Suicídio: Informar para salvar vidas

Por Eliana Haddad

Fonte: Jornal Correio Fraterno

O jornalista André Trigueiro lança pela editora Correio Fraterno o livro Viver é a melhor opção – Prevenção do suicídio no Brasil e no mundo, concretizando um  corajoso projeto, no qual  já vem trabalhando há alguns anos, através de palestras, pesquisas e colaboração com o CVV – Centro de Valorização da Vida.

O autor traz a público um livro necessário, que desperta o interesse  pela  valorização da vida e  esclarece sobre causas e efeitos  do suicídio, um  problema  mundial que, embora dificilmente ocupe espaço na mídia de maneira esclarecedora, vem destruindo de modo sorrateiro muitas relações, onde o silêncio precisa romper difíceis barreiras. Vale acompanhá-lo  nessa entrevista.

 Por que falar sobre suicídio?

André Trigueiro: Porque é problema de saúde pública no Brasil e no mundo e quase ninguém sabe. Outra informação importante amplamente desconhecida é a de que  o suicídio é prevenível em 90% dos casos, quando há intercorrência com patologias de ordem mental diagnosticáveis e tratáveis, principalmente o transtorno de humor, popularmente conhecido como depressão. Apesar de tudo isso, permanece o tabu na sociedade e nas mídias. Suicídio continua sendo um assunto invisível, mesmo quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) reforça em sucessivos relatórios o papel estratégico da comunicação para que se reduza o número de casos.  Os profissionais de saúde sabem que prevenção se faz com informação. É possível reduzir a incidência de dengue, tuberculose, hanseníase, doenças sexualmente transmissíveis e outros males que atingem a Humanidade com informação clara e objetiva. O mesmo se dá quando o assunto é suicídio. É preciso saber o que dizem os especialistas, mapear os riscos, identificar os sinais de alerta e procurar ajuda quando necessário. Tudo isso só é possível com informação. Neste caso em particular, a informação correta pode salvar vidas. Essa é a principal contribuição do livro.

Como surgiu esse livro e quais as maiores dificuldades que você encontrou para realizar esse trabalho?

André Trigueiro: No ano de 1999, fui instigado pelo Espírito Marcelo Ribeiro (que se comunicou comigo através de uma médium) a buscar informações sobre esse problema. Eu desconhecia naquela época que o suicídio fosse caso de saúde pública no Brasil. Marcelo – que chegou a ter algumas de suas mensagens publicadas por Divaldo Pereira Franco  – participa ativamente de um grupo de socorro a suicidas no plano espiritual, e deixou claro que quando alguém se mata não há muito o que fazer até que as pesadas vibrações emanadas por aquele que destruiu as condições da vida no corpo físico se diluam lenta e progressivamente. E isso pode levar muito tempo. Marcelo me estimulou a realizar algo na direção da prevenção do suicídio. Minha primeira palestra em centros espíritas foi sobre esse assunto. Me aproximei do Centro de Valorização da Vida (CVV), escrevi artigos para jornais e revistas, falei sobre o tema no rádio e na TV. Agora, chegou a vez do livro. É a culminância de um trabalho que vem de longe. A parte mais importante.

 Em suas pesquisas, o que mais o surpreendeu?

André Trigueiro: O fato de o suicídio ser prevenível na maioria absoluta dos casos. Essa informação tem origem em um trabalho científico desenvolvido pelo respeitado suicidólogo brasileiro, José Manoel Bertolote (UNESP) em parceria com a pesquisadora suíça Alexandra Fleschmann. Eles compilaram os dados de 15.629 casos de suicídios consumados em diferentes regiões do mundo e descobriram que em aproximadamente 90% dos ocorrências o suicídio está relacionado a alguma patologia de ordem mental diagnosticável e tratável, principalmente a depressão (35,8% dos casos), transtornos relacionados ao uso de substâncias (22,4%) e transtornos de personalidade (11,6%). Essa informação é extremamente inspiradora e legitima todos os esforços empreendidos em diferentes frentes na área da prevenção. Significa que podemos efetivamente reduzir o número de casos se nos mobilizarmos com determinação e estratégia nessa direção. Depende de nós.

A que você atribui as intenções suicidas? 

André Trigueiro: A uma dor intensa, difícil de descrever. Os suicidólogos reportam esse sofrimento com muito respeito e sugerem que se dê a ele o devido acolhimento. Há,portanto, no universo das singularidades do suicídio, um traço comum que é a vontade de sumir, desaparecer. E isso está associado a um profundo desconforto com a vida. São muitas as razões possíveis – na maioria das vezes, como já o dissemos, associadas a patologias de ordem metal – e a melhor maneira de ajudar alguém nessa situação é oferecer uma escuta amorosa e, se for o caso, buscar ajuda especializada.

 As taxas de suicídio no mundo têm aumentado?  O que revelam, afinal?

André Trigueiro: As taxas oscilam muito, sempre num patamar elevado, razão pela qual o suicídio é considerado caso de saúde pública no mundo (pela OMS) e no Brasil (pelo Ministério da Saúde). O último levantamento é de 2012 , quando 804 mil pessoas cometeram suicídio no mundo, 2.200 casos por dia, um a cada 40 segundos. É um número de óbitos superior a dos homicídios ou de mortos em conflitos armados. Em números absolutos, o Brasil aparece em 8º no ranking mundial de suicídios com 11.821 óbitos por suicídio (em 2012), o que dá uma média de 32 casos por dia. A taxa de crescimento desse gênero de morte em nosso país é superior à do crescimento da população. Importante dizer que estes números não expressam a realidade das ocorrências. Há na verdade muito mais suicídios acontecendo por aí, já que as próprias autoridades de saúde reconhecem o problema da subnotificação, ou seja, muitos atestados de óbito são preenchidos de maneira imprecisa, atribuindo a “causa indeterminada” ou “acidente” o que na verdade foi suicídio.

” A aflição e o desespero nos impedem de

enxergar uma realidade inexorável

 da vida: tudo passa”

 

 No livro, você mostra  a visão espírita do assunto. Por quê? 

André Trigueiro: Todas as grandes religiões e tradições espiritualistas do ocidente e do oriente se manifestam claramente contra o suicídio. Há o entendimento de que o autoextermínio afronta as Leis de Deus e que não temos o direito de violentar abruptamente as condições que determinam a existência física. O espiritismo, entretanto, vai além. Há uma profusão de informações, dados e relatos que reportam a realidade do suicida no plano espiritual, porque em nenhuma hipótese o autoextermínio propicia alívio ou solução para os problemas (muito pelo contrário), os impactos desse ato violento sobre as encarnações futuras, o sentido da dor e do sofrimento, e, principalmente, a confiança em Deus e na Providência Divina. Há um sentido para a vida, uma razão para estarmos aqui, e os eventuais problemas que todos nós – sem exceção – enfrentamos na vida oferecem preciosas oportunidades de crescimento e evolução espiritual. Por mais dolorosa que seja uma determinada situação, temos todas as condições de superá-la. A aflição e o desespero nos impedem de enxergar uma realidade inexorável da vida: tudo passa. Quem vive um estado de sofrimento extremo costuma se isolar, se encapsular, e corre o risco de ir desistindo da vida. É preciso criar mais redes de cuidado e de assistência para quem experimenta essa situação. Na abertura do livro, digo que todos estamos juntos na mesma espaçonave, e que quem está sentado ao lado não é apenas passageiro. É parte de algo maior que te inclui. Precisamos nos sentir mais reponsáveis pelos rumos deste projeto coletivo chamado “Humanidade”.A prevenção do suicídio é medida que favorece quem pensa em desistir da vida e os que estão à volta.

Como você analisa as tradições religiosas em relação ao suicídio?

André Trigueiro: Há uma justa condenação do suicídio, mas, por vezes, transfere-se essa condenação – de forma raivosa e ofensiva – para o suicida. Creio que precisamos separar as coisas. O suicídio é condenável, mas será justo execrarmos o suicida pelo erro que cometeu? Quantos de nós em uma outra encarnação, cuja memória hoje encontra-se velada, não terá recorrido ao mesmo expediente na tentativa de se livrar de uma dor aguda? Em se confirmando isso, como seria possível chegarmos até aqui sem muita ajuda, amizade, solidariedade, carinho, afeto, amor? Imaginemos Jesus e um suicida, frente a frente. Levantará Ele o dedo em riste, condenando o infeliz e acusando-o de “criminoso”? Ou lhe estenderá a mão, de forma amorosa e compassiva, encorajando-o a seguir em frente, suportando com fé as dores e aflições – agravadas pelo suicídio cometido – que inexoravelmente lhe alcançarão até que se recupere totalmente? Por mais grave que sejam os erros cometidos por outrém,  devemos perdoar “não 7, mas 70 vezes 7 vezes” quem errou. É uma das mais importantes lições do Mestre. Vale também para  o suicida.

O fato de você ser espírita o auxilia a falar sobre o assunto?

André Trigueiro: Evidentemente quem sim. Os espíritas não tem problemas em falar dos assuntos relacionados à morte. Falamos em “desencarnação”, rejeitamos a própria palavra “morte” como ideia alusiva à finitude da existência. A bem da verdade, devo dizer que para mim não é mais uma questão de crença. O que me atraiu na doutrina foi a maneira lógica e bem fundamentada de explicar como funcionam as leis que regem a vida e o universo. Mas nesses quase 30 anos de espiritismo, as oportunidades que tive de testemunhar vários fenômenos mediúnicos (inclusive materialização de Espíritos) não me autorizam a esconder os fatos como eles são. Construi uma convicção, mas não quero convencer ninguém daquilo que faz sentido para mim. O espiristimo, aliás, não é proselitista. Respeitamos todas as tradições e não nos consideramos o único caminho que leva a Deus. O curioso é que, apesar de a maioria dos brasileiros dizer que acredita em Deus, a morte ainda é um tabu na sociedade. Boa parte das pessoas atravessa uma existência inteira sem se preparar para a única certeza que temos na vida que é o colapso das funções orgânicas. O que tem de desencarnado por aí que anda não sabe que “morreu” é uma enormidade…

Você é premiado por sua atuação no jornalismo ambiental , com livros sobre sustentabilidade e ecologia.  O suicídio faz parte desse pacote?

André Trigueiro: Tenho denunciado o risco do “ecocídio”, quando ignoramos os alertas de colapso planetário e replicamos um estilo de vida (hábitos, comportamentos e padrões de consumo) incompatível com a capacidade de suporte da Terra. Na Rio 92 o modelo de desenvolvimento foi definido como “ecologicamente predatório, socialmente perverso e politicamente injusto”. Essa é a receita do caos. Essa postura indiferente e insensível nos precipita na direção de um impasse civilizatório : ou corrigimos o rumo ou pereceremos. O fato é que nunca uma espécie viva determinou tamanha interferência nos ciclos da natureza como a nossa. A atual era geológica já está sendo chamada de “antropoceno”, ou seja, não seria mais possível explicar o planeta sem nós, e isso não é um elogio. Agora veja que interessante: temos um planeta doente dominado por uma espécie que também dá sinais de debilidade. Como explicar que no auge da crise ambiental reconhecemos que o suicídio é caso de saúde pública em todo o mundo? Se “o meio ambiente começa no meio da gente”, como disse certa vez um escritor goiano, o suicídio é um desastre ecológico. É como dizem os físicos quânticos: “o universo é um conjunto de fenômenos interligados e interdependentes que interagem o tempo todo”. O micro e o macro. O suicídio e o ecocídio. A boa notícia é que dispomos de todas as condições de virar esse jogo nos dois planos da existência (individual e coletivo). Depende de nós querer isso. Eu quero.

Quais as principais recomendações para se abordar o suicídio na mídia?

André Trigueiro: A OMS já elaborou manuais especialmente dirigidos para profissionais de imprensa sobre como falar de suicídio. Para mim os tópicos mais importantes são: não destacar esse tipo assunto com manchetes e fotos, não informar o meio empregado para consumar o suicídio, não enaltecer as qualidades morais do suicida, e sempre abrir espaço para as informações que aludem a prevenção. As pessoas precisam saber que o suicídio é prevenível em 90% dos casos, devem estar cientes das patologias que inspiram maior atenção e vigilância, as situações de risco, onde procurar ajuda especializada e quais os serviços de apoio emocional e prevenção do suicídio que existem no Brasil (como é o caso do Centro de Valorização da Vida, www.cvv.org.br – 141). É importante dizer que o jornalismo tem uma função social, ele precisa ser útil à sociedade, e neste capítulo da prevenção do suicídio, é preciso fazer mais e melhor.

 E as casas espíritas, como devem proceder ao serem consultadas sobre o assunto?

André Trigueiro: O Espiritismo oferece um precioso estoque de informações que não deixam dúvidas sobre o equívoco do ato suicida. É preciso deixar isso bem claro, sempre. Pelo menos uma vez por ano, recomenda-se que a prevenção do suicídio seja tema de pelo menos um seminário ou palestra pública na instituição. A casa espírita tem a função-escola, de promoção do estudo e da instrução de quem se interessa pela doutrina. Mas a casa espírita também é o espaço do acolhimento, do atendimento a quem precisa de ajuda. Quando nos deparamos com alguma situação de emergência, além das preces, dos passes magnéticos e das palavras que transmitem serenidade e equilíbrio, há que se buscar o apoio do especialista. Normalmente são psicólogos ou psiquiatras. No serviço público, embora os CAPs (Centros de Atenção Psicossociais) tenham a função de promover o “manejo inicial de pessoas que se encontrem sob o risco suicida”, os serviços de urgência/emergência ainda estão a cargo do SAMU (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) e da UPA (Unidade de Pronto Atendimento). Em resumo: o Brasil ainda carece de redes de cuidado devidamente capacitadas e interligadas. Precisamos avançar muito em vários gêneros de assistência, e isso também alcança os candidatos ao suicídio.

“Em nenhuma hipótese o suicídio significa alívio ou solução para os problemas.

 Por que não se dar de presente uma nova chance? Você merece!”

 

O que você diria para quem já pensou ou está pensando em se suicidar?

André Trigueiro: A maioria das pessoas já pensou alguma vez em suicídio – pelas mais diversas razões – e nunca perdeu muito tempo com essa ideia. Quando esse pensamento é recorrente, acende-se a luz amarela. Acho importante a gente se dar conta de que toda dor, por mais aguda que seja, passa. Se demorar a passar, procuremos ajuda. Muita gente que já pensou várias vezes em se matar, hoje consegue tocar a vida muito bem sem esse pensamento. Muita gente que já tentou se matar conseguiu superar esse trauma para seguir em frente com ânimo revigorado. Em boa parte dos casos quem pensa muitas vezes em suicídio se isola da família e dos amigos, vai vivendo num mundo paralelo. Isso é ruim. Considere o benefício do desabafo.  Todos nós precisamos ter a chance de desabafar com alguém, falar abertamente sobre o que nos incomoda ou atormenta. O ideal é que seja alguém que nos escute sem julgamentos, condenações ou receitas prontas para resolver os nossos problemas. Em não sendo possível encontrar esse alguém – cada vez mais raro nos dias de hoje – ligue para o CVV e experimente os efeitos positivos desse contato. Se nada disso lhe parecer interessante ou convincente, vamos então analisar friamente as consequências do suicídio no mundo espiritual: o arrependimento é certo, o sofrimento se agrava barbaramente e em nenhuma hipótese o suicídio significa alívio ou solução para os problemas. Pense nisso. Por que não se dar de presente uma nova chance? Você merece!

 O que fazer com a culpa e o sentimento de impotência dos que conviveram com o suicida?

André Trigueiro: “Entrega, aceita, confia e agradece”, diria o saudoso Mestre Hermógenes, que tive o privilégio de conhecer. Pesquisas realizadas por organizações médicas apontam a perda dos entes queridos como o maior dentre todos os fatores de estresse conhecidos. Quando essa perda é causada por suicídio, o impacto tende a ser maior. Estima-se que um grupo de aproximadamente seis pessoas próximas do suicida (entre familiares e amigos) demandem atenção médica por algum tempo antes de retornarem a rotina de sempre. O importante nesses casos é deixar a vida seguir seu curso, sem cultivar culpa ou remorso, entregando a Deus toda dificuldade que porventura atrapalhe a sua jornada. Mas a pergunta sugere uma reflexão importante: estaríamos nós, por alguma razão, causando ou agravando estados de angústia, ansiedade ou aflição a pessoas próximas ? Estimulamos os canais de comunicação com os que compartilham conosco a existência? Sejamos aquilo que o grande pensador potiguar Câmara Cascudo disse certa vez: “uma pequenina célula que procura ser útil na fidelidade da função”.

 O que cada um de nós pode fazer para ajudar na prevenção do suicídio?

André Trigueiro: De forma direta?  Ser voluntário do CVV! Basta ter mais de 18 anos, boa vontade, e passar no curso de formação dado pela instituição. Desde 1962 esta organização vem oferecendo um serviço gratuito, 24h por dia, de apoio emocional e prevenção do suicídio que é reconhecida pelo Ministério da Saúde como de utilidade pública. Pode-se também ajudar na divulgação dos serviços do CVV. No dia a dia, podemos estimular o debate em torno da prevenção do suicídio onde e quando isso se fizer necessário (casa, trabalho, escola, universidade, sindicato, etc). Por último mas não menos importante, estarmos prontos para agir quando a Providência Divina solicitar a nossa intervenção, estancando ou aliviando processos dolorosos, consolando corações aflitos, ouvindo desabafos angustiados… Há sempre como interferir positivamente em algum elo da cadeia beneficiando todo o sistema. É como diz Emmanuel, no livro Fonte viva, psicografado por Francisco Cândido Xavier, ao comentar o trecho da carta de Paulo aos Coríntios quando o apóstolo dos gentios indaga: “Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda?”. Diz Emmanuel: ” Os raios de nossa influência entrosam-se com as emissões de quantos nos conhecem direta ou indiretamente, e pesam na balança do mundo para o bem ou para o mal”. Que seja para o bem.

 

Versão ampliada da entrevista publicada no jornal Correio Fraterno – edição 463 maio/junho 2015