Refazendo as contas

“A Terra pode oferecer o suficiente para satisfazer a necessidade de todos os homens, mas não a ganância de todos os homens.” (Mahatma Gandhi)

O mais importante estudo já realizado para mapear os impactos da humanidade sobre os ecossistemas do planeta mobilizou 1.350 cientistas de 95 países. Durante 5 anos (2001 a 2005) o grupo de notáveis recrutado pela ONU revelou o tamanho do estrago causado por um modelo de desenvolvimento que agrava o efeito estufa, devasta com velocidade jamais vista a biodiversidade, exaure a fertilidade do solo e os suprimentos de água doce e limpa. O relatório final do estudo chamado de “Avaliação Ecossistêmica do Milênio”, é taxativo na parte endereçada aos economistas: “É preciso refazer as contas”.

No mundo dos negócios, quem “faz as contas” leva em consideração duas regras básicas do capitalismo: a maximização do lucro e o retorno do capital investido no menor tempo possível. Esses ensinamentos são repetidos como mantras sagrados nas diversas escolas de administração que preparam o futuro homem de negócios a marcar posição num mercado extremamente competitivo. Alçado a uma posição de destaque, ele terá de apresentar um relatório anual, confirmando (ou não) o cumprimento dos prazos e metas estabelecidos peça direção da empresa. Em última instância, o que será avaliado é a capacidade dele fazer as contas do jeito certo. E garantir os resultados esperados.

Sepação de materiais recicláveis: um belo investimento

Nas compras governamentais – que no Brasil movimentam aproximadamente 10% do PIB -, boa parte das licitações se resolve pelo menor preço. E pronto. Assim como ocorre nos segmentos mais atrasados do meio empresarial, os investimentos em energia limpa, madeira certificada, reciclagem de água, coleta seletiva, e outros empreendimentos sustentáveis, são muitas vezes relegados a segundo plano porque perdem cacife na matemática fria da relação custo-benefício.
Vejamos o exemplo da coleta seletiva. Não é difícil encontrar dentro das companhias de limpeza quem considere a separação de materiais recicláveis perda de tempo e principalmente de dinheiro. A razão é simples: para instituir a coleta seletiva será necessário estabelecer uma nova rotina com uma frota diferenciada de caminhões, funcionários treinados e mais espaço para recolher e separar os recicláveis. Tudo isso custa dinheiro, mas não pode ser entendido como despesa. Trata-se na verdade de um belo investimento, que dá retorno no médio e no longo prazos, quando se contabiliza os seguintes resultados: geração de emprego e renda para os que trabalham no setor reciclagem; redução do volume de lixo transportado para os aterros, uma vez que os recicláveis representam aproximadamente 40% de todos os resíduos sólidos urbanos; aumento da vida útil dos aterros, que passarão a receber predominantemente matéria orgânica e materiais não recicláveis; economia de matéria-prima e energia com o retorno dos recicláveis à cadeia produtiva.

Um outro bom exemplo de que é preciso refazer as contas vem da Amazônia. A maior feira de produtos florestais sustentáveis (realizada em São Paulo neste início de novembro) atraiu as atenções de importantes empresários do Brasil e do mundo. Apenas da Holanda vieram aproximadamente 40 empresários de diferentes setores interessados em fechar negócios num mercado em expansão: o da sustentabilidade. Para os europeus, tem sido cada vez mais importante consumir produtos que gerem emprego e renda na floresta, assegurando a manutenção das áreas verdes do Brasil. Essências aromáticas, couro vegetal, palmito de pupunha, bijouterias de sementes, madeira certificada e outros produtos sustentáveis atraem investimentos que tornam possível o casamento do lucro com a preservação ambiental.

Essa é a visão de longo prazo, do lucro perene, numa floresta protegida. A visão de curto prazo, do dinheiro rápido de forma não sustentável, é aquela que ainda prevalece na região. Quando se desmata para plantar capim e criar gado; quando se retira milhões de árvores para vender madeira no mercado negro a um preço irrisório deixando para trás um rastro de destruição; quando se planta soja em área de floresta, matas ciliares e cabeçeiras de rios; quando se promove o garimpo abrindo buracos no leito dos rios atrás de pepitas de ouro sem nenhum controle, cuidado, ou regulamentação, espalhando mercúrio nos rios amazônicos; quando tudo isso acontece, nos distanciamos rapidamente do sonho de vivermos num país onde o exemplo de desenvolvimento sustentável seja emblemático no mundo.

Em resumo: quando se considera apenas o curto prazo, os números favorecem os inimigos da sustentabilidade. Quando se verifica o retorno do investimento no longo prazo não há a menor dúvida: os produtos florestais, a reciclagem de materiais e todas as iniciativas na direção da sustentabilidade dão lucro.

“Refazer as contas” significa portanto enxergar mais longe, e perceber que as iniciativas apressadas, que visam apenas o maior lucro no menor tempo possível, respondem por boa parte da destruição que castiga hoje o planeta. Que possamos descobrir no nosso dia-a-dia quais as contas que precisam ser refeitas no orçamento doméstico, na contabilidade das empresas e nos projetos nacionais de desenvolvimento.

André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).