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Como construir espaços públicos

 

Por Lincoln Paiva, presidente do Instituto Mobilidade Verde, professor da pós-graduação em transportes sustentáveis e mobilidade urbana na Universidade Federal do Paraná e colaborador do Mobilize Brasil. Artigo originalmente publicado na seção “Tendências e Debates” do jornal Folha de S. Paulo.

Fonte: Mobilize Brasil

 

Para Aristóteles, o lugar seria o limite que circunda o corpo. Já em Milton Santos, “os lugares se definem pela sua densidade informacional e por sua densidade comunicacional, cuja função os caracteriza e distingue. Essas qualidades se interpenetram mas não se confundem” (Santos, 1996: 145). De acordo com Tuan (1983), o lugar é caracterizado pela percepção, experiência e valores.

Enquanto o espaço pode se transformar num lugar, uma vez que a ele se atribuam valores e significados, o lugar precisa ser reconhecido por meio de experiências afetivas pelas quais uma pessoa constrói sua realidade. A palavra comum vem do latim “communis”, e significa algo geral, compartilhado por muitos, público. Convencionou-se chamar de comum tudo aquilo que é ordinário, deselegante e de pouco valor, e de lugar-comum tudo o que é sem criatividade e repleto de clichês.

 

No entanto, grupos de pessoas em várias regiões do mundo vêm subvertendo essa máxima e transformando espaços que não eram utilizados por ninguém em lugares comuns, ou seja, compartilhados, de todos. Descobriram o valor do lugar comum e sua importância na valorização da vizinhança, dos bairros e das cidades.

 

Desde abril de 2010, quando o Instituto Mobilidade Verde começou a estudar o tema “ocupação dos espaços públicos” pela comunidade, saímos em busca de respostas para as indagações: o que faz determinado espaço público ser mais ou menos utilizado pela população? A ocupação desses espaços implica um melhor lugar para viver? Por que os atuais espaços públicos estão vazios?

Nessa mesma época, havia diversas iniciativas de movimentos populares e coletivos ocorrendo em várias cidades do mundo, especialmente em São Francisco e em Nova York. No Brasil, essa ocupação se deu com o movimento Boa Praça, em São Paulo. Decidimos, então, visitar os amigos do High Line Park, em Nova York. Eles criaram um imenso parque, surgido graças à mobilização de um grupo de moradores locais para a revitalização de uma antiga linha férrea elevada, construída na década de 1930 e desativada nos anos 80. Desde então, o local sofreu um contínuo processo de degradação, que desvalorizava o bairro. A mobilização em torno da melhoria da qualidade de vida não apenas era possível como também desejada pela maioria das pessoas, e o resultado foi a construção do High Line Park, hoje considerado um novo cartão-postal da cidade.

Em São Francisco, líderes comunitários ocuparam espaços públicos e privados para a construção de hortas urbanas, praças de bolso (pocket park) e parklets (pequeno espaço temporário de convivência entre pessoas, com bancos, piso elevado e paisagismo montado na rua, no lugar do estacionamento de dois carros).

Quando trouxemos a ideia de montar um parklet na cidade de São Paulo, em 2012, o objetivo era testar a capacidade de os paulistanos discutirem o uso e a ocupação dos espaços públicos e a transformação de uma área reservada para carros em um lugar para as pessoas. Mas os gestores públicos de então, preocupados com o ano eleitoral, consideraram que o projeto desagradaria parte da população que usa carro todos os dias. Mudou-se a gestão e um conjunto de fatores favoráveis permitiu a implantação dos primeiros parklets na América do Sul, construídos em dois bairros da capital paulista.

Meses depois, após um extenso trabalho de pesquisa sociológica e comportamental com a comunidade, criamos um novo parklet. Desta vez numa das esquinas mais icônicas de São Paulo – a junção da rua Padre João Manuel com a avenida Paulista, ao lado do Conjunto Nacional. Seguimos pesquisando o comportamento da comunidade no entorno desse novo espaço público.

Com base nas avaliações, aprendemos que, quando um espaço proporciona uma variedade de coisas para fazer e atende especialmente à necessidade da comunidade, a ocupação se dá com maior naturalidade –e que, quando um espaço torna-se maior do que a soma das suas partes, ele se transforma num lugar. Geralmente, as pessoas descrevem um lugar de que gostam como “seguro”, “agradável” e “charmoso”. São valores intangíveis, mas quando o espaço público possui essas qualidades e a comunidade consegue “experienciá-las” com outras pessoas a ponto de fazer do lugar parte da vida diária, é possível dizer que um excelente lugar comum foi criado.

 

 

Postado por Daniela Kussama

 

 

 

 

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