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Festa para o olhar

Há cinco anos, sempre nos meses de junho, a pequena cidade de Goiás se transforma na capital mundial do cinema ambiental. É o FICA – Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental – que atrai para a ex-capital do Estado de Goiás, patrimônio histórico da humanidade segundo a Unesco, terra de Cora Coralina, a poetiza do Cerrado, uma legião de cineastas e documentaristas do mundo inteiro. É engraçado ver os gringos tensos durante a mostra competitiva – são distribuídos R$ 250 mil em prêmios – relaxando à noite no forró que acontece no Morro do Macaco Molhado, tomando a cachaçinha da terra que leva o sugestivo nome de atitude. Sim, porque todos os que visitam a cidade de Goiás são convidados a tomar atitude. É na verdade uma redundância.

Quem milita nessa área de cinema e vídeo ambiental é obrigado a tomar atitude todo dia. São apaixonados e idealistas que transformam denúncia em obra de arte. O filme vencedor do festival – prêmio de R$ 50 mil – foi o canadense “The Bottom Line – Privatizing the World”, que denuncia a apropriação da natureza por empresas privadas, contando a história de um homem de negócios que quer vender água fresca do Canadá, enquanto pessoas do mundo inteiro não contam com o mínimo de água necessária por dia para sobreviver.

Outro filme interessante foi o francês “Le Femmes de Bananeraies”, que recebeu a menção honrosa. Rodado na Costa Rica, onde o uso do pesticida DBCP por multinacionais intoxicou mais de 15 mil camponeses que inalavam veneno nas lavouras de banana, o filme revela uma trágica realidade da maioria dos países pobres ou em desenvolvimento onde a agricultura é a base da economia. Na última cena do filme, depois de 50 minutos de uma dolorosa exibição de todos os males causados pelo pesticida – sangramentos, doenças de pele, impotência, etc – e da mobilização da comunidade reinvindicando seus direitos, o funcionário do porto interrompe o embarque das bananas exportadas de navio para os estados Unidos. E explica o motivo:” É porque está chovendo. Não pode molhar as bananas porque estraga”. Termina o filme, e enquanto rolam os créditos na telona a gente fica se perguntando por que motivo banana vale mais do que gente.

Do Rio de Janeiro, o filme “Cotidiano da Cidade”, também agraciado com uma menção honrosa, revela de forma criativa a experiência de viver num lugar castigado pela falta de planejamento urbano e pela especulação imobiliária. Na orla da Lagoa Rodrigo de Freitas um morador que fixou espelhos em todas as paredes da sala para refletir melhor todos os ângulos da bela paisagem, sofre com a construção de um enorme prédio bem em frente ao seu, interrompendo a vista e aumentando o número de espigões na orla.

No Morro Dona Marta, em Botafogo, o morador de um barraco que adora a vista do Rio lá de cima, sofre com o segundo pavimento do vizinho que mora bem em frente e que vai bloquear sua visão do paraíso. E assim segue o filme revelando como uma cidade batizada de maravilhosa vem perdendo a guerra contra a multiplicação indiscriminada de moradias à revelia do Poder Público, ou com o aval irresponsável do Poder Público. Tão interessantes quanto os filmes foram as presenças de convidados especiais como os jornalistas Zuenir Ventura, Liana John, Paula Saldanha, do cineasta Rui Guerra, e tantos outros que contribuíram para o ritmo frenético que se instalou sobre a pacata cidade de Goiás.

Além da mostra competitiva, foram oferecidas gratuitamente quinze oficinas e seminários de cinema, jornalismo e meio ambiente. O imenso ginásio de uma escola pública foi transformado num confortável cinemão de 600 lugares com tela gigante, som de primeira, ar-condicionado e um detalhe que faz toda a diferença: entrada franca. Dois ministros marcaram presença no festival de maneiras distintas: Marina Silva, do Meio Ambiente, participou da solenidade de abertura elogiando a iniciativa dos organizadores. E Gilberto Gil, da Cultura, deixou o protocolo em Brasília e partiu para Goiás com sua banda para fazer a festa de encerramento num show ao ar livre para 50 mil pessoas numa bela noite de lua cheia.

De volta ao Rio, lembro-me com saudade do formigueiro humano que tomou conta da cidadezinha que parou no tempo com seu casario histórico e seus centenários paralelepípedos. Milhares de estudantes acompanharam o festival numa alegre caravana da cidadania onde prevaleceu o otimismo e a certeza de que um novo mundo não é apenas possível, mas necessário e urgente. Para isso é preciso atitude. Goiás, que já tem a cachaça, nos ensina que a palavra de ordem é fazer, e a hora é já.André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).

 

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