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Maravilhosamente imunda

Uma pesquisa recente revelou que a maioria dos cariocas considera a música “Cidade Maravilhosa” o verdadeiro hino do Rio de Janeiro. A consagração da música revela um sentimento de orgulho e satisfação de se viver numa das mais lindas cidades do mundo.

Surpreendentemente, uma outra pesquisa mostra que a cidade maravilhosa é o paraíso dos porcalhões, de gente que teima em jogar cada vez mais lixo no chão. Os dados são impressionantes: segundo a Comlurb, nos últimos 20 anos a população carioca cresceu 15%, enquanto o volume de lixo jogado nas ruas aumentou 124%.

Quanto maior o volume de sujeira jogado no chão, maior o impacto no bolso do contribuinte, já que a coleta de lixo nas ruas é três vezes mais cara do que a coleta domiciliar. Nada menos do que 203 milhões de reais foram gastos no ano passado com a retirada do lixo das ruas. Isso representa metade de todo o orçamento da Comlurb. Esses recursos preciosos que a prefeitura gasta apenas para varrer as ruas, poderia ser destinado para outros fins – construção de escolas, creches e hospitais, por exemplo – se o povo fizesse a sua parte jogando o lixo no lugar certo.

A sujeira das ruas já representa 44% de todo o lixo do município. Enquanto isso, em grandes cidades do primeiro mundo, esse percentual não chega a 5%. Diante desses dados, a pergunta óbvia parece ser: E o que a Prefeitura vem fazendo para reduzir essas estatísticas? A resposta é estarrecedora: nada.

Embora o problema, que cresce a cada ano, venha justificando o empenho de verbas cada vez maiores do orçamento municipal para a rubrica limpeza pública, a Prefeitura permanece paralisada, sem nenhuma campanha de conscientização na mídia sobre o problema do lixo. Os mais velhos devem se lembrar da campanha do “Sugismundo” que foi veiculada pela televisão na década de setenta, e que mostrava num desenho animado a história de um garoto porcalhão – o personagem “Sugismundo” – que era discriminado pelos colegas toda vez que jogava lixo no chão. A campanha fez um sucesso tão grande que muitos anos depois, ser chamado por alguém de Sugismundo ainda era considerado uma ofensa. Ficou gravada na memória da minha geração que jogar lixo na rua era coisa de Sugismundo. Não é preciso ressucitar o Sugismundo. Nesses quase trinta anos, o Brasil construiu um conhecimento na área da educação ambiental que poderá ser usado com muito mais talento e competência na realização de uma campanha com essa finalidade.

Durante a Copa do Mundo de 2002, o governo da Coréia do Sul promoveu uma campanha de conscientização pela televisão para que os torcedores não sujassem os estádios e dessem o exemplo recolhendo ao final das partidas todo o lixo que eventualmente encontrassem no chão. No final das partidas, era comovente ver os torcedores levando copos, guardanapos e outros resíduos para as lixeiras do estádio. Os coreanos construíram belos estádios, atraíram milhares de turistas estrangeiros para a Copa e queriam mostrar do que eram capazes. Deram um exemplo formidável de cidadania.

Voltando para nossa realidade no Rio de Janeiro, vamos sediar os jogos Panamericanos de 2007 e queremos sediar as Olimpíadas 2012 em meio a esse espetáculo de insensatez que nos constrange e nos inquieta. Enquanto o prefeito César Maia elege o xixi feito em lugares impróprios no Centro da Cidade – onde não há banheiros públicos para atender à enorme demanda – um problema que inspira todas as atenções e cuidados, as milhares de toneladas de lixo jogadas displicentemente nas ruas da cidade não parecem sensibilizar o alcaide.

Será que só vamos nos dar conta do tamanho do chiqueiro em que se transformou a cidade maravilhosa na próxima greve dos garis? Será que a solução para cada nova tonelada de lixo jogada no chão se resume à contratação de mais garis?

Quem nasceu no Rio ou aprendeu a amar essa cidade, não deve mais tolerar o lixo jogado no chão. Isso não significa que a gente deva declarar guerra ao porcalhão. Certa vez o deputado Carlos Minc, professor de História e veterano ambientalista, foi perguntado sobre qual deveria ser a reação da gente ao flagrarmos alguém jogando lixo no chão. Minc reconheceu que a situação requer paciência e cuidado, e que levou algum tempo até descobrir a melhor maneira de encarar essa situação.

” Olha, muitas vezes, quando eu vejo alguém jogando lixo no chão, eu pego o lixo, me dirijo até a pessoa com muito respeito e digo pra ela: Com licença, você deixou cair isso no chão”.

Que cada um de nós descubra a melhor maneira de agir – e reagir – em benefício de uma cidade mais limpa e digna de se ser chamada de maravilhosa.

André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).

 

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