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Despertar para o meio ambiente

Por Maria Lucia Gomes de Matos

“O profissional de comunicação precisa conhecer as causas e as conseqüências da crise ambiental sem precedentes em que estamos mergulhados neste início de século XXI, conhecer os diagnósticos baseados em indicadores científicos, e sinalizar rumo e perspectiva para a sociedade.” (André Trigueiro).

André Trigueiro é jornalista com pós graduação em Gestão Ambiental pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Está sempre atento e participante da temática ambiental. É consultor e articulista do site Ecopop, projeto da ONG Viva Rio. Repórter e apresentador do Jornal das 10 na Globo News , é também voluntário da rádio Viva Rio , onde apresenta o quadro “Conexão Verde”. Leciona no Departamento de Comunicação da PUC-Rio a matéria Jornalismo Ambiental. Autor de uma série de reportagens sobre a água, onde mostra as vantagens do reaproveitamento da água e o que está sendo feito para evitar o desperdício, que é um grande problema mundial. Trigueiro apresenta também o programa “Mundo Sustentável”, na rádio CBN.

Em outubro/2003, participando de um encontro em Porto Alegre , a convite do Núcleo de Ecojornalismo do Rio Grande do Sul, declarou que “o século XX nos deixou uma exploração sem precedentes dos recursos finitos do planeta”.

Suas respostas a esta entrevista demonstram seu permanente interesse e conhecimento sobre o meio ambiente:

Amai-vos: Qual o verdadeiro papel e a eficácia do jornalismo ambiental?

André Trigueiro: O Jornalismo Ambiental remete a uma abordagem holística dos assuntos do cotidiano, bastante sensível aos estragos causados por um modelo de desenvolvimento “ecologicamente predatório, socialmente perverso e socialmente injusto” , conforme aponta o Relatório Brasileiro para o Rio-92. É importante comunicar com clareza e objetividade o esgotamento de um modelo de civilização que depreda os recursos naturais não renováveis com o único objetivo de assegurar os meios de produção e de consumo. O Jornalismo Ambiental compreende a visão do universo como um sistema interligado, onde uma teia de fenômenos interdependentes indica que em tudo o que existe (nós, inclusive) encontramo-nos absolutamente conectados. O profissional de comunicação precisa conhecer as causas e as conseqüências da crise ambiental sem precedentes em que estamos mergulhados, neste início de século 21, conhecer os diagnósticos baseados em indicadores científicos, e sinalizar rumo e perspectiva para a sociedade. Vivemos, segundo vários analistas, um impasse civilizatório. É preciso corrigir o rumo, e a contribuição da mídia nesse sentido, é fundamental.

Amai-vos: Considera possível uma permanente vigilância da Amazônia Brasileira Ameaçada de destruição?

André Trigueiro: A questão amazônica prossegue sem solução devido a uma combinação de fatores: a cultura do enriquecimento rápido sem compromisso com a sustentabilidade (desflorestamento, garimpo, pecuária, etc.), a absoluta falta de estrutura, recursos humanos e materiais para implementar políticas sustentáveis numa área que corresponde à metade do território brasileiro, e os interesses de políticos e empresários inescrupulosos que atuam na região. O legado de Chico Mendes continua nos desafiando na sua premissa fundamental: é preciso disseminar o conceito de que é mais inteligente e lucrativo extrair a riqueza da floresta sem destruir a floresta. ou como os seringueiros do Acre costumam dizer, com a “floresta em pé” . Não se faz isso por decreto ou Medida Provisório. É uma questão acima de tudo cultural . Intensificar a vigilância, sem cuidar da educação ambiental , não resolve. Reforçar o policiamento, sem oferecer crédito e benefícios fiscais para projetos sustentáveis na floresta , é perder tempo e dinheiro.

Amai-vos: Qual a melhor maneira de conscientizar pessoas e empresas da importância de conhecer a Legislação Ambiental?

André Trigueiro: É preciso ser criativo em campanhas do gênero. O Brasil é reconhecidamente um país em que muitas leis simplesmente não pegam. Não basta saber que a lei existe. É preciso entender em que contexto ela foi criada, e que benefícios advém de sua aplicação. Imprimir cartilhas e distribuí-las é a coisa mais fácil do mundo. Difícil é fazer ler aquilo com interesse e modificar algo em seu comportamento a partir daquela experiência. Trata-se de um desafio de comunicação. Mais importante do que conhecer a legislação, é conhecer melhor o mundo em que se vive e perceber a necessidade de mudar hábitos e costumes que vão contra a qualidade de vida no planeta e do planeta.

Amai-vos: Há perigo das políticas de outros países interferirem na preservação do nosso meio ambiente?

André Trigueiro: Reza a doutrina militar que todas as guerras do mundo tiveram como pretexto basicamente duas causas: disputa de território e/ ou recursos naturais. O Brasil é um país continental, o único do mundo com 90 milhões de quilômetros quadrados de terras férteis ainda desocupadas, campeão mundial de água doce, biodiversidade e de florestas tropicais úmidas. Nosso berço esplêndido é a nossa glória , mas pode ser também a nossa ruína, principalmente se maltratarmos nossos recursos. Ainda que hoje seja difícil imaginar que a soberania do País esteja ameaçada por conta dessa riqueza inigualável, o futuro inspira cuidados.

Amai-vos: Interesses econômicos globais são responsáveis por tudo o desmando que existe na área do meio ambiente?

André Trigueiro: Os atuais meios de produção e de consumo respondem pela maior parte dos estragos ao meio ambiente. Esse modelo de desenvolvimento forjado na Revolução Industrial há quase 300 anos e que hoje , nas asas da globalização , dissemina padrões de consumo incompatíveis com a capacidade de suporte do planeta, é o grande vilão ambiental do século 21. Segundo a organização não governamental WWF , a capacidade do planeta suprir, na nossa sanha de produção e consumo, está defasada em 20%. Exaurimos os recursos naturais não renováveis para alimentar um sistema excludente e concentrador de renda. De acordo com o Banco Mundial, 1,1 bilhão de pessoas vivem com menos de 1 dólar por dia e quase 3 bilhões de pessoas vivem com menos de 2 dólares por dia. A globalização assimétrica, segundo o ex-presidente Fernando Henrique, privatiza os lucros e democratiza a pobreza. Ou se corrige o rumo, buscando o caminho da sustentabilidade, ou agravaremos irresponsavelmente o fosso que separa os poucos que se locupletam, na farra consumista dos que não conseguem metabolizar a quantidade mínima de quilocalorias necessárias à manutenção da saúde e da vida.

Amai-vos: Como vê algumas iniciativas de ONGs com relação ao meio ambiente?

André Trigueiro: De uma forma geral, é saudável que o chamado Terceiro Setor mobilize a sociedade para a luta em favor de causas justas e urgentes. Há sempre os oportunistas , os espertalhões, que usam o prestígio de certas bandeiras para alcançar objetivos pessoais, muitas vezes escusos. Mas é muito importante perceber como determinadas ONGs se estruturaram com quadros profissionais, técnicos gabaritados, no sentido de qualificar a ação e aumentar o poder de pressão, através de governo, mídia e sociedade. As ONGs tem ajudado governos e até as Nações Unidas a construir uma agenda global mais antenada com as demandas de nosso tempo. É difícil imaginar o que seria do mundo sem a sociedade civil organizada . Nesse sentido, as ONGs desempenham um papel estratégico. No Brasil, por exemplo, desde a gestão Sarney Filho à frente do Ministério do Meio Ambiente , as ONGs ambientalistas tem cedido um número cada vez maior de técnicos para a composição de cargos estratégicos dentro do Poder Executivo . Na gestão Marina Silva, essa “migração” do Terceiro Setor para o Poder Executivo se consolidou. Em resumo : a civilização moderna deve às organizações não governamentais parte expressiva das conquistas sociais e ambientais que os governos não tiveram competência ou interesse em promover.

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