E o “teto” para o lixo?

O mesmo Congresso que deu sinal verde para que o governo possa adotar um limite de gastos no setor público (batizado de teto) empurrou com a barriga o limite do prazo dado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (previsto para agosto de 2014) para que o país eliminasse de vez os lixões espalhados hoje por 60% dos municípios.

Sem que o limite da irresponsabilidade sanitária tenha sido claramente definido até agora (há vários projetos dormitando no Congresso) prefeitos eleitos em 3.326 cidades com vazadouros clandestinos poderão seguir o mau exemplo que vem de cima: a apenas 15 km da Esplanada dos Ministérios, em Brasília, o Lixão da Estrutural ainda ostenta a condição de maior vazadouro a céu aberto da América Latina. Os vapores do lixo no Planalto Central parecem inebriar nossos representantes no Executivo e no Legislativo, que deveriam ler o recém-lançado relatório da Abrelpe (Associação Brasileira das Empresas de Limpeza Pública) sobre o panorama dos resíduos sólidos no Brasil.

A pesquisa informa que mesmo durante a recessão de 2015 (quando a queda do PIB foi de 3,8%) o Brasil conseguiu gerar mais lixo. Foi a primeira vez que isso aconteceu em 13 anos de pesquisa, já que a queda da atividade econômica costuma ser acompanhada pela menor geração de resíduos. Não foi o que aconteceu desta vez. Em média, cada brasileiro gerou no ano passado 391 kg de lixo (pouco mais de 1 kg por dia).

Considerando apenas o despejo irregular de entulho e de lixo hospitalar, foram jogadas nas vias públicas do Brasil no ano passado 125 milhões de toneladas de resíduos, o suficiente para encher 125 estádios do Maracanã.

Ao todo, 76,5 milhões de pessoas sofrem os efeitos da destinação inadequada do lixo. Nossa indiferença para com a situação do lixo parece ser a mesma que permitiu uma das maiores tragédias sanitárias do mundo, com a coleta de apenas metade de todo o esgoto lançado por mais de 206 milhões de pessoas (lembrando que, da parte que chega a ser coletada no país, apenas 40% recebem algum tratamento).

Chegará o dia em que toda a cúpula de um governo (se preciso for, depois de almoços e jantares com parlamentares) anunciará um teto.

 

André Trigueiro

 

Fonte: Folha de S. Paulo