Brasil tem a chance de ser protagonista na adaptação à mudança do clima

 

Por André Ferretti, gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, coordenador-geral do Observatório do Clima (OC) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza e Juliana Ribeiro, bióloga e analista de projetos ambientais da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza (André e Juliana participarão como observadores da COP22 da Convenção do Clima, em que apresentarão um estudo pioneiro no Brasil que mostra as oportunidades para aplicação da Adaptação baseada em Ecossistemas. Para ler o estudo, clique aqui.)

Fonte: Época – Blog do Planeta

 

Assinado em dezembro de 2015 na 21ª Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, o Acordo de Paris é um compromisso entre os países que prevê diretrizes e metas para a redução de emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE), de forma a manter o aumento da temperatura média global a menos de 2 graus célsius em relação aos níveis pré-industriais – e, adicionalmente, promover esforços para limitar esse aumento a 1,5 grau célsius. Com a ratificação das maiores economias mundiais, como Estados Unidos, China e União Europeia, além de mais de 90 países, o Acordo entrou em vigor no dia 4 de novembro de 2016 – quatro anos antes do previsto.

O Brasil – que representa 2,48% das emissões de GEE do globo – ratificou o Acordo em setembro de 2016 com o compromisso de reduzir em 37% as emissões de gases de efeito estufa até 2025 e 43% até 2030, em relação aos níveis de 2005. As ações propostas para atingir essa meta incluem investimento em energias limpas, recuperação de áreas degradadas, zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030, entre outras.

Além de honrar os compromissos assumidos no Acordo de Paris para redução das emissões e ter contribuições ainda mais ousadas, o Brasil precisa se preparar para os impactos da mudança do clima. Afinal, mesmo que todos os países signatários do Acordo atinjam suas metas com sucesso, isso não será suficiente para impedir o aumento dramático da temperatura do planeta e suas consequências.

Os GEEs já presentes na atmosfera levarão alguns anos para se dissipar e permitir que a temperatura do planeta volte a se estabilizar. Como consequência, por exemplo, já estamos vivenciando alterações em cidades litorâneas com temporais mais fortes, combinados com marés altas que causam ressacas e destroem áreas costeiras, além de tornados, tempestades de granizo e inundações. Diversas regiões do Brasil sofreram com a crise hídrica, incluindo a Região Sudeste, responsável por quase 60% do PIB do Brasil e onde moram mais de 40% de seus habitantes.

Enfrentar a mudança global do clima é o maior desafio da atual geração e, para isso, é indispensável atuar na adaptação das sociedades e dos ecossistemas a essas alterações, de modo a evitar perdas de vidas e prejuízos econômicos sem precedentes. Felizmente existem soluções e o Brasil tem grande oportunidade para agir com pioneirismo nesse cenário.

Adaptação baseada em Ecossistemas (AbE) é uma solução para melhor preparar a sociedade para as alterações climáticas, com base nos serviços ecossistêmicos. Estabelecida como um dos princípios do Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, lançado em 2016 pelo governo brasileiro, a AbE tem sido utilizada mundialmente para designar iniciativas que consideram o uso da biodiversidade e dos serviços ambientais como parte de uma estratégia maior de adaptação à mudança do clima. É uma solução ganha-ganha: a sociedade se adapta à mudança do clima, os ecossistemas permanecem bem conservados, o custo é menor e a biodiversidade é valorizada.

Uma forma de aplicar na prática o conceito de AbE é priorizar o uso da infraestrutura natural em detrimento de projetos de engenharia convencional; por exemplo, para conter inundações, pode ser feita a recuperação de matas ciliares em vez da canalização de rios. Nesse caso, a restauração das margens dos rios com vegetação nativa, além de potencialmente mais barata que a canalização e suas constantes manutenções, traz diversos benefícios adicionais, como a criação de hábitat para a biodiversidade local, o restabelecimento da paisagem natural, a arborização urbana, o controle do microclima local, a absorção gradual da água da chuva, a redução de erosão e assoreamento dos cursos de água e a proteção da população ao evitar a ocupação em áreas irregulares e suscetíveis à inundação.

Parques lineares em ambientes urbanos atendem perfeitamente à estratégia de AbE. Mais que proteger a biodiversidade e os serviços ambientais, eles trazem às cidades valorização imobiliária e oportunidades de lazer e de recreação. Também contribuem para sensibilizar a população em relação à importância do meio ambiente, o que se torna cada vez mais importante nos dias atuais, já que há tão pouco tempo para contemplar ambientes naturais mais distantes dos centros urbanos.

É mais que passada a hora de países e cidadãos se unirem na adaptação à mudança climática antes que seja tarde demais. A expectativa é que os resultados das próximas semanas sejam positivos nesse sentido: de 7 a 18 de novembro, durante a COP22 da Convenção do Clima, acontecerá no Marrocos a primeira reunião de regulamentação do Acordo de Paris – identificada pela sigla CMA1. Essa reunião já é considerada histórica, pois oficializa esse pacto coletivo que visa conter a mudança global do clima e todas as suas consequências para a humanidade e para todos os seres vivos.

Ao longo da vigência do Acordo de Paris e na COP22, o Brasil terá a possibilidade de se firmar como um líder global no que diz respeito ao desenvolvimento de baixo carbono, aliado com estratégias de proteção, conservação e valorização de seu patrimônio natural.

 

 

 

Postado por Daniela Kussama