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Deus nos acuda

Ele vai ficar mais quatro anos no comando da única superpotência. Definindo os destinos da nação mais poderosa econômica e militarmente. E com o invejável cacife político de ostentar a maior votação que um presidente jamais recebeu na história dos Estados Unidos. O nome dele é George W. Bush. E de alguma maneira, as decisões que o presidente reeleito dos americanos vier a tomar neste segundo mandato deverão atingir você direta ou indiretamente.

Quando 2005 chegar – e falta pouco – Bush dará a largada para mais uma temporada na Casa Branca ao mesmo tempo em que o Protocolo de Quioto entrará em vigor. Depois de 7 anos de intensas negociações internacionais, o protocolo – que estabelece a redução dos gases que provocam o aquecimento global – será enfim aplicado pela imensa maioria dos países industrializados. Menos pelo maior poluidor do planeta.

Sob o comando de Bush, os Estados Unidos – que emitem sozinhos 36% de todos os gases liberados pelos países industrializados e que agravam o efeito estufa – rechaçaram o protocolo alegando prejuízos econômicos. O presidente reeleito manterá esta posição até o fim do mandato. Embora a atmosfera seja um bem comum a todos os povos – e o aquecimento global um fenômeno de repercussão internacional – a decisão do governo Bush levou em conta apenas o próprio umbigo. Os outros que se danem.

Quando a reeleição de Bush foi confirmada – com os republicanos assegurando maioria no parlamento – as ações da indústria armamentista dispararam na Bolsa de Nova Iorque. Não foi por acaso. A fabulosa máquina de guerra dos Estados Unidos receberá novos e importantes investimentos para assegurar as campanhas militares pelo mundo. Durante a campanha eleitoral, Bush pediu ao Congresso um adicional de 70 bilhões de dólares para as operações de guerra no Afeganistão e no Iraque. O dinheiro que financia a guerra é o mesmo que anda faltando para promover a qualidade de vida dos próprios americanos. O novo Censo dos Estados Unidos revelou, entre outros dados constrangedores, o aumento da pobreza naquele país. Em apenas um ano, o número de americanos pobres aumentou em 12,5%, totalizando 36 milhões de pessoas. Na área da saúde o resultado também é preocupante: 45 milhões de americanos não têm plano de saúde. Além disso, Bush é o primeiro presidente desde Herbert Hoover (1929-1933) a encerrar um mandato com um total de postos de trabalho inferior ao de quando foi escolhido presidente. Nada disso abalou a obstinação de Bush em vociferar contra os inimigos prometendo muitas emoções nos jogos de guerra.

Com o precedente aberto no primeiro mandato, quando o presidente dos Estados Unidos determinou a invasão do Iraque mesmo sem o consentimento do Conselho de Segurança das Nações Unidas, países como Irã, Coréia do Norte e Cuba estão de sobreaviso. E o mundo alarmado com a possibilidade de novas invasões sem o aval da ONU, toda vez que os “interesses” americanos estiverem ameaçados.

Apenas para registro: dias antes das eleições americanas, a revista acadêmica britânica especializada em artigos médicos “The Lancet” , publicou o estudo coordenado por pesquisadores das universidades Columbia (Nova York), Johns Hopkins (Baltimore) e Al Mustansiriya (Bagdá), segundo o qual 100 mil iraquianos morreram desde o início da invasão americana no Iraque há 18 meses. “A maior parte dos indivíduos mortos por forças da coalizão eram mulheres e crianças”, afirmaram os pesquisadores.

A situação não é diferente no Oriente Médio, onde o presidente dos Estados Unidos inaugurou uma nova fase na histórica arbitragem do conflito entre palestinos e israelenses. Quem não se lembra das sucessivas reuniões promovidas pelo ex-presidente Bill Clinton entre os chefes de Estado de Israel e da Palestina para alcançar o tão sonhado acordo de paz? Numa decisão que surpreendeu o mundo, Bush avalizou de forma sem precedentes a política agressiva imposta pelo governo de Israel sobre os palestinos, desequilibrando o jogo diplomático, e instaurando o caos na região.

O primeiro-ministro israelense Ariel Sharon aproveitou os bons ventos que sopravam de Washington para construir um novo muro da vergonha isolando os palestinos. E desencadear inúmeras incursões nos territórios palestinos ora para prender e matar suspeitos de promover atos terroristas, ora para demolir casas e prédios em áreas residenciais ocupadas por civis.

Ainda que os números sejam imprecisos, estima-se que durante o primeiro mandato de George W. Bush, 4.342 pessoas foram mortas no Oriente Médio. Sobre esse total, 1.008 eram israelenses e 3.334 eram palestinos. 82% dos palestinos eram civis.

Bush foi reeleito por um eleitorado conservador que simpatiza com o discurso do presidente contra o aborto, o casamento entre homossexuais e as pesquisas com células-tronco. Um eleitorado que adora ouvir o presidente se afirmar como cristão, leitor assíduo da Bíblia e que incitaria os auxiliares próximos a começar o dia com uma prece. Na luta de Davi contra Golias, está dando Golias. Que Deus tenha piedade de nós.André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).

 

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