Por Adamo Bazani, jornalista da Rádio CBN, especializado em transportes.
Fonte: ANTP
Depois que “descobriram” o tal IPK – Índice de Passageiro por Quilômetro, uma média entre o que o veículo de transporte coletivo trafega e a demanda atendida neste espaço, há muito tempo a lotação virou obsessão de muitos operadores de serviços de mobilidade urbana.
A realidade muda com o tempo e esse conceito precisa ser reavaliado por muitas empresas, o que já está acontecendo, mas não na totalidade dos operadores.
É claro que ônibus ou trem (seja do metrô ou suburbano) andando vazio vai dar prejuízo. Passageiros serem transportados em pé não é também o grande problema em relação à mobilidade urbana. Mas veículos abarrotados com usuários se degladiando por um espaço é uma cena comum ainda nos transportes urbanos e metropolitanos que precisa ser mudada.
O que ocorre é que ainda alguns operadores não deram conta na prática que a ineficiência e o excesso de lotação são tão prejudiciais do ponto de vista financeiro e de satisfação do passageiro, quanto circular sem a ocupação máxima do veículo de transporte coletivo, seja sobre pneus ou sobre trilhos. O problema é que este custo da ineficiência não é sentido de imediato como a baixa demanda, mas quando finalmente é percebido, o serviço está deteriorado e pouco interessante para manter os atuais passageiros e atrair novos, o que deveria ser meta em toda a operação e gestão de mobilidade urbana.
Partindo de premissas básicas das próprias empresas de transporte, a começar pelo tempo gasto parado. Em operação, numa linha, ônibus e trem parado é despesa. E quanto a lotação for maior que o máximo aceitável, menor vai ser a velocidade média do serviço de transporte.
Os passageiros vão ter mais dificuldades para embarcar e desembarcar e os veículos vão ficar mais tempo parados nos pontos, estações ou terminais.
E como empresário gosta (e deve) calcular até os centavos, é tempo gastando óleo diesel, energia elétrica, peças, lubrificantes, horas trabalhadas dos funcionários sem produzir nada.
Soma-se a isso o maior risco real de avarias por causa da insatisfação dos passageiros e pela simples lei da física de que dois ou mais corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. As portas, seja de carros-vagões ou de ônibus, são as primeiras a sentir, por exemplo. Balaústres de apoio, bancos, alavancas de saída de emergência, janelas também são comumente danificadas em linhas que andam com lotação acima do normal.
Além disso, o empresário ou gestor público estão entendo, mas tardiamente ainda, que transporte público é um negócio que mudou. Antes era conseguir a concessão ou permissão e pronto, era certeza de freguesia certa.
Hoje a concorrência é maior. Qualquer pessoa, mesmo com renda mais baixa, pode optar pelo transporte particular, comprando uma moto ou um carro.
Isso sem contar que, quando há opção, o passageiro prefere andar algumas quadras a pé para pegar o ônibus ou ramal de trem e metrô com melhor serviço.
Tudo isso, que resulta em perdas de passageiros, pode criar um círculo vicioso se o operador de transporte coletivo não tiver visão de mercado e persistir no mesmo erro. Se a demanda pela falta de qualidade cai e o empresário entender que a solução é só diminuir os veículos na linha, o problema continua e mais pessoas vão continuar deixando o transporte público até a linha ficar morta do ponto de vista financeiro. Aí ele vai ver o que é prejuízo.
Mas como transporte é de responsabilidade de todos, afinal é uma engrenagem que move as cidades, o poder público tem muita participação nesta realidade.
Primeiro porque não investe de forma necessária e inteligente na prioridade que o transporte público precisa ter no espaço urbano, ainda na maior parte das cidades. Não é nada rara a cena que irrita os passageiros: entrar em um ônibus apinhado de gente, ir praticamente esmagado, e olhar pela janela e ver que logo atrás está se aproximando um ônibus da mesma linha vazio. Nem sempre dá para confiar e deixar o lotado passar.
O empresário de ônibus anda com um veículo cheio “perseguido” por um vazio porque quer? Claro que não. Ocorre que, sem nenhuma prioridade, os ônibus ficam presos no mesmo trânsito que os demais veículos que juntos ocupam muito mais espaço público e transportam muito menos pessoas.
Assim, soluções como faixas de ônibus e corredores devem estar nos planos de mobilidade até mesmo das cidades menores.
Outra questão importante é a forma de concessão dos serviços de transporte público. A remuneração apenas por passageiro transportado “tenta” o empresário mais conservador ou com pouca visão continuar entendendo que quanto mais lotado o ônibus ou carro-vagão andar, maior será o lucro.
Especialistas em transportes dizem que uma fórmula que mescle remuneração por passageiro transportado, quilômetro rodado (viagens realizadas) e indicadores de qualidade trazem os resultados mais interessantes para empresário, poder público e, principalmente para os passageiros.
A população também pode contribuir. Vandalismo tira ônibus e trem de circulação e isso é um grande problema que interfere na qualidade dos serviços e na lotação.
Há empresas que precisam encostar por dia até 10% de sua frota de trens ou ônibus para consertar avarias. Esses 10% poderiam ser cobertos por uma frota reserva. Mas se a frota reserva quebra ou também é danificada, a população fica sem transporte.
Isso sem contar que as autoridades precisam de fato colocar em prática leis que punam severamente os criminosos (que não podem ser tratados como simples vândalos) que queimam ônibus. Aliás, punir quem queima e quem manda queimar também, muitas vezes chefes de pontos de tráfico de drogas ou mesmo do crime organizado.
O LUCRO NO TRANSPORTE:
Outro ponto importante é entender o que é lucro no transporte!
Não é apenas o retorno para o operador de trem, metrô ou ônibus, mas é o ganho social e econômico que a população tem e até mesmo os ganhos políticos dos quais o gestor público pode se beneficiar. E isso só vem por bons serviços. Transporte de qualidade traz lucro para todos.
Vamos refletir!
Postado por Daniela Kussama