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Suzana Kahn: “Prefeitos devem ter mais poder para enfrentar mudanças no clima”

 

Por Bruno Calixto

Fonte: Época – Blog do Planeta

 

Os debates sobre as mudanças climáticas são globais, mas quem enfrenta os impactos de um mundo mais aquecido, com enchentes, secas e ondas de calor, são as cidades. Será que não é hora de aumentar o papel e as responsabilidades das prefeituras no debate sobre o clima? A coordenadora executiva do Fundo Verde da UFRJ,Suzana Kahn, defende que sim.

Suzana é uma das cientistas do IPCC, o Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima, órgão da ONU que sintetiza e divulga os resultados de estudos científicos sobre o aquecimento global. Ela esteve na última reunião do IPCC no começo do mês, que elegeu o sul-coreano Hoesung Lee como novo presidente do painel. Em entrevista a ÉPOCA, Suzana falou sobre o novo presidente e os desafios do IPCC, e também sobre as expectativas para a Conferência do Clima de Paris, no final do ano, que poderá fechar um acordo de combate às mudanças climáticas. Ela disse acreditar que os países deverão assinar um acordo, apesar de deixar alguns pontos importantes de fora. “Não é uma questão de os países se ajudarem em um acordo para salvar o planeta. É porque está chegando a conta. Já está dando prejuízo”.

 

 

 

ÉPOCA – A senhora participou da eleição que escolheu o nove presidente do IPCC. O que podemos esperar dessa nova presidência?

Suzana Kanh – Foi uma surpresa. Ele não era muito popular, uma pessoa que interagisse muito entre os grupos. Ele é um economista, e isso já é uma coisa diferente, já que o grupo mais reconhecido do IPCC é o dos meteorologistas, dos pesquisadores que estudam o clima. O discurso dele é de que ele era o único candidato representante de um país em desenvolvimento. A Coreia do Sul, no âmbito da Conferência das Partes, é considerada um país em desenvolvimento, mas isso não é exatamente correto. É um país rico, de renda per capita alta. Mas o discurso dele foi esse, de que era um representante dos países em desenvolvimento e que traz para o IPCC a trajetória da Coreia do Sul, que foi um país muito pobre que cresceu rapidamente. Mas foi uma surpresa, ninguém sabe exatamente como vai ser a gestão dele.

 

 

 

ÉPOCA – Em entrevistas à imprensa, Hoesung Lee disse que o IPCC precisa passar a focar em soluções, não em problemas. A gente pode dizer que o IPCC já bateu o martelo sobre o que causa as mudanças climáticas e está partindo para uma abordagem de soluções?

Suzana – É um pouco o viés dele. É um economista, não um cientista climático que gosta de fazer modelos. Uma das questões que eu acho que ganhará força é a da regionalização. Desde os primeiros relatórios do IPCC, a maior parte das informações são médias. Só que quando você fala em uma média de aquecimento de 2ºC, isso pode siginificar que algumas regiões vão aquecer 6ºC, outras podem até esfriar. Isso confunde os tomadores de decisão. Daí essa necessidade de se aproximar mais com o que pode acontecer em cada região. Eu iria além e diria que precisamos falar mais da questão urbana. As cidades são a maior fonte de poluição, por conta do consumo de energia, do transporte, de iluminação, e são as cidades que realmente podem fazer alguma coisa para modificar isso. No final, acaba sendo uma decisão de prefeitos.

 

 

 

ÉPOCA – É viável dar mais responsabilidade para as cidades? Algumas têm poder e recursos para fazer isso, como Rio ou São Paulo, mas não a maioria.

Suzana – Claro, não estou falando do recurso financeiro, mas de prioridades, de indentificar o que é necessário fazer. As responsabilidades deveriam ser passadas para o prefeito, mesmo que o recurso continue sendo federal. Por exemplo, uma cidade costeira que vai ter problema com elevação do nível do mar: o planejamento do uso do solo dela tem que contemplar isso, e é a municipalidade que não pode deixar que haja construções naquelas regiões ou em áreas de risco. A legislação e o poder de decisão, de tirar uma população de determinado local, não permitir construção numa área que pode alagar, isso tudo é responsabilidade do prefeito, mesmo que ele não tenha essa verba. Essas orientações não aparecem no IPCC, que vê sempre o macro.

 

 

 

ÉPOCA – Qual a sua expectativa para a conferência de Paris? Acha que vamos conseguir costurar um bom acordo?

Suzana – Um acordo eu acredito que sairá. Agora acho difícil que seja um acordo que leve em conta a transparência na contabilidade das emissões. Essa é uma questão que não avançou quase nada desde Copenhague [a Conferência do Clima de 2009]. Os países não confiam uns nos outros, acham que é uma questão de soberania. A China, por exemplo, já disse que não permitirá uma verificação independente das suas emissões. Se um não verificar o outro, fica difícil avaliar se o mundo está mesmo reduzindo emissões. Outra coisa que não avança é o financiamento, o ponto que agora chama “perdas e danos”: auxiliar países que estão em situação muito dramática. Os países mais pobres reclamam que o que está sendo feito é apenas mudar o carimbo da ajuda que já existia. Os países ricos estão pegando o auxílio humanitário e dizendo que agora é ajuda para o clima. É o mesmo dinheiro, não tem nada adicional.

O que eu vejo de positivo são ações fora do processo multilateral, como os acordos bilaterais entre os países. Os EUA têm acordo com a China, a China está tirando o carvão de sua matriz elétrica, porque suas cidades estão irrespiráveis, o Brasil assinou com os Estados Unidos. São coisas mais objetivas. Os países combinam algumas coisas que são boas para os dois, então são acordos que têm mais chances de vingar do que um envolvendo mais de cem países. Essas coisas estão avançando não por causa das negociações, mas porque está ficando caro lidar com o aumento de temperatura. Não é uma questão de os países se ajudarem em um acordo para salvar o planeta. É porque está chegando a conta. Já está dando prejuízo.

 

 

 

ÉPOCA – E quanto à proposta brasileira para enfrentar as mudanças climáticas?

Suzana – Achei muito realista. Acredito que tenha sido desenhada vendo o que era possível ser feito. Porque nada do que está ali exigirá um esforço monumental. O desmatamento de fato está caindo, a questão do reflorestamento é crucial. Investir em eólicas, renováveis. São coisas que o Brasil tem de fazer por ele mesmo. É bom para o país, independentemente das negociações do clima.

 

 

 

ÉPOCA – Não estamos demorando muito para avançar nas energias renováveis?

Suzana – Sim, está muito devagar. É um contrassenso. Aqui a gente pensa tradicionalmente no curtíssimo prazo. No curtíssimo prazo, não tem nada melhor do que uma termelétrica. É rápida, fácil de licenciar, atende a demanda. Já trabalhar com fontes alternativas requer um retorno que vai demorar um pouco. É o caso da eólica, que agora está ficando competitiva. O custo da solar está reduzindo muito, e nós estamos ficando para trás. Não investimos em instalação, geração, na cadeia produtiva. Aí precisa importar tudo, acaba ficando mais caro.

 

 

 

ÉPOCA – Aqui no Brasil, quando a gente fala de mudanças climáticas, ainda é muito um debate sobre desmatamento da Amazônia. Mas as emissões de desmatamento estão caindo, e as de energia, subindo. Não é hora de falar dessas emissões de energia?

Suzana – Isso vai acabar acontecendo, certamente. Antigamente o grande problema era o desmatamento. Deixou de ser. Estamos nos aproximando do perfil mundial. No mundo, é assim: majoritariamente o problema é no setor energético. Só que no caso do Brasil, por um lado não só a gente ainda tem muita emissão de desmatamento, mas a floresta amazônica tem um apelo mundial enorme. É um olhar de fora que pressiona muito o Brasil a reduzir as emissões da floresta. Já na questão da energia, a pressão não é tão grande porque todo mundo tem o mesmo problema. Todo mundo tem o telhado de vidro e a gente, pelo contrário, tem até uma situação mais confortável se comparada com o resto do mundo. Mas não tenho a menor dúvida de que a energia é a próxima etapa a ser tratada. Nós estamos numa situação em que a energia tem o mesmo peso que o desmatamento, e estamos num período de recessão. Se o país estivesse crescendo, as emissões de energia teriam explodido.

 

 

 

 

 

Postado por Daniela Kussama

 

 

 

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