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O discurso “desenvolvimentista” dissociado da sustentabilidade caducou no século passado”

 

Por Cristiano Viteck

Há quase duas décadas, o jornalista André Trigueiro vem dedicando grande parte do seu trabalho a temas ligados ao meio ambiente. Repórter e apresentador do “Jornal das Dez” e editor-chefe do programa “Cidades e Soluções”, ambos da Globo News, Trigueiro também é professor do curso de Jornalismo Ambiental da PUC-RJ e autor dos livros “Mundo Sustentável – Abrindo Espaço na Mídia para um Planeta em Transformação” e “Espiritismo e Ecologia”, além de também ter sido coordenador editorial e um dos autores do livro “Meio Ambiente no Século XXI”.

Nesta entrevista, o jornalista – que, em 2008, recebeu a Medalha de Mérito Pedro Ernesto, a mais importante comenda do município do Rio de Janeiro – critica a forma alarmista como a mídia muitas vezes divulga os assuntos ligados ao meio ambiente, defende a necessidade de superar o atual modelo de desenvolvimento e explica que religião e ecologia podem andar juntas.

 

Quando e por que o senhor começou a se dedicar ao jornalismo ambiental?

A cobertura da conferência internacional da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento, a Rio-92, foi muito marcante para mim. Ficou muito claro que esse era um assunto inevitável, do momento. Eu me senti completamente inebriado. Fui buscar formação fora do jornalismo, em grupos de estudos, em livros para entender e reportar melhor aquilo que eu estava julgando entender. Isso num momento em que ainda havia preconceito sobre o tema, que era um assunto periférico. Com muita alegria, nessas quase duas décadas eu tenho acompanhado a mudança muito clara na forma como assunto é percebido pela mídia. Hoje, esse assunto, por conveniência ou convicção, se tornou importante. Agora, eu não me sinto muito confortável no rótulo de jornalista ambiental. Me sinto mais confortável me assumindo como jornalista interessado nos assuntos da sustentabilidade. Também não sou defensor de uma editoria de meio ambiente na atividade jornalística. Eu prefiro entender que os assuntos da sustentabilidade alcançam todas as editorias.

 

A imprensa brasileira ainda está aprendendo como trabalhar os temas do meio ambiente?

É um processo. A gente já esteve mais atrasado, com uma visão mais provinciana, até ultrapassada eu diria. Uma dificuldade de entender que a dimensão ambiental vai além da proteção dos recursos naturais. Esse é o ponto de partida, mas transcende e vai na direção dos comportamentos, estilos de vida, padrões de consumo, modelos de desenvolvimento e de civilização. O olhar da gente é fragmentado culturalmente. Na escola, temos as disciplinas segmentadas e, na faculdade, isso se agrava. As áreas do saber e do conhecimento são fracionadas e muito autossuficientes. Isso não é pensar sistemicamente. Essa é uma das causas dessa crise ambiental sem precedentes. Esse olhar fragmentado da realidade. E a realidade não é fragmentada.

 

Cada vez mais a mídia tem tratado do meio ambiente. Mas, em muitos casos, o faz de forma alarmista, impondo o medo em relação ao futuro. Essa é a melhor maneira de informar as pessoas sobre as questões do meio ambiente?

Sensacionalismo não combina com credibilidade. Um dos assuntos fundamentais na minha profissão é a calibragem que precisa existir entre como reportar a crise sem esvaziar a perspectiva da mudança. As pessoas precisam se sentir não apenas como parte do problema, mas também como parte da solução. Como você salientou, há um risco de causar uma prostração nas pessoas, pois elas acabam desestimuladas em relação ao futuro. Quando você perde a esperança, você perde tudo. Isso é muito sério porque o jornalismo não pode ser pensado apenas em termos lógicos e racionais. O jornalismo tem uma dimensão emocional, a qual é pouco trabalhada. Uma das questões que precisam ser refletidas no jornalismo no século XXI é justamente o cuidado com a forma como se reportam certos assuntos. É preciso ter a ética do cuidado. Quanto mais sensacionalista for uma mídia na cobertura dos assuntos ambientais, menos credibilidade ela tem. O recurso do jornalismo pobre é a apelação. O desafio que está colocado para o profissional de comunicação é ser claro o suficiente para demonstrar para as pessoas o senso de urgência, mostrar que não basta mudar, tem que mudar rápido.

 

Nos debates sobre o meio ambiente existe, em muitos momentos, uma polarização entre o homem e a natureza. Passar a perceber o homem como parte da natureza é um dos desafios atuais?

Temos que entender o universo como um conjunto de fenômenos interligados, interdependentes e que interagem o tempo todo. O homem nunca se separou do meio ambiente e essa é uma ilusão que alcançou significado e projeção a partir do desenvolvimento científico. A ciência é uma ferramenta muito importante de percepção da realidade. Mas a metodologia científica, a forma de explicar a vida e o universo nos projetou numa direção equivocada. A humanidade não pode se perceber dissociada do meio em que está inserida. O preço que se paga por essa falsa dualidade é enorme. Não podemos colocar meio ambiente e desenvolvimento em lados opostos. Quando falamos de mundo sustentável, estamos falando de novos valores, de uma nova cultura. É um novo olhar sobre o meio que nos cerca. Por exemplo, o lixo que você produz em casa não é assunto da prefeitura somente. É assunto teu! E a Política Nacional de Resíduos Sólidos, recém aprovada depois de tramitar 20 anos no Congresso, estabeleceu a verdade. Lixo não é assunto só de quem tem o ônus de coletar os resíduos na rua. É assunto de quem gera e de quem fabrica. Ou seja, responsabilidades compartilhadas. Essa é uma visão moderna. Eu diria que hoje estamos melhores do que já estivemos, mas ainda tem muitos degraus para subir.

 

O caráter econômico parece sempre ser o norte principal das ações políticas e empresariais. É possível buscar o desenvolvimento sustentável sem que ocorram perdas econômicas?

Não sei e não sei se alguém sabe. Nós estamos testando o desenvolvimento sustentável. Isso significa que estamos tentando conjugar diversos interesses em uma mesma bússola que aponta a mesma direção. O desenvolvimento sustentável é aquele que atende ao interesse econômico, é socialmente responsável e tem harmonia na relação com o meio natural. Nós estamos experimentando isso. Agora, se esse é o único caminho, eu não sei. Eu tenho muito interesse em acompanhar debates que não usam apenas o desenvolvimento sustentável como única saída, mas que falam, por exemplo, de retirada sustentável, de decrescimento. Teoricamente, é possível explicar que o crescimento da economia nem sempre gera benefício social e ambiental. Então, nem sempre o crescimento deveria ser a meta, por mais surpreendente que isso possa parecer. Essa perseguição implacável do crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) tem sido muito criticada. É um momento muito interessante que estamos testemunhando. Até aqui, o desenvolvimento sustentável soa como a ideia mais inspirada. Mas, daí afirmar categoricamente que essa é a solução, eu não tenho motivos para endossar isso. É preciso ter muita humildade para reconhecermos que não houve tempo suficiente para saber qual a melhor maneira de promover a mudança.

 

O senhor é autor do livro “Espiritismo e Ecologia”. Trabalhar juntos o lado espiritual e o meio ambiente é uma proposta bastante interessante.

Todas as grandes tradições religiosas se preocupam em explicar essa crise. No site do Dalai Lama, o assunto que mais reúne textos é justamente a sustentabilidade. Há dois anos, o Papa Bento XVI elevou à categoria de pecado o dano ambiental. O tema da Campanha da Fraternidade dos católicos deste ano é “florestas”, em sintonia com a ONU que elegeu este o Ano Internacional das Florestas. Aqui no Brasil, as religiões afro-brasileiras dependem de recursos da natureza para sobreviverem. Por sua vez, a forma como se estruturou o espiritismo de Allan Kardec 150 anos atrás tem várias questões muito modernas no sentido de defender pontos de vista que são caros aos ecologistas e ambientalistas. Existe toda uma teologia ambiental que diversas tradições estão construindo ou ajustando. As informações já estão nas escrituras ou nos textos referenciais dessas doutrinas. Só que rabinos, padres, pastores, pensadores espíritas, lideranças budistas estão oxigenando esses textos de forma a emprestar sentido para um novo contexto. Eu sou espírita e tive muito prazer em tentar identificar esses elementos comuns entre a doutrina espírita e o pensamento ecológico.

 

Buscar a mudança do atual modo de vida é o grande desafio da humanidade no século XXI?

A mudança virá e isso já está acontecendo em escala global. Para mim não faz sentido acreditar em outra tese que não a da mudança inevitável. Pelo menos estamos percebendo um cuidado em não replicar o nível de destruição da natureza que a gente vem testemunhando desde o pós-Guerra. Esse discurso “desenvolvimentista” dissociado da sustentabilidade caducou no século passado. A mudança de cultura está sendo muito bem semeada e isso vai eclodir de forma irreversível. Se isso vai levar 50 ou 100 anos faz muita diferença. Nem nossos avós e nem nossos pais se depararam com a situação que estamos vivendo hoje no seguinte sentido. As decisões que tomarmos coletivamente nos próximos anos será absolutamente determinante na qualidade de vida das gerações futuras. A pergunta é: quanto tempo levaremos, e não temos muito tempo é bom frisar, para que coletivamente a escolha que a nossa civilização faz seja na direção certa? A direção certa é a que repensar os valores da sociedade de consumo, que não apregoa a opulência como condição do sucesso, que estabelece critérios no uso dos recursos naturais.

 

(Fonte: Editora Amigos da Natureza)

 

 

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