui-las por pasto e chamar isso de desenvolvimento.
Época: Por que é tão difícil explicar para as pessoas a importância das mudanças climáticas? Onde estamos errando?
Fernando: Basicamente por não haver por trás da preservação do meio ambiente nenhum grande interesse econômico enquanto quem emite carbono não economiza verba de marketing para minimizar perante a sociedade a gravidade do que fazem. Por exemplo, no Brasil os ruralistas, através da sua CNA (Confederação Nacional da Agricultura), gastam milhões de reais todos os anos para nos convencer de que seria um luxo o agronegócio abrir mão de áreas de florestas para plantio pois tem a nobre missão de produzir alimento para o mundo. Dentro desta lógica o próximo passo deles é aprovar a PEC 215 agora em tramitação no congresso. Esta PEC no fundo visa transformar as florestas das reservas indígenas em plantações de soja e pasto. Embora o argumento de produção de alimento para o mundo seja uma tremenda falácia que não para em pé, tanto é investido neste discurso que acaba colando. A mesma coisa acontece em relação ao petróleo. Ao associar o pré-sal a educação o Estado comprou a consciência dos brasileiros que agora acreditam que a insensatez do projeto faça algum sentido para o país já que vai contribuir para a melhor formação dos alunos. Enquanto isso continuamos não investindo em energias limpas e ficando cada vez para trás na área de energia no mundo. Esse erro estratégico pode nos custar o futuro. Meu consolo é que vejo cada vez mais empresários grandes e sérios dispostos a comprar a briga do meio ambiente que o Estado não compra. Eles podem virar o jogo se empoderarem as pessoas certas.
Época: As chuvas e desabamentos de 2011 na região serrana do Rio foram a maior tragédia climática do país, com quase mil mortos.Cientistas associaram o evento extremo às mudanças climáticas.Falhamos em comunicar essa conexão ao público?
Fernando: As chuvas em 2011 foram pesadas, o que é um dos sintomas da mudança climática, mas a tragédia foi culpa das prefeituras locais que permitiram a ocupação de áreas que deveriam ser de proteção, como leito de rio e encostas.
Época: Por que os americanos associam as mudanças climáticas ao furacão Katrina e nós não as associamos aos nossos eventos extremos?
Fernando: Na verdade custou muito para os americanos fazerem esta associação e os republicanos cristãos ainda negam que exista aquecimento global e atribuem os desastres a vontade de Deus. A ignorância não é privilégio do Brasil. Creio que a seca do ano passado, principalmente em São Paulo, teve ao menos um lado bom que foi mostrar para a população que alguma coisa está de fato acontecendo com o clima a ponto de afetar o dia a dia de quem mora nas cidades. A conscientização em relação a questão está aumentando muito rapidamente. Em 4 ou 5 anos não dará mais para nos darmos ao luxo de ignorar os fatos que estão se antecipando a todas as projeções pessimistas feitas ha 10 anos atrás.
Época: Os brasileiros dizem que se orgulham de nossa riqueza natural, do verde de nossa bandeira. Mas são as mesmas pessoas que derrubam a Mata Atlântica, a Amazônia e o Cerrado, metro por metro, em seu loteamento. Por que o discurso não casa com a prática?
Fernando: Por ganância e estupidez. Esta é uma mistura explosiva.
Época: Nós, brasileiros, temos orgulho da nossa biodiversidade. Mas poucas pessoas conseguem citar cinco frutas da Mata Atlântica. Por quê?
Fernando: Verdade. Conhecemos as frutas da Amazônia, mas as frutas da Mata Atlântica raramente são exploradas comercialmente. Talvez isso aconteça por nunca terem recebido o desenvolvimento genético que faz com que outras frutas sejam mais aceitas pelo mercado. A goiaba, o caju e a jabuticaba acho que são as mais famosas, mas outras como cabeludinha, araçá, uvaia, cambucá, cambuci, tão boas, mas simplesmente não existem para o mercado. Ha uma marca de sorvetes chamada Sabor do Cerrado que começou a explorar frutas da Mata Atlântica também como cagaia, pitanga e muitas outras. É um começo. Um trabalho sério da Embrapa no desenvolvimento destas frutas seria muito bem vindo, quem sabe assim poderíamos ter de volta em São Paulo a enorme quantidade de pés de cambuci que chegaram a dar nome a um bairro da cidade mas acabaram sendo derrubados pela qualidade da sua madeira. Esta e muitas outras espécies poderiam ser replantadas se suas frutas pudessem ser comercializadas. Ao invés de cana poderíamos ter algumas agro-florestas produtivas espalhadas na região da mata atlântica.
Época: Como você explicaria para alguém que mora numa cidade, sem nenhum contato cotidiano com a natureza, o valor de áreas com floresta nativa bem preservada?
Fernando: Sou um dos produtores do filme A Lei da Água dirigido pelo André D’elia. Este filme dá voz a cientistas e fala justamente sobre a importância da preservação das florestas para o equilíbrio da vida e principalmente para a produção e preservação da qualidade da água. Poucos fazem a relação entre a falta de chuva no sudeste e a derrubada de floresta no norte do país, por exemplo. O filme, que pode ser assistido na web, ajuda a fazermos estas conexões. Falando em filme, no belo O Sal Da Terra, sobre o Sebastião Salgado, ha um depoimento do pai dele que é muito revelador. O pai conta que na fazenda onde morou a vida toda havia muitas nascentes, o pasto era bom, havia muita mata etc. Depois diz que cortou e vendeu toda a madeira da fazenda e foi assim conseguiu criar os filhos. No final da vida, em seu depoimento, lamenta que a fazenda hoje esteja seca e virado uma terra estéril e sinceramente não entende como isso pode ter acontecido. Conexões!
Época: Durante alguns anos, os conservacionistas usaram a imagem de algumas espécies empáticas como mico-leão ou onça pintada, para captar recursos e justificar a conservação de áreas naturais. Essa estratégia ainda funciona?
Fernando: Estes bichos são fofinhos e viraram embaixadores das 1.173 espécies oficialmente ameaçadas no Brasil. O ornitólogo Pedro Develey, no filme A Lei da Água, comenta que se alguém rasgasse a Mona Lisa isso estaria nas primeiras páginas dos jornais no mundo todo. Já quando uma espécie que demorou centenas de milhares de anos para se desenvolver desaparece, ninguém entende o tamanho da perda que isso representa. Parece que, apesar do problema ser grave, a estratégia do tipo “salve as baleias” ou “salve-o mico-leão” não funciona mais hoje em dia. Estas mensagens perderam o impacto ou a novidade pois nos acostumamos com a tragédia. Os ambientalistas, nos quais me incluo, precisam desesperadamente encontrar uma nova maneira de comunicar sua mensagem. O discurso apocalíptico que trombeteia o fim do mundo, embora em muitas casos seja verdade, não está mais colando. É preciso encontrar outro discurso. Minha aposta é que temos que transformar o pensamento no meio ambiente em algo “cool”, um clube de gente esperta do qual as pessoas queiram fazer parte.
Época: Você tem medo de ser tachado de ecochato em algum momento por vincular seu prestígio artístico à causa ambiental?
Fernando: Quando não sou ecochato, sou biodesagradável. O interesse ou preocupação com o tema já vem com o bullying no pacote. Faz parte. A boa notícia é que isso está mudando rapidamente. O clima era a principal preocupação para 6% dos ingleses em 2008, em 2013 ele já é a maior preocupação para 25%. Os números no Brasil são semelhantes. Na Suíça 36% da população acredita ser este o maio problema do mundo. O aquecimento global é de fato o único tema que consegue reunir líderes do mundo todo como acontecerá novamente em Paris no final deste ano. Não ha nenhum outro assunto que mobilize tanto o mundo como um todo. Já não dá mais para ficar dizendo que se preocupar com clima é coisa de chatos.
Postado por Daniela Kussama