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Washington Novaes: Era o que faltava: uma ‘bolsa empreiteira’

 

Fonte: IHU

 

Em meio a polêmicas, continua a tramitar no Congresso, com apoio de várias áreas do governo federal – principalmente Minas e Energia e Transportes –, o ominoso projeto do senador Romero Jucá que prevê mudança radical no processo de licenciamento de grandes obras de infraestrutura, criando tantas facilidades que até apelido já tem: “bolsa empreiteira”.

Como já relatou este jornal (23/1), esse projeto, que institui o “licenciamento especial ambiental”, reduz o processo de licenciamento de três etapas a uma, além de praticamente extinguir a realização de consultas públicas às comunidades afetadas. E cada instituição interessada no licenciamento (IphanFunaiMinistério do Meio Ambiente, entre outras) terá dez dias para se manifestar; se não o fizer no prazo, fica decidido “sumariamente” que aprova a obra. Aprovado em comissão especial do Congresso, o projeto agora está no Senado.

Técnicos do Ministério do Meio Ambiente têm dito que desaprovam o texto por considerá-lo – tal como faz o Instituto Socio Ambiental de São Paulo – “inconstitucional”, ainda mais após o recente rompimento de uma barragem emMariana, com defeitos estruturais agora vindos ao conhecimento público. O professor em Direito Ambiental Paulo Affonso Leme Machado, da Unimep de Piracicaba, tem repetido (Folha de S.Paulo, 17/2) que é a introdução do “quem cala consente”. Como não se investe na administração ambiental, “tudo passará pelo decurso do prazo. É um atrevimento contra o direito constitucional a um meio ambiente sadio e equilibrado”.

De fato, pode-se imaginar o que acontecerá com a flexibilização das regras na construção pública, no respectivo financiamento e no licenciamento ambiental, como observou o Instituto Socio Ambiental de São Paulo: “uma ampla reforma legal para ampliar o poder das empreiteiras”. Em dezembro, edital com base na Medida Provisória 700/2015 atribuíra a empresas executoras de obras públicas a competência para desapropriar por interesse público.

A moda está se disseminando. Em São Paulo, a Câmara Municipal (Estado, 18/2) já discute a retirada de 3,2 milhões de metros quadrados de áreas de proteção ambiental e liberar para a construção civil 1,4 milhão de metros quadrados destinados à proteção de mananciais.

E a Prefeitura de São Paulo regulamentou a construção de moradia em áreas verdes da capital: ficam permitidos prédios de até oito pavimentos em zonas de proteção ambiental – o mesmo limite vigente para bairros já muito adensados.

Comentário de Carlos Bocuhi (15/2): “Não interessa qual o uso, social ou não; a impermeabilização vai ocorrer” (Estado, 15/2). E é por caminhos como esses que a cidade aflita vai se tornando cada vez mais difícil para duas dezenas de milhões de habitantes na região metropolitana, com a áreas verdes sendo consideradas “um luxo dispensável”.

Essas facilidades se juntam a muitas outras, como as que estão levando as cidades brasileiras a um nível inacreditável de poluição do ar urbano, que já aumentou 131% em 23 anos (O Globo, 13/2), tirando a vida de 41,7 mil pessoas – segundo os especialistas consultados, pela “incapacidade de tirar da circulação os combustíveis fósseis”.

No mundo, a poluição atmosférica responde por 5,5 milhões de mortes anuais, de acordo com a Universidade British Columbia, do Canadá.

Na China, pela primeira vez em dezembro foi decretado um “alerta vermelho”. Ali, o nível de particulados por metro quadrado no ar chegou a 500 microgramas por metro cúbico, vinte vezes mais do que o nível recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Principais fontes: queima de carvão e emissões por veículos.

É uma situação complicada neste mundo em que a ONU calcula que 54% da população total já viva em áreas urbanas (no Brasil, mais de 80%) e chegará a 66% em 2050. Hoje, já são 28 as cidades com mais de 10 milhões de habitantes cada uma. Como planejar a ocupação do espaço urbano e os serviços – transporte, mobilidade, qualidade do ar, saneamento etc. – numa cidade gigantesca? E como planejar um futuro em que as necessidades e exigências crescerão, exigindo níveis de sofisticação que pareciam inimagináveis?

A Google, por exemplo, já está ajudando a mapear a qualidade de vida em grandes cidades (New Scientist, 7/11/15), colocando sensores em carros que monitoram áreas urbanas norte-americanas e emitem boletins sobre a poluição atmosférica de minuto em minuto – inclusive permitindo retirar para áreas mais seguras pessoas que sofrem de asma ou outras doenças mais vulneráveis. Também já há sensores carregados por pessoas que se deslocam para locais programados.

Por aqui, não conseguimos sequer saber ao certo em quanto está a poluição emitida por dezenas de milhões de veículos que circulam e aumentam em ritmo muito forte, mesmo em momentos como este, de depressão econômica e queda na demanda. Não conseguimos êxito na contenção e no “extermínio” dos vetores das doenças que já são um tormento – a ponto de recorrer ao Exército e à Aeronáutica. Não temos programas eficazes para o bem-estar de idosos – o que nos coloca abaixo da média mundial entre os 96 países avaliados (O Globo, 9/9/15), com o 56.º lugar, segundo o Global Age Watch Index. Não lhes proporcionamos segurança, mobilidade, renda, saúde, capacidade de subsistência. E segundo o IBGE, há mais de dois anos já tínhamos 23,5 milhões de idosos e 21,5 milhões recebiam aposentadorias e pensões baixas.

Por onde quer que comece a abordagem nesses setores, vamos sempre encontrar situações muito preocupantes, principalmente nas maiores cidades. E pelo que está à vista, assim seguiremos até as eleições programadas para este ano ou para as próximas, no plano federal. Quem nos mobilizará? Quando? Onde? Que se espera? Uma nova onda de protestos populares, com consequências absolutamente imprevisíveis e perdas inaceitáveis?

 

Postado por Daniela Kussama

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