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As cidades e suas soluções, na visão de André Trigueiro

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Pioneiro na abordagem das questões ambientais na grande imprensa, o jornalista e ativista André Trigueiro foi também um dos primeiros a levantar a questão das soluções necessárias e importantes para as cidades dos dias de hoje. Editor executivo e apresentador do programa Cidades e Soluções, veiculado pela GloboNews, ele acompanha de perto as questões urbanas e toda a variedade de assuntos que elas englobam. No ano em que o Prêmio Jovem Cientista tem como foco “Cidades Sustentáveis”, fomos perguntar suas opiniões sobre os assuntos mais atuais relacionados à sustentabilidade urbana. “Perdemos o direito de errar”, diz Trigueiro, ao comentar a necessidade de mudanças nos hábitos da sociedade. “O século XXI será progressivamente urbano e precisamos pensar na agenda verde das cidades”, completa.


Confira abaixo a entrevista exclusiva concedida ao site do Prêmio Jovem Cientista.

PJC – Vem crescendo a discussão sobre cidades sustentáveis, tema que você começou a abordar anos atrás com o Cidades e Soluções. Você acredita que a discussão já está no estágio que deveria ou ainda falta avançar? Se ainda falta, em que áreas ainda está deficiente?

Falta avançar – e muito. O tema está ausente da maioria absoluta das cidades brasileiras, não está na agenda política da maioria dos prefeitos e isso custa caro ao país e à qualidade de vida de 84,4% dos brasileiros que vivem em cidades. Entendo que os assuntos mais urgentes são a destinação inteligente do lixo (de acordo com a nova Política Nacional de Resíduos Sólidos); estímulos à construção sustentável; promoção do transporte público de massa que seja eficiente, barato e rápido; confecção de um Plano Diretor moderno e antenado com o conceito de cidade inteligente do século XXI. Há muito que fazer, mas isso já garantiria um bom começo.

 

PJC – Nas grandes cidades, os problemas de insustentabilidade são bem explícitos (sistemas de transportes, poluição etc.). Você acredita que nas pequenas cidades os problemas seguem o mesmo padrão?

Os problemas das grandes cidades replicam-se como metástase nas pequenas e médias cidades. Veja o caso do automóvel. Abrir espaço para o transporte individual em detrimento das prioridades que deveriam ser garantidas para o transporte público de massa é um problema das grandes cidades que não parece inibir os governantes das cidades menores. Parece que “engarrafamento e fumaça” são sinônimos de progresso. Assim como construir prédios altos e ineficientes ou suprimir as áreas verdes do perímetro urbano. São crimes de lesa-cidade e quem sai no prejuízo é quem vive, trabalha e circula pelo município.

 

PJC – Recentemente a C-40, cúpula sobre clima nas cidades, realizada em São Paulo reunindo os prefeitos das 40 maiores cidades do planeta, terminou com a assinatura de um documento pedindo mais recursos dos governos nacionais. Como você avalia este desfecho? Até que ponto a responsabilidade é, de fato, dos governos nacionais e até que ponto os governos municipais devem arcar com as ações necessárias para a sustentabilidade?

Juntos, os prefeitos da C-40 representam os interesses de 560 milhões de pessoas, respondem por 21% do PIB mundial e são responsáveis por 12% das emissões globais de gases estufa. Algumas cidades do mundo são mais importantes do que muitos países. É justo que tenham voz e vez em algumas conferências da ONU, crédito facilitado junto ao Banco Mundial e se articulem para pleitear mudanças na direção certa. Não dá para ficar esperando os chefes-de-Estado fazerem o que precisa ser feito. Se os países estão demorando a agir, as cidades podem – e devem – tomar a dianteira.

 

PJC – O Rio de Janeiro, especificamente, está em um processo de crescimento e adaptação intensos, em função dos grandes eventos mundiais que ocorrerão e estão atraindo não só negócios, mas também moradores para a cidade. Como você enxerga este processo e quais os cuidados que deveriam ser tomados?

O Rio precisa aproveitar a excelente oportunidade que tem neste momento para saldar dívidas antigas que tem para com seus moradores. É urgente que ofereça trens, barcas e metrô de qualidade, bem diferente do que testemunhamos horrorizados hoje. É uma vergonha estarmos tão mal servidos desses modais de transporte. O mesmo vale para a malha cicloviária (cresceu bastante, mas precisamos avançar mais e melhor). A Comlurb[Companhia Municipal de Limpeza Urbana do Rio de Janeiro], embora seja uma empresa eficiente na coleta de lixo, está defasada em relação a outras cidades do mundo que investem em rotas tecnológicas inteligentes para reaproveitamento e aproveitamento energético dos resíduos.

Não podemos ter a maioria das praias impróprias para o banho de mar na maior parte do ano e acharmos isso normal. O saneamento não é “básico” por acaso. As UPPs não se resolvem por si e deveriam abrir caminho para investimentos sociais robustos que ainda não se confirmaram plenamente.Também entendo que todas as obras, construções, edificações da cidade deveriam seguir um protocolo sustentável. Não sei por que isso ainda não acontece.

 

PJC – Até que ponto os padrões de consumo têm responsabilidade na insustentabilidade das cidades? E como se pode mudar isso?

As cidades são os grandes vórtices de consumo de matéria-prima e energia do planeta. Gigantescas dragas virtuais que retroalimentam a retirada de petróleo, água, madeira, metais e toda sorte de insumos que suportam o estilo de vida de seus habitantes. Quanto mais conscientes formos em nossos hábitos de consumo, menos violento será esse processo. Promover o consumo consciente é assegurar a sobrevivência de nossa espécie num planeta que é um só, onde os recursos são finitos. O consumo favorece a vida, mas o consumismo depreda, devasta e destroi os recursos naturais não renováveis fundamentais à vida.

 

PJC – Os cidadãos, na sua opinião, estão se educando para garantir a sustentabilidade de suas cidades? O que já avançou e o que ainda falta conscientizar nas pessoas?

Estamos avançando. Entendo que hoje estamos melhores do que já estivemos. Mas ainda muito aquém do necessário. Não basta mudar. É preciso mudar rápido. A carga de destruição e entropia do meio ambiente é tão violenta que, podemos dizer, perdemos o direito de errar. Apostar que o desenvolvimento tecnológico corrigirá a tempo todos os nossos erros é outro erro. Nosso maior problema é cultural. Precisamos corrigir hábitos, comportamentos e padrões de consumo. Tecnologia ajuda, e muito, mas não resolve. A solução começa com a educação em casa e prossegue nas escolas.

 

PJC – Que temas ou soluções você gostaria de ver abordados nos trabalhos do Prêmio Jovem Cientista?

São tantas as possibilidades de intervenção positiva na realidade que nos cerca que eu poderia relacionar aqui 50 assuntos diferentes e eventualmente nenhum deles aparecer na listagem de trabalhos selecionados para o Prêmio. Ainda assim, eu certamente me encantaria com as soluções criativas da garotada. Parabéns à organização do Prêmio pelo incentivo dado aos jovens talentos do Brasil para pensarem no futuro das cidades. O século XXI será progressivamente urbano e precisamos pensar na agenda verde das cidades.

(Fonte: Prêmio Jovem Cientista)

 

 

 

 

Editado por Daniela Kussama

 

 

 


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