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O mundo começa a partir da casa da gente

 

Por Graziela Wolfart e Moisés Sbardelotto

Fonte: IHU

 

Mesmo sem ter ouvido falar da campanha 10:10:10, o jornalista ambiental André Trigueiro reconhece a importância de iniciativas como esta, que têm um apelo ecológico global, mas que estimulam ações locais. Na entrevista que segue, concedida por telefone à IHU On-Line, ele explica que “o Brasil é um país muito amplo, desigual, diferenciado, com culturas distintas, visões de administração e sensibilidade para as questões ambientais muito difusas, singularizadas”. No entanto, ele identifica que “avança no poder público a consciência de que é preciso qualificar o planejamento, e que esse planejamento precisa incorporar a variável da sustentabilidade”. Para Trigueiro, “precisamos que na explanada dos ministérios o meio ambiente não seja assunto de um ministro só. O Ministério do Meio Ambiente não pode ser uma ONG ambientalista na explanada. Deve ser assunto de todo o governo. Não tem produção, riqueza, exportação, turismo, comércio e desenvolvimento sem um meio ambiente sadio”.

André Trigueiro é jornalista, pós-graduado em Gestão Ambiental pela COOPE/UFRJ e professor do curso de Jornalismo Ambiental da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Na Globo News, apresenta o programa “Cidades e soluções”, tratando da questão do meio ambiente. É autor de Mundo sustentável (São Paulo: Globo, 2005).

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual é a situação do Brasil com relação às mudanças climáticas? Quais são os nossos pontos mais fracos com relação à crise ambiental?

André Trigueiro – O Brasil ainda não resolveu o problema do desmatamento da Amazônia, que é o principal vetor de emissões de gases estufa. É um país de dimensões continentais que deverá sofrer impactos importantes por conta das mudanças dos biomas, principalmente o amazônico e a caatinga. A mudança do ciclo da chuva deverá também determinar problemas em relação à forma como planejamos o uso do solo e a agricultura. Certas culturas não poderão mais existir em áreas hoje consagradas, como no caso da soja, do milho, da maçã. Haverá a necessidade de reprogramar a forma de planejar a agricultura no Brasil em função da mudança climática. O Brasil é um país produtor, portanto existe um impacto. Lembremos especialmente do litoral de Santa Catarina, que é uma porta de entrada de ventos extremos. Não por acaso se deu ali o aparecimento do primeiro furacão do qual se tem notícia no hemisfério sul, o furacão Catarina . Temos oito mil quilômetros de litoral com áreas mais ou menos vulneráveis à elevação do nível do mar, o que depende da configuração do leito marinho e da forma como se modificou a vegetação no continente, bem como áreas de baixada, áreas densamente povoadas. Tudo isso vai determinar maior ou menor impacto em função da elevação do nível do mar. Esse seria o conjunto mais importante de fatores que justificam a enorme preocupação e atenção de nossa parte.

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IHU On-Line – Os órgãos públicos estão fazendo o que lhes cabe para evitar que essas mudanças se aprofundem? Como o senhor avalia os projetos governamentais em torno da ecologia?

André Trigueiro – O Brasil não é homogêneo, não se resolve por igual. Não se pode comparar a situação no interior do Piauí com a situação do Vale dos Sinos. Se falarmos em formas de proteger áreas verdes em cidades, não podemos esquecer que existem municípios do Brasil que já institucionalizaram o IPTU verde . É uma sinalização muito clara da administração pública destas cidades, onde já se tem uma visão de que é importante criar estímulos fiscais para que o proprietário de uma determinada área seja recompensado se mantiver essa área verde, protegida. Mas o Brasil tem 5.600 municípios e apenas alguns fazem isso, que merecem aplausos, nota 10. Outros sequer cobram IPTU. O Brasil é um país muito amplo, desigual, diferenciado, com culturas distintas, visões de administração e sensibilidade para as questões ambientais muito difusas, singularizadas. Mas posso dizer que avança no poder público a consciência de que é preciso qualificar o planejamento, e que esse planejamento precisa incorporar a variável da sustentabilidade. Isso estará presente na forma como pensamos a coleta, o transporte e a destinação final de lixo, a forma como estivermos mais atentos à falta de saneamento, às valas negras, à forma como se pretenda organizar o transporte público, a forma como se planeja a habitação, o uso do solo, a forma como se licenciam novos empreendimentos. Isso é um processo. Todos nós estamos percebendo e testemunhando em diferentes setores da sociedade que há um avanço. Como isso se desdobra em diferentes lugares e diferentes setores da economia, é algo que exige mais tempo para identificar caso a caso.

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IHU On-Line – Em um período eleitoral, quais seriam as medidas centrais dos próximos governos para encontrar formas mais sustentáveis para o país? Como conciliar a necessidade de desenvolvimento e de energia com as questões ecológicas?

André Trigueiro – O Brasil precisa regulamentar a política nacional de mudanças climáticas (a lei foi aprovada, mas não foi regulamentada); o governo precisa estar atento à proposta de revisão do Código Florestal , há muita controvérsia e muita polêmica em torno dos reais efeitos da aprovação desse código nos termos do relator Aldo Rebelo ; o Brasil precisa ter um planejamento melhor delineado da sua matriz energética, percebendo qual seria a melhor escolha para que não falte energia, sem deixar de considerar o enorme potencial de fontes limpas e renováveis, incrementando pesquisa, principalmente nas áreas solar, eólica e biomassa; precisamos prestar atenção na evolução da política nacional de resíduos sólidos, que já foi aprovada e sancionada, mas falta ser regulamentada. Isso é muito importante, porque o passivo ambiental do lixo é enorme no Brasil. E necessitamos também de uma política para cumprir o que está na Constituição, que é o zoneamento econômico e ecológico da Amazônia. A Amazônia pode ter pecuária, mineração, extração de madeira. Não tem problema nenhum. O problema é onde se vai fazer isso e de que jeito. E essa equação não foi resolvida. Precisamos que na explanada dos ministérios o meio ambiente não seja assunto de um ministro só. O Ministério do Meio Ambiente não pode ser uma ONG ambientalista na explanada. Deve ser assunto de todo o governo. Não tem produção, riqueza, exportação, turismo, comércio e desenvolvimento sem um meio ambiente sadio. O ministro da agricultura tem que ser o primeiro a falar de sustentabilidade.

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IHU On-Line – Em outubro deste ano, organizações ambientais internacionais estão organizando a campanha 10:10:10, o dia da maior mobilização local contra as mudanças climáticas em todo o mundo. Qual a importância de iniciativas mundiais, porém locais, como essa?

André Trigueiro – Toda a campanha, toda a mobilização, como foi o Dia Mundial Sem Carro, que houve pouca adesão, mas muito debate e reflexão, são processos. As campanhas se prestam a alertar, advertir, chamar a atenção, ajudam no processo de consciência. E espera-se que, em algum momento, essa consciência se traduza em novas atitudes. Em última instância, o resultado que interessa é a nova atitude. Mas a humanidade não dá saltos. Então as campanhas adubam a mente, fertilizam as ideias à espera da colheita, que é o que interessa: novos hábitos, novos comportamentos, novos padrões de consumo, novas atitudes. Então elas são muito bem-vindas. Não podemos pensar no planeta descuidando da casa da gente, das compras que fazemos no supermercado, do lixo que descartamos, da forma como nos inserimos na cidade em que vivemos, da forma como tentamos transformar a cidade em que vivemos num lugar melhor, a forma como votamos, como nos comportamos no condomínio, no ambiente de trabalho. O mundo começa a partir da casa da gente e se desdobra nos demais cenários.

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IHU On-Line – Em seu sítio (www.mundosustentavel.com.br), você percebe a existência de uma “teologia ambiental”, pois as tradições religiosas sempre se preocuparam em ratificar a presença do sagrado nas mais diversas manifestações de vida. Em um nível inter-religioso, quais seriam os pontos fundamentais e comuns dessa teologia, em sua opinião?

André Trigueiro – Toda a religião, por premissa, defende a vida, tenta explicar o sentido da vida e nos advertir sobre a importância de estarmos vivos e enaltecermos a condição de sermos seres viventes. Portanto, por uma questão de coerência, toda a religião, em tese, se defende esses princípios, deveria defender a sustentabilidade, esta entendida como sinônimo de harmonia, equilíbrio e de uso racional, prudente e inteligente dos recursos. Portanto, estou afirmando segundo aquilo que me foi possível acessar em termos de informação sobre diferentes tradições, que quem se diz religioso, por princípio, deveria ter apreço pela vida e, em decorrência disso, entendendo as leis que regem a vida e o universo, ter uma postura na direção da sustentabilidade. Praticar a sua religião significa se aproximar dos preceitos defendidos por ambientalistas ou ecologistas. Quem defende a vida não pode destruí-la. A teologia ambiental propriamente dita é a capacidade que alguns teólogos têm de buscar nas suas respectivas escrituras ou textos sagrados, na base de suas respectivas doutrinas elementos de convicção para sustentar no dia de hoje a tese de que a sustentabilidade vai ao encontro da fé. A prática da espiritualidade ou a prática dos preceitos religiosos que alguém adotou devem convergir no mesmo caminho apontado por ecologistas e ambientalistas. Não há diferença, é coerente. A espiritualidade contém todas as religiões. A pessoa pode ser espiritualizada e não ter nenhuma religião. Mas a religião, seja ela qual for, não contém toda a espiritualidade. A teologia caminha na direção de tentar entender os desígnios de Deus. E se Deus criou a vida, a natureza e nos criou, certamente não foi para que nós dilapidássemos isso com a capacidade que estamos tendo.

 

 

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