Por Sérgio Abranches, PhD, sociólogo, cientista político, analista político e escritor. Escreve sobre Ecopolítica. É comentarista da rádio CBN, onde mantém o boletim diário Ecopolítica. Autor de Copenhague: Antes e Depois, Civilização Brasileira, 2010, sobre a política global do clima; e de O Pelo Negro do Medo, romance, Record, 2012. Prêmio Jornalistas&Cia HSBC de Imprensa e Sustentabilidade: Personalidade do Ano em Sustentabilidade 2011. Prêmio Chico Mendes de Jornalismo Socioambiental 2013 (rádio).
Fonte: Ecopolítica
No dia 1o de janeiro de 2014 Bill De Blasio, nascido Warren Wilhelm De Blasio Jr., foi empossado prefeito de Nova York. É a primeira vez em 20 anos, desde a posse do Republicano Rudolf Giuliani em 1o de janeiro de 1994, que um Democrata governa a icônica cidade da costa Leste dos Estados Unidos. Ele substitui o bem sucedido Michael Bloomberg, que deixa o governo da cidade após três mandatos consecutivos. Bloomberg entrou Republicano e saiu Independente. Foram 12 anos controvertidos, mas ele deixa uma cidade mais segura, mais limpa, mais rica, mais bem administrada, mais sustentável e mais confortável. Bloomberg tomou posse pouco mais de três meses após a tragédia de 9/11, encontrando a cidade ainda ferida, intoxicada e revoltada. Governou a reconstrução. Pesou a mão na segurança e, mesmo passados muitos anos após os ataques, sua polícia continuou truculenta e acusada de adotar práticas que apontam para o foco em perfis raciais (racial profiling). A desigualdade e os preços aumentaram.
De Blasio foi eleito prometendo acabar com o fosso social que divide as “duas Nova Yorks”, a dos ricos e a dos pobres, e eliminar a truculência e o viés racial da polícia. Mas terá que saber fazer isso mantendo as conquistas de seu antecessor. A mudança no viés da ação policial não pode permitir o retorno da violência e da criminalidade às ruas da cidade. A busca de maior equidade e programas mais redistributivos, deve ser capaz de manter os ganhos de limpeza, sustentabilidade, gestão, mobilidade e conforto urbano. Se nas políticas sociais e de segurança, a administração de Bloomberg foi discutível, nas políticas para mudança climática, qualidade do ar e mobilidade sustentável, a aprovação de sua gestão foi praticamente unânime. Nova York é, hoje, exemplar, com uma das mais seguras ciclovias de grandes cidades do mundo circundando toda a região de Manhattan, telhados verdes e brancos, hortas orgânicas urbanas, aumento da cobertura vegetal, espaços conquistados para os cidadãos aos carros, caminhões e ônibus.
O novo prefeito, tem modesta carreira na gestão pública. Foi assessor do último prefeito Democrata de Nova York, David Dinkins, primeiro e único afro-americano a governar a cidade, no período 1990-1994. Entre 1997 e 1999, foi diretor regional do Departamento de Habitação e Desenvolvimento Urbano (HUD) do governo Clinton. Em 1999, foi eleito para o Conselho do Comitê Comunitário de Educação (Community School Board ) de Nova York. Foi o gerente da campanha de Hillary Clinton para o Senado, em 2000. Em 2001, foi eleito conselheiro municipal, com 71% dos votos, pelo distrito do Brooklyn, o 39o, sendo reeleito em 2003, com 72% dos votos e, em 2005, com 83% dos votos. Em 2009, venceu disputadíssima eleição, desde as primárias, para “Public Advocate” de Nova York, que corresponde ao cargo de Ombudsman, elegendo-se com 78% dos votos. Esse desempenho como campeão de votos repetiu-se, no ano passado, quando foi eleito prefeito com 73% dos votos. Ele tem intimidade com a política, mas não com a administração de uma cidade tão complexa. Conhece muito bem, todavia, a agenda de políticas públicas da cidade. Conta com o apoio da população e do Conselho Municipal, no qual Bloomberg sempre enfrentou forte oposição. Tem, portanto, condições políticas para manter a agenda positiva do antecessor e enriquece-la com sua agenda social. No plano administrativo, está enfrentando sua própria falta de experiência, nomeando, até agora, gestores experientes, das administrações Obama, Koch (ex-prefeito Democrata de NYC), Giuliani e do próprio Bloomberg.
Para o estratégico cargo de secretária de Transportes, ocupado com enorme sucesso por Janette Sadik-Khan, cujos passos iniciais criando ruas sustentáveis na caótica Nova York acompanhei, nomeou Polly Trottenberg. Trottenberg não é novata na área. Tem experiência como formuladora de políticas públicas na área federal, na qual começou trabalhando com o famoso senador Daniel Patrick Moynihan na redação da “Lei Federal de Transportes”. Foi pinçada por De Blasio do cargo de sub-secretária do Departamento de Transportes dos Estados Unidos (DOT) do governo Obama. De Blasio está falando em criar um “momento transformador” para tornar Nova York a cidade mais sustentável do mundo. E acredita que a busca da sustentabilidade pode criar empregos, melhorando a saúde pública e o ambiente, poupando gastos à prefeitura e oferecendo maior eficiência aos contribuintes. Ele pretende usar como plataforma para um novo salto em sustentabilidade a infraestrutura pública que já é muito significativa, e boa parte dela ficou muito mais sustentável com Bloomberg; um sistema muito robusto de transportes de massa; padrões testados de vida urbana com alta densidade; e a capacidade para a inovação instalada na cidadeEle disse, em várias ocasiões, que pretende expandir as ciclovias para toda a cidade. Elas hoje só atendem completamente a ilha de Manhattan. Também afirmou que vai aumentar a segurança do tráfico, como parte do programa de redução de acidentes de trânsito que foi uma das estrelas de sua campanha, perdendo apenas para a luta contra a pobreza e a desigualdade.
De Blasio criticou muito o programa de Sadik-Khan, quando era ombudsman e um de seus financiadores foi o sócio principal do grande escritório de advocacia que comandou processo judicial para um grupo de moradores ricos pela remoção da ciclovia de Prospect Park West. Janette Sadik-Kahn ganhou a causa e a ciclovia foi mantida. Mas De Blasio, no debate de campanha sobre sustentabilidade, disse que sua posição anterior estava errada e que as ciclovias seguras “funcionam”. Ele reconheceu que o uso de bicicletas na cidade aumentou em 60% desde 2008. Um sucesso, segundo ele, hoje copiado em Washington, São Francisco e numerosas outras cidades importantes em todo o país. De Blasio tem noção da importância social dos transportes urbanos. Em entrevista pouco antes de ser eleito, perguntado se considerava os transportes um dos instrumentos que usaria para combater a desigualdade, ele respondeu que os transportes urbanos determinam “oportunidade, condições de vida e clima de negócios”. Disse, também, que a falta de transportes entre condados significa redução de oportunidades para muitas pessoas. Poucos duvidam que De Blasio vá tornar as ruas de Nova York mais equitativas, criando condições de maior igualdade de mobilidade por classes de renda. A questão é se, ao fazer isto, manterá o conceito mais sustentável e progressista de “ruas completas”, adotado por Janette Sadik-Kahn, a quem ele já chamou de “radical”. Esse conceito de ruas completas e cidades sustentáveis está se espalhando pelas administrações municipais nos Estados Unidos, no Canadá e na Europa e chegando às diretrizes nacionais de política urbana em numerosos países.
De Blasio disse que pretende atingir a meta de “lixo zero” em Nova York, inspirando-se no programa em andamento em São Francisco e que tem sido bem sucedido. São Francisco já recicla 80% de seu lixo. Nova York, recicla apenas 15%. Há programas de “lixo zero” em implementação em Seattle, Oakland e nos estados da Califórnia, Oregon e Minnesota. De acordo com o programa de De Blasio, essa meta deve reduzir bastante o gasto de US$ 320 milhões anuais para manutenção de aterros sanitários e a conta de combustíveis para permitir que os caminhões de lixo rodem quase 65 milhões de quilômetros por ano para levar lixo até os aterros. Ele também promete ampliar o programa municipal de compostagem, para levá-lo aos níveis dos de Portland, São Francisco e Seattle, os maiores do país.
Alguns grupos de ambientalistas e analistas de políticas de sustentabilidade urbana, acreditam que o caminho dado a Nova York por Bloomberg é irreversível, De Blasio pode mantê-lo e ampliá-lo, mas não pode abandona-lo. O blog do programade “compartilhamento de carros” de Brooklyn, Carpingo, que advoga políticas de sustentabilidade urbana e cidades de baixo carbono, fez um sumário das expectativas em relação a De Blasio. Como outros analistas, acreditam que ele só tem a opção de seguir em frente. Diz o blog que ele deve apoiar o PlaNYC, o plano de sustentabilidade que Bloomberg adotou em 2007, após o anúncio de que a cidade ganharia mais um milhão de habitantes até 2030. O plano já foi responsável por muitas mudanças positivas na cidade, buscando prepara-la para o que será em 2030. A expectativa é que De Blasio, com sua experiência política, consiga fazer uma aliança público-privada para realizar o cenário de uma Nova York sustentável até lá e com capacidade de sustentar mais um milhão de pessoas com qualidade de vida. O blog espera, também, que De Blasio apóie e aumente o investimento em energia renovável de larga escala e na remodelagem dos prédios para aumentar sua eficiência no uso de recursos críticos, como energia e água, e redução de resíduos. O prefeito recém-empossado disse fará isso e criará incentivos para que as pequenas empresas também remodelem suas sedes com esse objetivo. Espera, também, que mantenha a interdição da exploração de gás de folhelho por fracionamento hidráulico (fracking).
Mas há muito ceticismo sobre as convicções do prefeito relativas à sustentabilidade e mudança climática. Mesmo na área social, há dúvida sobre se ele é um populista ou um progressista com orientação social-democrática. Além disso, há muitas dúvidas sobre como ele financiará seus programas redistributivos. É esperar para ver.
Seu primeiro desafio talvez não seja nem igualdade, nem sustentabilidade, mas mobilizar a administração e comanda ações preventivas e de remediação, para enfrentar a grande tempestade de neve que, como previsto, chegou a Nova York nesta sexta-feira, 3 de janeiro.
Postado por Daniela Kussama