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Concretamente falando…

Uma das funções mais importantes da terra é filtrar a água da chuva. Quando cobrimos o solo de concreto, cimento ou asfalto, impedimos a passagem natural da água, que se acumula rapidamente nas cidades, causando inúmeros transtornos à população. Em São Paulo, por exemplo, não é difícil imaginar porque qualquer temporal tem o poder de causar alagamentos.

Estima-se que 45% da superfície da capital paulista estejam cobertos artificialmente, impermeabilizados com construções que vedam a passagem da água. Em algumas áreas da cidade, esse índice chega a 90%. Imagens feitas de satélites em órbita da terra revelam São Paulo como um impressionante ponto cinza visto do espaço.

Num dos últimos temporais, bombeiros usaram helicópteros e puçás para resgatar moradores ilhados em suas próprias casas com água na altura do pescoço. A área mais atingida foi a zona leste, justamente aquela em que, segundo especialistas em urbanismo, a impermeabilização do solo avançou nada menos que 50% nos últimos 5 anos. Como evitar as enchentes numa cidade que é na verdade um gigantesco tampão?

As imensas dificuldades enfrentadas por São Paulo a cada temporal servem de lição para o resto do Brasil. Somos um país urbano, onde 81% da população vivem nas cidades. O crescimento desordenado permitiu o aparecimento de projetos oportunistas que depreciaram a qualidade de vida da população. No meio político, sabe-se que os investimentos em urbanização rendem preciosos votos. O problema é que os prefeitos nem sempre fazem o serviço direito. Em boa parte da periferia, por exemplo, o sonho de viver numa rua asfaltada inspira projetos apressados que podem se transformar num pesadelo no longo prazo.

Para que o asfalto seja um sonho bom, é preciso que esteja incluída na obra a instalação de galerias de água pluvial, que ajudem a escoar a água da chuva pelos ralos abertos junto ao meio-fio. Quando uma rua de terra vira rua asfaltada e não se oferece uma passagem alternativa para a água da chuva, algo de ruim poderá acontecer, dependendo da configuração do terreno e da bacia hidrográfica local. Mesmo que não haja enchentes, a simples acumulação da água , transformando o asfalto numa piscininha, acelera o desgaste do material, abrindo buracos e rachaduras.

O que mais se vê em boa parte da periferia são ruas asfaltadas a toque de caixa, inauguradas com pompa e circunstância, sem galerias de água pluvial. 2004 é ano eleitoral, e muitos candidatos a prefeito e vereador já decoraram o texto do discurso em que prometerão priorizar o asfaltamento das ruas. Que essas linhas possam inspirar ao menos uma pergunta ao candidato:

– E a água da chuva? Vai pra onde?

André Trigueiro é jornalista com Pós-graduação em Gestão Ambiental pela COPPE/UFRJ, Professor e criador do curso de Jornalismo Ambiental da PUC/RJ, autor do livro “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em transformação” (Editora Globo, 2005), Coordenador Editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no século XXI”, (Editora Sextante, 2003).

 

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