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Dinheiro não compra felicidade

 

Por Bruno Calixto

Fonte: Blog do Planeta

 

Parintins, cidade do Amazonas conhecida pela Festa do Boi com os grupos Caprichoso e Garantido, não se destaca pela riqueza. Seu PIB per capita, índice mundialmente difundido para expressar prosperidade, é apenas o 3.803o entre 5.570 municípios brasileiros. Mas a escassez de recursos contrasta com o bom ambiente social da cidade, perceptível na conversa com moradores como a artesã Kátia da Silva Brito. Há 17 anos, ela produz artesanato para vender a turistas. Na última década, fez cursos de capacitação e fechou uma parceria com a Coca-Cola, que patrocina o festival. Com o artesanato, Kátia e o marido mantêm uma filha na universidade e outros dois em cursos técnicos. O bem-estar de Kátia é fruto de seu trabalho e de um cenário propício. Quantificar essa qualidade de vida desafia economistas. Como registrar o bem-estar de uma cidade com parâmetros precisos, comparáveis aos de outros lugares e outros momentos?

Para tentar responder a essa questão, no ano passado o economista Michael Porter, professor da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, desenvolveu o Índice de Progresso Social (IPS). No ranking de IPS, a Costa Rica (12a melhor) saiu-se bem melhor que a África do Sul (39a colocada), apesar de terem PIB semelhante. O IPS é um índice similar ao IDH, que mede o desenvolvimento humano. Com uma diferença crucial. Ele não inclui variáveis econômicas. Faz parte da incursão recente de Porter, o maior guru mundial de estratégia empresarial,  na área da sustentabilidade.

Para testar a capacidade de sua nova metodologia ao comparar municípios, Porter escolheu a Amazônia brasileira. Fez uma parceria com Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), do Pará. “O PIB é uma medida importante de riqueza, mas não avalia qualidade de vida. Harvard desenvolveu um método para avaliar as cidades em questões sociais e ambientais”, afirma o pesquisador Adalberto Veríssimo, do Imazon.

Os melhores da Amazônia  (Foto: Reprodução)

O desempenho da Amazônia está abaixo da média do Brasil em quase todos os componentes do índice, como saneamento básico, moradia digna ou acesso ao ensino superior. Apenas 12 municípios amazônicos aparecem no ranking com nota acima da média nacional. O campeão, Palmas, capital do Tocantins, tem algumas peculiaridades. Para começar, está no pedaço da Amazônia que pertence aos domínios do Cerrado, não da Floresta Tropical. As cidades com melhor IPS da Amazônia se distinguem por ser mais tradicionais ou antigas (para os padrões da região) e por ter a economia mais consolidada. Na outra ponta da tabela, não há novidades. Áreas como a região da Terra do Meio, no Pará, e o interior do Maranhão estão entre as cidades de menor progresso social do país. A pior colocada é Jordão, no Acre. Pouco acima está Anapu, no Pará, onde a missionária americana Dorothy Stang foi assassinada, em 2005.

Dinheiro não é tudo  (Foto: Reprodução)

Aplicar o IPS à Amazônia é importante para conhecer o Brasil e para entender limitações e qualidades do índice, numa área onde riqueza e qualidade de vida estão frequentemente dissociadas. Investimentos em grandes obras públicas, como rodovias e hidrelétricas, atendem mais a outras regiões do país e, com frequência, impõem transtornos aos moradores locais. Atividades econômicas como a pecuária, com mão de obra pouco qualificada, geram riqueza – registrada no PIB da cidade –, sem necessariamente melhorar o padrão social. O estudo identifica municípios com mesmo nível de riqueza e progresso social distinto. “O levantamento mostra que alguns conseguem mais com menos”, diz Veríssimo.

Qual o segredo dos municípios mais eficientes? O exemplo de Parintins traz algumas pistas. A cidade é a 75a melhor em bem-estar na Amazônia, apesar de ser apenas a 396a mais rica. O IPS de Parintins é apenas ligeiramente menor que da capital, Manaus, cujo PIB per capita é o quádruplo. O estudo mostra que Parintins tem índices relativamente altos em vários aspectos, como educação básica e superior, sustentabilidade e saúde. O trunfo da cidade é seu principal “produto de exportação”: a Festa do Boi.

Na última semana de junho, os bois Caprichoso e Garantido competem num festival folclórico que atrai até 70 mil turistas, número considerável para uma cidade de 100 mil habitantes. “O festival atrai a atenção”, diz David Xavier da Silva, diretor-geral do campus de Parintins da Universidade Estadual do Amazonas (UEA). O fluxo de turistas gera empregos no setor de serviços, com boa remuneração para os padrões da região. Preparar alegorias e fantasias para o festival dá emprego a costureiras e carpinteiros. A riqueza do município, embora pouca, é bem distribuída. O festival do Boi representa, para Parintins, o que a Copa do Mundo representou para as cidades sedes, guardadas as devidas proporções.

A perspectiva de receber turistas estimula o Estado a asfaltar ruas e a fazer obras para evitar as enchentes causadas pelo Rio Amazonas. Como a maioria das cidades da Amazônia, Parintins tem problemas na área de saneamento básico. Mas quem passeia pelo centro não vê esgoto atravessando as ruas, um possível foco de problemas para o turismo. O Bumbódromo, estádio onde acontece a festa, foi reformado. Para dar utilidade ao edifício fora da época das festividades, foi criado um Liceu de Artes, que atende mais de 4 mil alunos. Segundo o secretário de Cultura do Amazonas, Robério Braga, os investimentos beneficiam a cidade e municípios próximos. “Parintins tem, tradicionalmente, vocação para as artes e cultura”, diz. “É um polo regional.”

Parintins é a segunda cidade no Estado do Amazonas com mais campi universitários. Perde apenas para a capital, Manaus. Tito Menezes, um índio sateré-maué de 24 anos, cursa sua terceira faculdade. Ele é formado em história, em pedagogia intercultural – um curso que o permite dar aulas nas aldeias indígenas – e está próximo de concluir o curso de Direito. Seu objetivo é usar sua formação para resgatar a história dos saterés-maués e investigar as invasões nas terras de seu povo. “Educação em Parintins é um instrumento para transformar a realidade”, diz.

Parintins não está sozinha. Outras cidades da Amazônia mostram desempenho social alto com renda menor. Paragominas e Santarém, no Pará, são bons exemplos. Próxima de Parintins, Santarém exibe índices acima da média da Amazônia em educação superior e abastecimento de água. A cidade terá o desafio de acolher a estrada BR-163, em conclusão, e terminais portuários. As obras têm potencial para estimular a economia local, mas põem alguns ganhos ambientais em risco. “São indutores de mudanças boas e ruins. Podem melhorar a economia, mas aumentar desmatamento e violência”, afirma Podalyro Neto, secretário de Meio Ambiente de Santarém. “Acompanhamos para garantir que a melhora na infraestrutura, que certamente fará bem à economia, não traga alto impacto social.”

O município de Novo Progresso, no interior do Pará, aparentemente não faz jus ao nome. A cidade foi fundada na década de 1980, quando o governo começou a construir a BR-163. As dezenas de madeireiras da região puseram Novo Progresso na lista das cidades que mais desmatam a Amazônia. A mineração e a pecuária também são atividades fortes no município. Essas atividades fizeram com que Novo Progresso se tornasse a segunda mais rica do Pará em renda per capita, atrás apenas da capital, Belém. A riqueza, no entanto, não se traduz em progresso social, segundo o Imazon. No IPS, Novo Progresso aparece na parte de baixo da tabela: 644o lugar, entre 772 municípios. A renda de Novo Progresso não foi suficiente para melhorar os índices do município, especialmente nos setores de saneamento básico, acesso à comunicação e educação superior. Procurada por ÉPOCA, a prefeitura de Novo Progresso não respondeu até o fechamento desta edição.Um dos pontos a que o estudo do Imazon procurou responder é se desmatar melhora a qualidade de vida dos cidadãos. A ideia de que é preciso derrubar a mata para trazer o progresso para a região ainda é muito forte na Amazônia – e no resto do Brasil. Muitos municípios buscam ampliar a produção de grãos ou pecuária, mesmo que isso signifique destruir a floresta. A tese oposta também existe: afirma que apenas com a floresta em pé se pode ter progresso social. O estudo testou essas teorias. Os resultados foram inconclusivos. “Não dá para dizer que o desmatamento compensa ou que cidades melhoraram porque tiraram a floresta da frente. A associação entre desmatamento e melhora de qualidade de vida é muito fraca”, diz Adalberto Veríssimo. Segundo ele, há casos de municípios que desmataram e melhoraram socialmente, e outros que pioraram, assim como há casos de cidades que conservaram e estão com índice baixo, e outras que conservaram e aumentaram o progresso social.

O relatório do Imazon é um retrato de como a Amazônia está hoje. Essa fotografia, infelizmente, mostra mais defeitos que qualidades. A região está pior em quase todos os índices sociais, quando comparada ao resto do país. Problemas como falta de saneamento, poucas oportunidades de emprego, ausência de hospitais e violência no campo são encontrados em todos os Estados amazônicos. A região tem índice melhor do que a média brasileira no quesito segurança pessoal, em parte porque tem menos acidentes de trânsito e também porque, com exceção dos conflitos no campo, o interior registra menos casos de violência. Em saúde e bem-estar, a Amazônia se destaca por ter menor incidência de doenças respiratórias e menor obesidade. Para a artesã Kátia, sua cidade, Parintins, oferece oportunidade para crescer. Ela planeja construir um ateliê em casa e viajar para outras cidades do país para expor colares, brincos e joias feitos com produtos naturais. “Estou satisfeita. Estamos crescendo. Não troco meu artesanato por um salário mínimo. É uma arte da nossa família.”

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Postado por Daniela Kussama

 

 

 

 

 

 

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