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“O mundo não depende de um acordo da ONU para mudar, porque a mudança está em curso”

 

André Trigueiro acaba de voltar de Copenhague, onde participou da 15ª Conferência das Partes sobre o Clima, da ONU. Para ele, faltou à COP-15 uma gestão eficiente dos anfitriões. “Os dinamarqueses foram simplesmente desastrosos”, define. Trigueiro considera que “os dinamarqueses implodiram a COP-15 na primeira semana de trabalho, quando surgiu o rascunho em que eles já apresentavam um desenho do acordo, sendo que as negociações estavam ainda no início”. Na entrevista que concedeu por telefone à IHU On-Line ele fala sobre a posição de países como os Estados Unidos, a China e, claro, o Brasil, na Conferência realizada na Dinamarca de 7 a 18 de dezembro últimos. Ao analisar as discussões, Trigueiro percebe que “são vários indicadores de que o mundo caminha para uma economia de baixo carbono, onde as fontes limpas e renováveis de energia sejam cada vez mais valorizadas e competitivas”.

 

André Trigueiro é jornalista, pós-graduado em Gestão Ambiental pela COOPE/UFRJ e professor do curso de Jornalismo Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Na Globo News, apresenta o programa “Cidades e soluções”, tratando da questão do meio ambiente. É autor de Mundo sustentável (São Paulo: Globo, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Deu tudo errado mesmo em Copenhague?

André Trigueiro – Tudo errado, não. O que se salvou da COP-15, em primeiro lugar, foi um marco do ponto de vista da atenção dispensada pela comunidade internacional a uma Conferência das Partes da ONU. Jamais tanta gente no mundo inteiro quis acompanhar em detalhes um evento como esse. E lá estavam mídia, organizações não governamentais, um número de profissionais e de ativistas sem precedentes, acompanhando de perto as negociações do clima. A COP-15 demarca uma nova etapa no que diz respeito à popularidade deste assunto no mundo inteiro. Segundo, conseguimos, ainda que de forma penosa e polêmica, consensuar o teto de 2ºC, que a humanidade, através daquele documento final, se compromete a não ultrapassar. Se coloca como objetivo viabilizar um fundo que haverá de ajudar os países pobres, que são aqueles que mais vão sofrer os efeitos danosos do aquecimento global, com recursos que foram discriminados (dez bilhões de dólares por ano até 2012; até 2020 pretende-se alcançar a cifra de cem bilhões de dólares; e de 2020 em diante cem bilhões de dólares por ano). É um valor aquém do mínimo necessário, segundo vários especialistas, para promover adaptação, mas é um começo. Nesse sentido, não se pode dizer que tudo deu errado.

 

IHU On-Line – Como você analisa a forma dos europeus e norte-americanos inserirem a questão das mudanças climáticas em suas agendas políticas?

André Trigueiro – É forçoso reconhecer que a União Europeia, enquanto bloco de países, se encontra no estágio mais avançado de maturação do processo. A maior parte dos países que cumpriu o Protocolo de Kyoto está na Europa. A Grã-Bretanha foi a primeira nação do mundo a determinar, dentro da lei, prazos e metas de redução bastante ousados. A França, neste mandato de Nicolas Sarkozy, também tem sido bastante pró-ativa, inclusive no que diz respeito à taxação de carbono, igualmente dentro do processo legal francês. O presidente da comissão europeia, Durão Barroso, chegou a dizer que, se houvesse a disposição dos negociadores nessa direção, a Europa poderia reduzir suas emissões não em 20, mas em 30% até 2020, tendo como ano base 1990. Os europeus se destacam no processo. Em relação aos Estados Unidos, precisamos ter mais cuidado nas análises, porque aquilo que Barack Obama tenta aprovar no senado, que é uma redução de 17% se considerado o projeto que seguiu da câmara, mas que pode chegar a 20%, se a emenda dos senadores John Kerry e Barbara Boxer, for aprovada (20%, ano base 2005), daria em torno de 3 ou 4% de redução, tento como base o ano de 1990. É pouco, mas jamais foi feito. Depois de oito anos de obstáculos, de travamento do governo Bush, que reiteradas vezes se manifestou contra não apenas ao Protocolo de Kyoto, mas a qualquer política de redução de gases, o que o governo Obama está propondo é uma ruptura que a ele já custa muito cacife político. Ele está sendo muito desgastado domesticamente por apresentar uma meta que aos olhos do mundo é muito medíocre. Então, não é fácil a situação de Obama. Ele foi a Copenhague fazer um discurso com endereço certo, que foi seu próprio eleitorado, que ano que vem vai às urnas para votar o novo congresso, para escolher os novos representantes. Obama fez um discurso visivelmente preocupado em não esticar mais a corda no que diz respeito à capacidade de governar, de não ser um “pato manco”, para usar uma expressão comum nos Estados Unidos. Ele tem mais três anos de governo e está muito preocupado em não bancar o herói aos olhos do mundo e ser depenado vivo no seu país.

 

IHU On-Line – O que faltou na COP-15?

André Trigueiro – Primeiro, uma gestão eficiente dos anfitriões. Os dinamarqueses foram simplesmente desastrosos. O primeiro ministro Anders Fogh Rasmussen é entendido pelos próprios dinamarqueses como uma pessoa inábil politicamente. Ele não tem o traquejo de negociar acordos complexos como esse. E os dinamarqueses implodiram a COP-15 na primeira semana de trabalho, quando surgiu o rascunho em que eles já apresentavam um desenho do acordo, sendo que as negociações estavam ainda no início. O governo dinamarquês perdeu credibilidade. Eles têm responsabilidade “no atacado e no varejo”: restringiram o acesso das ONGs, reprimiram com violência os ativistas, e não foram competentes na gestão da Conferência. O anfitrião tem um papel muito importante nessas conferências e a Dinamarca não soube usar esse predicado. Um segundo problema foi a intransigência de alguns países, notadamente China e Estados Unidos, não por acaso os dois maiores poluidores. Obama está engessado pelas razões que eu já expus. E os chineses não parecem à vontade em ver a Europa podendo reduzir mais. O sucesso da Conferência representaria uma ameaça ao projeto chinês de ser um país referência, líder, nova potência no mundo, ainda que profundamente escorada em combustível fóssil, principalmente carvão mineral. A China não está preparada, neste momento, para ir além daquilo que se propôs a fazer, que é uma redução que pode chegar a 45% das emissões, mas na curva de crescimento por unidade de PIB, que é uma inovação contábil. Os chineses inventaram uma maneira de propor um plano de ação. É melhor do que nada. Mas ainda com esse plano de ação os chineses vão emitir muito mais em 2020 do que estão emitindo hoje. É uma situação difícil, porque é um país super-populoso, que não resolveu o problema da pobreza e que tem fartura de carvão mineral.

 

IHU On-Line – A Terceira Revolução Industrial será mesmo baseada na eficiência energética?

André Trigueiro – Foi o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, nesse ano, quem disse que o país que descobrisse primeiro uma alternativa aos combustíveis fósseis, lideraria as demais nações no século XXI. Essa nova tecnologia ou a capacidade que temos de promover inovação tecnológica, de reduzir os custos e aumentar a potência ou a capacidade instalada a partir de fontes renováveis e limpas é algo que faz a diferença. É importante lembrarmos aqui que a própria Organização Mundial do Comércio, antes da COP-15, divulgou um documento junto com a ONU informando que eventuais sobretaxas cobradas por países sobre produtos importados que tenham uma pegada de carbono muito elevada, ou seja, a ideia de sobretaxar quem usa muito o petróleo, carvão e gás na confecção dos seus produtos, não será considerada um embargo; não estaria sujeito a um questionamento do ponto de vista do protecionismo. E isso é um indicador muito claro de que a própria Organização Mundial do Comércio percebe, como cenário, um mundo onde certas economias, certos países, estão descarbonizando os meios de produção – é a tal economia de baixo carbono -, estão investindo alto agora, mas para não perder competitividade podem sobretaxar quem seja ineficiente do ponto de vista energético. São vários indicadores de que o mundo caminha para uma economia de baixo carbono, onde as fontes limpas e renováveis de energia sejam cada vez mais valorizadas e competitivas.

 

IHU On-Line – Por onde você acha que o Brasil vai nesse sentido?

André Trigueiro – O Brasil, de três meses para cá, resolveu assumir um plano de ação voluntária. Pela primeira vez temos uma política pública definida em lei que estabelece percentualmente um compromisso de redução do desmatamento da Amazônia (80% até 2020). A partir da questão climática, o Brasil se posiciona pela primeira vez, formalmente, e com lei aprovada no Congresso, no que diz respeito à redução do desmatamento na Amazônia. Até então, não havia nenhum compromisso com prazos e metas no que diz respeito à Amazônia. Segundo, São Paulo, que é o principal estado do Brasil do ponto de vista econômico, populacional e de emissões de CO2, tem aproximadamente 50 milhões de brasileiros, o maior parque industrial, a maior frota de veículos automotores, e tem lei estadual aprovada recentemente, que estabelece a redução de 20% nas emissões até 2020, tendo como ano base 2005. Em terceiro lugar, a corrida presidencial de 2010 com Marina Silva determinou o esverdeamento do discurso dos pré-candidatos desenvolvimentistas, que são José Serra e Dilma Rousseff. Certamente no ano que vem teremos no debate entre os candidatos a questão climática claramente colocada junto com outros assuntos ambientais que, na percepção dos próprios candidatos, tem peso junto ao eleitorado. O Brasil, principalmente a partir do discurso de improviso do presidente Lula no último dia da COP-15, assumiu perante o mundo um protagonismo. O Brasil é o país que mais cobrou ação e que mais se dispôs a buscar uma solução em função desse conjunto de fatores que tentei resumir aqui.

 

IHU On-Line – Que perspectivas existem depois de Copenhague?

André Trigueiro – O fato da COP-15 ter fracassado não significa que certas engrenagens não estejam funcionando e que não haja uma progressão dos esforços de países, empresas e organizações não-governamentais articuladas em redes, de dar sequência a esse determinismo de se reduzir emissões de gases estufa e de se descarbonizar a matriz energética. Existem movimentos que já estão em curso, e que agravam a percepção de que:

1 – A COP-16 no México será diferente da COP-15 na Dinamarca. Ao contrário da Dinamarca, o México é um país comprometido. Durante a COP-15 anunciou, junto com a Noruega, a redução de mais de 30% nas emissões de gases estufa, tendo como ano base 1990 e a criação de um fundo verde para financiar países pobres. O México tem a disposição de construir o consenso, coisa que não se viu da parte do governo dinamarquês.

2 – Haverá, até o ano que vem, essa repercussão do fracasso. Isso pesa na biografia e no legado dos chefes de estado que passaram pela COP-15. Além disso, traz uma inquietação, porque marcou a biografia, é algo que está mal resolvido. Outro aspecto importante é o seguinte: a ONU saiu muito arranhada da Dinamarca pela moldura, pelas regras com que constrói o debate, com essas negociações multilaterais muito complexas e difíceis (é o gigantismo do mundo que não cabe em dez dias de conferência). Isso expõe a ONU a um desgaste que não havia com tanta intensidade antes. E aí se abrem caminhos para outros gêneros de negociação, seja a partir do G-20, seja a criação de um organismo novo multilateral, que seja uma OMC verde, uma OMC ambiental. Estamos vivendo um momento da história em que é preciso haver celeridade no processo. As ações precisam ser tomadas com mais rapidez, precisamos descobrir uma fórmula de negociação que não prorrogue indefinidamente os esforços na direção de um acordo. Nesse sentido estou otimista, o mundo está mudando. As engrenagens estão trabalhando, estão nos projetando na direção de um futuro que poderia ser mais auspicioso se houvesse acordo na Dinamarca, mas o mundo não depende de um acordo da ONU para mudar, porque a mudança está em curso.

 

(Fonte: IHU)

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