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Um sábado com Al Gore

Enquanto aguardava o momento da entrevista com Al Gore no Hotel Copacabana Palace, me entretive com o espetáculo de insustentabilidade que é o projeto de iluminação dos corredores que dão acesso ao local escolhido para o encontro. Sem luz natural, os corredores permanecem acesos com dezenas de lâmpadas quentes mesmo que não haja movimento ou os quartos estejam sem hóspedes. “E ficam acesas 24 horas por dia”, revelou um dos seguranças do hotel.

A assessoria do ex-vice-presidente americano advertiu que Gore não desejava falar sobre política americana ou uma eventual participação em uma nova corrida à Casa Branca. Com a agenda atrasada, um clima de tensão pairava no ar. Depois da exclusiva, haveria a coletiva de imprensa no mesmo hotel, viagem para São Paulo e palestra à noite a convite de um banco. “Você só pode fazer 3 perguntas” me disse um assessor do lado de fora da sala. “ Você tem apenas 5 minutos”, me disse outro assessor do lado de dentro. Sem entender direito as regras do jogo, acabei fazendo 5 perguntas e passando um pouquinho do tempo previsto.

Simpático, aparentando tranquilidade, Gore foi conciso e objetivo. Segundo ele, teríamos mais dez anos para realizar as mudanças necessárias para conter o aquecimento global. Depois disso cruzaríamos um ponto limite em que as mudanças não surtiriam o efeito desejado. “O processo de destruíção está acelerado mas pode ser revertido”, disse ele , manifestando otimismo com a conversão de líderes políticos e empresariais em favor de um planeta com menos C02. Gore contabiliza mais de 450 cidades americanas formalmente comprometidas com a redução das emissões de gases de efeito estufa. Entusiasmado com a maioria democrata que assumiu as rédeas do Congresso americano, Gore defende que os Estados Unidos liderem o processo de “descarbonização” da atmosfera, num movimento que também alcance os países em desenvolvimento como China, Índia e Brasil.

Do Copacabana Palace segui direto para o Aeroporto Santos Dumont, e de lá para São Paulo, onde cumpriria o segundo compromisso do dia, coincidentemente também com o Sr.Gore : assistir como convidado a uma palestra dele no auditório do Ibirapuera. O banco patrocinador do evento reuniu o que chamou de “formadores de opinião” dos mais diversos segmentos da sociedade. Representando a classe política lá estiveram o ex-presidente Fernando Henrique, o atual vice-presidente José Alencar, ministros, governadores e prefeitos. Banqueiros, empresários e executivos sentaram-se lado a lado com representantes do Greenpeace, WWF e SOS Mata Atlântica. Pesquisadores, jornalistas e artistas complementaram a lista de convidados numa platéia lotada, reconhecidamente diversa, curiosamente reunida como pouca vezes acontece.

Al Gore ocupou o palco durante duas horas reproduzindo o data-show que inspirou o documentário “Uma Verdade Incoveniente”, vencedor do Oscar 2007. Surpreendeu ao utilizar imagens de satélite e de agências de notícia alusivas a eventos ocorridos naquele mesmo dia : “São queimadas registradas hoje de manhã em Los Angeles”.

O Brasil é citado em vários momentos da palestra, ora com elogios ora com críticas. São exibidos gráficos e imagens dos desmatamentos e da estiagem na Amazônia, o furacão Catarina – o primeiro de nossa História – e usinas de àlcool. O etanol e o biodiesel foram incensados reiteradas vezes na palestra como a “contribuição da tecnologia brasileira ao esforço mundial para a limpeza da matriz energética”. Em contrapartida, a avassaladora destruição das matas do país é citada na mesma proporção como exemplo de desperdício de riqueza.

Alguns assuntos importantes passaram em branco na palestra. Gore elogia os biocombustíveis e os esforços de algumas montadoras em aumentar a eficiência energética dos veículos mas em nenhum momento critica a multiplicação desordenada e caótica dos automóveis nas cidades, com violentos impactos sobre a mobilidade urbana e a qualidade do ar. Também não defende com a devida ênfase os transportes públicos de massa. Da mesma forma, não se posiciona em relação aos níveis de consumo absolutamente insustentáveis e perdulários do hemisfério norte, que têm nos cidadãos americanos a sua expressão mais radical.

Para quem ainda tem pretensões políticas e não descartou em definitivo a hipótese de vir a concorrer como candidato à presidência dos Estados Unidos em 2008, Al Gore faz bem em ignorar as críticas ao automóvel e ao consumismo. São verdades ainda incovenientes para o eleitor americano.

André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).

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