As obrigações do jornalismo ambiental

Por Luiz Egypto

Há muito o jornalista André Trigueiro dedica-se à pauta socioambiental. Apresentador do Jornal das Dez, da Globo News, Trigueiro roteirizou e apresentou na emissora vários especiais sobre sua temática preferida. Mantém na Rádio CBN um programa com o mesmo título do livro que agora está lançando, Mundo sustentável, e escreve regulamente sobre o assunto. O volume traz textos inéditos reunidos a uma seleção de matérias suas veiculadas na TV, no rádio, no jornal O Globo e no site Ecopop.

De acordo com o material de divulgação, “o livro apresenta soluções para vivermos num mundo auto-sustentável, procurando despertar a sociedade para a importância do debate de questões que estão intrinsecamente relacionadas ao modelo socioeconômico em que estamos imersos”. Aí está, como diria um contemporâneo de Machado de Assis, o busílis do problema. Como garantir uma gestão ambientalmente responsável dos recursos naturais, em nome das gerações futuras, quando se adota um modelo de desenvolvimento cujo veloz pressuposto é, foi e tem sido o uso deletério desses mesmos recursos?

A situação é delicada e dramáticas são as perspectivas para um futuro próximo, em se mantendo esse ritmo de degradação. Em seu livro, Trigueiro ataca essa e outras questões optando por juntar alternativas factíveis e relatos de idéias bem-sucedidas aos diagnósticos e constatações quase sempre sombrios. O autor está convencido da relevância do papel que a mídia pode e deve desempenhar na superação desses desafios, e preocupa-se sobremodo com a formação dos jornalistas da área ambiental. Trigueiro é pós-graduado em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ, foi criador e professor do curso de Jornalismo Ambiental na PUC-RJ.

Impresso em papel reciclado, 100% dos direitos autorais de Mundo sustentável – Abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação irão para o CVV (Centro de Valorização da Vida), entidade que desde 1962 presta serviço gratuito, 24 horas por dia, de apoio emocional e prevenção do suicídio.

A seguir, a entrevista de André Trigueiro a este Observatório. Na seqüência, o prefácio assinado por Washington Novaes e três depoimentos sobre seu trabalho.

Um dos temas críticos do debate ambiental é a questão da água. O primeiro alerta sistemático e de alcance global sobre quadro dramático que hoje se desenha foi dado na Rio 92, a Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento, 14 anos atrás. Ou seja: faz 14 anos que esta questão está posta e só há pouco ganhou espaço relevante na mídia. Por que a mídia não se preocupou com o tema no devido tempo? Se o tivesse feito, a situação hoje poderia ser menos grave?

André Trigueiro – A sensibilidade da mídia para os assuntos ambientais é invariavelmente determinada por circunstâncias trágicas. Vazamentos de óleo, enchentes, estiagem, queimadas, furacões e terremotos merecem lugar de destaque no noticiário, o que é correto. Mas ainda nos falta, enquanto profissionais de comunicação, perceber a urgência de abrir espaço na mídia para novas pautas que cumpram dois objetivos distintos: explicar com clareza e objetividade os desafios que temos pela frente em relação ao aquecimento global, escassez de recursos hídricos, desertificação do solo, destruição voraz da biodiversidade, multiplicação do volume de lixo, consumismo desenfreado e compulsivo, desertificação do solo, transgenia irresponsável (entre outros assuntos um tanto ausentes no noticiário); e sinalizar rumo e perspectiva para a sociedade dando visibilidade a inúmeros exemplos de que é possível viver em um mundo sustentável, ou seja, construir um projeto de desenvolvimento que gere riqueza sem destruir o meio ambiente. A cobertura dos assuntos referentes à escassez de água doce e limpa se enquadra, a meu ver, nesse diagnóstico. Enquanto não tivermos um apagão hídrico, ou enquanto o custo real do tratamento da água não for repassado aos consumidores, é possível que o tema não seja entendido como prioritário na imprensa. Mas é bom lembrar que de acordo com a ONU, mais de 1 bilhão e 200 milhões de pessoas no mundo não têm acesso regular a água potável. Essa é uma bomba-relógio prestes a explodir já que alguns especialistas advertem que a tendência é o problema se agravar, com graves reflexos sobre a área de saúde pública, em função das doenças de veiculação hídrica. Mas há um processo de mudança em curso: desde 2003 (Ano Internacional da Água Doce, segundo a ONU), o espaço na mídia para esse assunto vem aumentando. Nos Estados Unidos, por exemplo, já há editorias especializadas em água em algumas redações. É um bom sinal.

A mídia brasileira está preparada para cobrir a área ambiental? Na leituras que você faz do jornalismo local, o que há de mistificação, de desinformação e de efetivo interesse público?

A. T. – Defendo a tese de que os jornalistas, ainda nos cursos de comunicação, tenham acesso à informação qualificada sobre temas ambientais. Quem sai da faculdade sem um pacote mínimo de informações nesse sentido não poderá cumprir adequadamente a sua função social. Entendo que ainda há muito a fazer, mas é preciso reconhecer que estamos hoje em melhor situação do que num passado não muito distante. Em muitos veículos de comunicação, meio ambiente já não é entendido como tabu e a demanda de informação nessa área só faz crescer. Penso que este é um mercado em expansão e que será cada vez mais valorizado. Sinceramente, creio que boa parte de nós jornalistas ainda somos analfabetos ambientais. Desconhecemos as leis que regem a vida e o universo. Quando nos aventuramos a falar de aquecimento global – o mais grave problema ambiental do século 21 – confundimos com o buraco na camada de ozônio. Vemos o lixo apenas como problema, e não percebemos os resíduos como excelente fonte de matéria-prima e energia. Não avaliamos ainda com o devido discernimento os graves impactos causados pelos atuais meios de produção e de consumo. Vivemos encapsulados em cidades onde os efeitos de nosso estilo de vida passam despercebidos. O lixo e o esgoto são levados para longe. Nos acostumamos com a poluição do ar e a perda progressiva de áreas verdes. Os rios limpos sumiram e nós vamos levando… O fato é que nós “normatizamos” o que não deveria ser considerado normal. Perdemos o contato com o mundo natural, e artificializamos nossas relações com o meio que nos cerca. No livro Meio Ambiente no Século 21, relançado agora pela Editora Autores Associados, escrevi um capítulo chamado “Meio ambiente na Idade Mídia”, no qual reproduzo a seguinte declaração do jornalista Washington Novaes, um dos veteranos na área ambiental: “Acho que a questão ambiental é ameaçadora para os jornalistas que têm uma vida pessoal muito pouco adequada em termos ambientais”. Concordo com ele. Não podemos atribuir valor àquilo que não conhecemos ou não sentimos.

Em que medida a mídia pode estimular políticas públicas ambientalmente responsáveis? A pauta que temos hoje é capaz de cumprir essa tarefa?

A. T. – Estamos progredindo. O governo do estado e a prefeitura de São Paulo decidiram recentemente regulamentar a compra de madeira certificada para evitar o incremento do comércio de madeira clandestina da Amazônia e o desmatamento da região. Me parece que essa decisão – muito importante pelo poder de compra do maior estado e do maior município do país em termos de PIB – veio a reboque de uma avalanche de reportagens e denúncias de ONGs mostrando que a maior parte da madeira retirada ilegalmente da Amazônia era consumida em São Paulo. Outro exemplo interessante vem da maior empresa do Brasil. A Petrobras promoveu uma verdadeira revolução nos procedimentos internos de segurança e meio ambiente após os vazamentos de óleo que atingiram a Baía de Guanabara e o Rio Paraná, em 2001, e que foram duramente criticados pela imprensa. A mudança do estatuto, definindo que a Petrobras deixaria de ser uma companhia de petróleo para ser uma empresa de energia, e a destinação de 0,5% do orçamento anual para investimentos em energias renováveis, foram decisões tomadas nesse período, em meio às pressões da sociedade e do bombardeio da imprensa. Tenho a certeza que a mídia deu a sua contribuição nesse processo.

Que recomendações você faz no capítulo em que discute o papel do profissional de imprensa no debate ambiental?

A. T. – Assim como não somos imparciais com a corrupção ou com a escravidão, não devemos ser imparciais em relação ao que não é sustentável. Entendo que os jornalistas têm uma contribuição importantíssima a dar neste momento. Se é verdade que experimentamos na atualidade uma crise ambiental sem precedentes na história, causada por um modelo de desenvolvimento “ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto” – e estou convencido de que isso seja absolutamente verdadeiro – é enorme a responsabilidade dos profissionais de imprensa no sentido de denunciar o que degrada a vida e agrava o desequilíbrio sócio-ambiental. Mas não é só isso. Precisamos dar espaço para quem já está fazendo a diferença na direção da sustentabilidade. Disponibilizar informações relevantes que ajudem a consolidar uma nova cultura, uma nova visão de mundo, uma nova ética existencial. Ser jornalista num país como o Brasil implica uma responsabilidade ainda maior: vivemos no país campeão mundial de água doce, de biodiversidade e de florestas tropicais úmidas. Num cenário de escassez de recursos naturais não-renováveis, esse patrimônio precisa ser entendido como riqueza, ainda que os indicadores convencionais que medem a riqueza de um país – o PIB, por exemplo – desprezem esse recursos e o uso que se faz deles. A mídia pode contribuir para determinar mudanças importantes de consciência que se traduzam em novas políticas públicas de desenvolvimento, novos paradigmas de gestão empresarial, e um novo conceito de cidadania, mais amplo e abrangente – a cidadania ecológica planetária.